domingo, 25 de abril de 2004

Um tanque à porta do Quartel-General

Como em todas as famílias portuguesas, na minha também cada pessoa com mais de 40 anos tem a sua história sobre o 25 de Abril.

Na época alguns familiares meus estavam na tropa; um deles estava mesmo em Santarém com o Salgueiro Maia e veio até Lisboa. Entre as histórias que já nos contou algumas vezes disse-nos que um dos maiores receios dessa coluna militar que vinha de Santarém era a possibilidade de alguma das panhards se avariar; isso acontecia sempre que saiam para exercícios, e os carros acabavam por ter de ser rebocados de volta para o quartel.

Eu tinha 10 anos e lembro-me de acordar com o toque do telefone cerca das 6 da manhã. Um tio avisava-nos para "não deixar os pequenos ir à escola porque andam barulhos na rua". Quando me deram essa explicação percebi que teria alguma coisa a ver com a tropa.

Mas a história mais curiosa que ouvi até hoje foi-me contada por um primo meu que estudava em Lisboa, e vivia numa residencial de estudantes na Av. Duque d’Ávila. Nesse dia, de manhã cedo, alguém gritou alto e bom som: "ESTÁ UM TANQUE À PORTA DO QUARTEL-GENERAL!!!". Todos se levantaram em grande reboliço. Uns foram à varanda e outros vieram para a rua; os olhares concentravam-se para a extremidade da Avenida onde estava o tanque.

Após a surpresa inicial, começaram a questionar-se: "Quem estará a dar o golpe? Será golpe de direita ou de esquerda?"” A Emissora Nacional estava calada; apenas o Rádio Clube ia repetindo um comunicado que não respondia a esta questão crucial. Quando souberam que o governo estava cercado no Largo do Carmo, decidiram ir no carro de um deles até ao local dos acontecimentos.

Assim um grupo de quatro ou cinco estudantes meteu-se no carro e lá foi. No caminho, porém, são parados por uma barreira militar. Um soldado dirige-se ao condutor e diz-lhe que não podem prosseguir porque decorrem operações militares naquela zona da cidade e, portanto, teria de fazer meia-volta.

Este afastamento dos acontecimentos deixou a maioria deles desapontados; mas um deles sossegou-os quanto à dúvida: "Se o soldado foi tão bem educado a falar connosco, é porque o golpe é de esquerda". E com este raciocínio ficaram mais tranquilos.

Esta maneira de pensar sobre a esquerda e a direita é das mais curiosas que ouvi até hoje.

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