sexta-feira, 2 de julho de 2004

Zimbabwe

Há dez anos estive no Zimbabwe. Foram 4 semanas de férias em que tive a oportunidade de viajar pelo país de um lado para o outro: Harare, Bulawayo, Mutare, Cataratas de Victoria, Kariba. A ausência de auto-estradas e de centros comerciais faziam, de alguma forma, lembrar o Portugal antes da revolução; mas existiam as estradas principais em razoável estado de conservação. Na paisagem rural encontrava-se com facilidade grandes silos de cereais. A economia progressivamente debilitada ainda conseguia funcionar.

A independência de 1980 (antigamente vivia-se num regime de apartheid) tinha permitido o aparecimento de uma classe média multi-racial. Mas já se falava de corrupção e políticos que enriqueciam rapidamente. O desemprego já ia nos 30%. Lembro-me num banco onde o funcionário que me atendia, tinha um computador na sua mesa, mas não o utilizava; fazia todo o trabalho manualmente. Diziam-me que o Estado não despedia funcionários públicos para não aumentar o desemprego; era um custo social que preferiam pagar.

Na altura, um Concorde da British Airways passou por Harare. Uma agência de viagens organizou uma pequena excursão turística para quem tivesse posses. Mas a procura foi tanta, que tiveram de organizar duas excursões. Algumas pessoas foram ao aeroporto só para ver quem eram os endinheirados que tinham acesso àqueles luxos.

Numa outra ocasião, numa viagem entre as cataratas de Victoria e Bulawayo, fizemos uma pequena pausa para comer qualquer coisa. Foi num daqueles pontos de descanso semelhantes aos que existem em algumas das nossas estradas; não havia qualquer restaurante ou bar; apenas alguns locais para estacionar o carro à sombra.

Enquanto comia, reparei num garoto que estava estático junto à saída. Teria 12 ou 13 anos; não acompanhava os movimentos dos carros que passavam ocasionalmente; nem sequer olhava para nós. Mesmo à distância, podia perceber que estava triste e acabrunhado. Aquilo intrigou-me.

Antes de retomarmos novamente a estrada, parámos junto ao miúdo. Ofereci-lhe alguns bolos e fruta. Mantendo a mesma expressão triste, agradeceu com uma pergunta: "Do you have a job for me?" Onde é que eu tinha um emprego para ele? Como é que eu podia ajudar aquele rapaz? Fiquei assim sem resposta ante aquele olhar vazio. Ali estava eu, em cheque, sem poder fazer nada por quem desesperava. "No, I don’t have a job for you. I’m sorry..." e ofereci-lhe mais bolos, mais fruta... Aceitou-as com o mesmo olhar triste. E seguimos.

O episódio do Concorde e o encontro com aquele miúdo foram imagens dos extremos de pobreza e de riqueza que já se faziam sentir no Zimbabwe. Uma diferença capaz de levar a rupturas sociais e crises tremendas.

Hoje as notícias do Zimbabwe são tristes e deprimentes. Os media fazem eco de um país que vai definhando, de uma população que vai sofrendo a fome, a doença, a repressão... Num país que tem todo o potencial para ser o "celeiro" da África Austral.

Entre as muitas consequências da crise actual, está o aumento enorme na quantidade dos meninos de rua. Algumas organizações humanitárias, entre várias actividades, organizaram um workshop de pintura para 10 crianças que vivem na rua. Os trabalhos das crianças foram expostos na Natonal Galery de Harare, como parte de uma exposição intitulada On the Street Where We Live. Os trabalhos dessas crianças podem ser vistos no site da BBC.

1 comentário:

Viswa disse...

Fabulous Art,amazing,i like it very much,beautifully designed art,thanks for sharing us.