quinta-feira, 2 de setembro de 2004

A minha estrada de Damasco

Há vinte anos andava pela minha estrada de Damasco. Tinha vinte anos quando entrei naquela barbearia dos Olivais (insistem em chamar-lhe Salão de Cabeleireiro). Tradicionalmente, a conversa de um barbeiro cai sobre dois assuntos: futebol e mulheres. Ali, estranhei o tema: o cliente antes de mim trocava impressões com o barbeiro, sobre religião, a bíblia e outra religião que não percebia exactamente o que era.

O homem da tesoura reparou que eu acompanhava a conversa e começou a questionar-me e a integrar-me naquela conversa. Andava a investigar a religião bahá'í. A vida dele tinha sido uma aventura: emigrara para a Alemanha para escapar à guerra colonial, militara em vários partidos e organizações de esquerda e extrema-esquerda, iludira-se e desiludira-se com sucessivas organizações políticas. "O 25 de Abril para mim foi uma perfeita terapia política" repetia-me várias vezes. Sentia-se vacinado contra todo o tipo de demagogias.

Este artista do cabelo era também um adepto de artes marciais. Recentemente, o contacto com um iraniano mestre de kung-fu dera-lhe a conhecer uma nova maneira de encarar as artes marciais e também uma nova religião.

Durante algumas semanas contactei com aquele "cabeleireiro de homens"; trocámos ideias, frequentei algumas reuniões, questionei diversas aspectos. Passados alguns meses concluí que os ideais bahá'ís eram os meus ideais; reconheci que Bahá'u'lláh era o profeta de Deus para os nossos dias. Em 2 de Setembro de 1984, tornei-me membro da Comunidade Bahá'í de Portugal (não houve nenhuma cerimónia, nenhum espécie de baptismo; limitei-me a preencher um cartão de adesão).

Os meus pais já acompanhavam com alguma preocupação o meu envolvimento nas actividades Bahá'ís; mas desconheciam os seus princípios e valores. Quando lhes contei que tinha aceite uma nova religião, a minha mãe disse-me que preferia estava chocada, mas preferia ter um filho com alguns valores religiosos (mesmo que não fossem os dela) do que ter um filho que "fingisse" ser católico. Outros familiares reagiram com interesse à minha "nova religião".

Em vinte anos o meu envolvimento teve períodos de maior e de menor intensidade. O momento espiritualmente mais intenso foi quando fiz a minha peregrinação em 1991 e tive a oportunidade de visitar os lugares sagrados na Terra Santa. A participação no Congresso Mundial de Nova Iorque em 1992 foi outro momento de grande intensidade.

Algumas pessoas perguntam-me: "o que é que ganhaste em ter-te tornado bahá'í?" Não creio que esta seja uma pergunta bem enquadrada. Seria incorrecto ver a aceitação de valores espirituais e a adesão a uma comunidade como algo que é motivado por alguma vantagem (neste ou noutro mundo) para o novo crente.

Aceitei a Fé Bahá'í porque os valores e princípios desta se identificam com os meus valores. O meu entendimento do mundo e da realidade em que vivemos são mais claros para mim quando os vejo sob uma perspectiva bahá'í.

Mas é difícil ser bahá'í, é difícil pôr em prática os ensinamentos de Bahá'u'lláh. Lembro-me de alguém um dia me ter dito, que o Ser Humano é suprema obra de arte do Criador. Se alguém entrasse num museu e destruísse uma obra de arte, isso seria um insulto ao autor da obra. Da mesma forma, ao agredirmos, ou insultarmos, o nosso semelhante estamos a insultar o nosso Criador. E como é fácil esquecer que o nosso semelhante também é obra do Criador!

É assim que passados 20 anos sobre a minha aceitação da religião bahá'í, continuo a minha caminhada, cruzando-me com muitas pessoas, novas ideias, novos problemas, novas preocupações. Ao olhar para o mundo que nos rodeia, constato que vivemos sob efeito de dois processos paralelos. Um desses processos leva à destruição da velha ordem mundial (o mundo em que as nações se combatiam apenas satisfazer apenas as suas necessidades, ou necessidades dos seus governantes); o outro processo conduz à criação de uma nova ordem mundial (uma comunidade de nações, interessadas no bem-estar e tranquilidade de toda a humanidade).

É com essa visão, da terra sendo um só país e a humanidade os seus cidadãos, que vou seguindo nesta caminhada.

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns Marcos faz muito bem estar numa comunidade e no mundo que tu estás. Aceite meu amor e admiração