sexta-feira, 7 de janeiro de 2005

Bahá'ís na Política?

Fico sempre preocupado quando vejo uma religião ser usada no combate entre facções políticas. É uma mistura explosiva. A religião é um elemento de identificação pessoal e de união de comunidades. Os políticos sabem isso e os menos escrupulosos não hesitam em usá-la como arma de arremesso. Quando a religião bahá'í é usada no combate político, sinto que é conveniente esclarecer algumas coisas.

Nos países islâmicos acusar um político de ser bahá'í é o mesmo que o acusar de heresia. Isso aconteceu nos anos sessenta, com um primeiro-ministro iraniano, Amir Abbas Hoveyda, cuja família era descendente de bahá'ís. Os seus adversários políticos acusaram-no repetidamente de ser bahá'í, e Hoveyda viu-se mesmo obrigado a criar leis que prejudicavam directamente a comunidade bahá'í do Irão, apenas para mostrar aos seus opositores que ele era muçulmano. Hoveyda acabou por ser fuzilado após a revolução iraniana de 1979; por incrível que pareça, a maioria dos iranianos ainda pensa que ele era bahá'í.

Nos últimos meses tem-se registado um caso semelhante: Mahmoud Abbas tem sido acusado de ser bahá'í. Abbas é um dos mais conhecidos lideres palestinianos (que alguns analistas antecipam como vencedor das eleições do próximos domingo). A acusação já tem alguns meses (ver Haaretz), e tem surgido em artigos publicados na imprensa e em folhetos distribuídos em Gaza e na Cisjordânia. Abbas já negou esta acusação e a própria Comunidade Internacional Bahá'í também esclareceu que ele não consta dos ficheiros de qualquer comunidade nacional. No entanto, a acusação foi repetida até por um comunicado da organização de Bin Laden, facto que foi considerado num editorial do International Herald Tribune como mera retórica que sugere que o líder palestiniano não pode ser considerado um verdadeiro muçulmano.

Desconheço os fundamentos desta acusação contra Mahmoud Abbas. Admito até que ele possa ser descendente de alguns dos exilados persas que se foram afastando da comunidade bahá'í, e que continuaram a viver na Palestina. Essas famílias foram progressivamente sendo assimiladas pela comunidade muçulmana de 'Akka.

Mas não é preciso saber muito sobre a religião bahá'í para perceber o quão infundada é a acusação. Os bahá'ís não se envolvem em política partidária; é uma lei desta religião. Se Abbas fosse bahá'í, então porque se envolveria em lutas políticas? Por outro lado, ninguém é bahá’í apenas por ter nascido numa família bahá'í. Quem nasce numa família bahá'í, apenas pode ser considerado membro da comunidade após os 15 anos de idade; para isso, deve declarar formalmente que acredita na Mensagem de Bahá'u'lláh e que pretende ser membro da comunidade bahá'í.

2 comentários:

Anónimo disse...

E os ensinamentos Bahá'is não proclamam o desejo da unidade do género humano? Como é que um bahá'i não desejaria ver aqueles dois povos e o mundo inteiro em paz e sossego? Isso seria um acto político ou um acto de trabalho e amor à Humanidade? O que é a política? O que é a dedicação ao bem estar da Humanidade?????
Todas as novas ideias são revolucionárias ou não servem para nada!Se não fossem os mártires dos que lutam pelas nobres causas, chamem lá o que chamarem, como é que estaríamos?

Marco Oliveira disse...

É óbvio que qualquer pessoa com o mínimo de bom senso quer ver aqueles dois povos e o mundo inteiro em paz. Eu comparo a situação de israelitas e palestinianos com a dos franceses e alemães. Durante séculos, estes dois povos europeus tiveram vários conflitos. E no século passado perceberam que podiam viver em paz e ambos beneficiavam muito com isso. Hoje estes dois países são o motor da União Europeia. É um futuro semelhante que desejo para israelitas e palestinianos.

A política pode ser vista como uma actividade de serviço à humanidade; é bom que seja realizada com esse objectivo. No entanto, a política partidária nos sistemas democráticos ainda tem algumas deficiências. Cada partido é um "pacote de ideias" que propõe um "pacote de políticos". Para revolucionar os sistemas democráticos seria bom olhar para o sistema eleitoral bahá'í, e tentar perceber que vantagens podem existir se se aplicarem alguns dos seus aspectos no sistema eleitoral em uso nos países democráticos (já escrevi sobre isso e até sugeri uma alternativa).

Quanto aos mártires, já foram martirizados 20.000 bahá’ís desde a fundação desta religião.