terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

Sete Mártires de Teerão: a reacção britânica

Na Pérsia do século XIX, a execução de criminosos na presença do rei ou de governadores provinciais era uma prática corrente; as execuções públicas era raras. As execuções eram sempre precedidas de torturas horríveis; era tudo um espectáculo que agradava a alguns governadores, mas que deixava chocados os diplomatas estrangeiros em Teerão[1]. Durante algum tempo, britânicos e russos foram pressionando as autoridades persas para porem termo àquelas práticas profundamente desumanas.

A execução pública dos sete mártires bábís em Fevereiro, numa praça pública em Teerão, despertou a atenção das embaixadas estrangeiras, não só pela brutalidade das torturas a que as vitimas tinham sido sujeitas, como também pelo impacto que tinha causado na população. O Tenente-Coronel Justin Sheil, em 22 de Fevereiro de 1850, enviou o seguinte despacho para a embaixada britânica:

Nº 23

Teerão
22 de Fevereiro de 1850

Excelência,
Devo informar vossa Senhoria que as exortações do Governo de Sua Majestade para que o Xá se abstivesse de executar criminosos na sua presença não surtiu qualquer efeito. Há alguns dias atrás, sete pessoas pertencendo à seita Babee sofreram a morte por alegadamente terem conspirado para assassinar o primeiro-ministro persa. A execução teve lugar numa praça pública, na presença de uma multidão considerável, a qual não interferiu.... Aproveito a oportunidade para referir que seria desejável que, em vez de ser o Xá a proferir a sentença contra os criminosos, estes deveriam ser levados perante um tribunal, como é prática normal em qualquer país civilizado. O primeiro-ministro não parece disposto a aceitar esta recomendação, pelo menos, por agora.

A execução destas pessoas despertou uma simpatia geral, embora não se possa negar que a pena de morte esteja em conformidade com os preceitos do Maometanismo [2]. No entanto, toda a gente pensa que eles foram condenados por uma mera suspeita e não por um acto ou uma intenção; entre a população, ninguém acredita na alegada conspiração. Eles morreram com grande firmeza. Antes da decapitação, foi-lhes oferecida a vida se recitassem o credo que Maomé é o Profeta de Deus, mas eles não consentiram, nem vacilaram um pouco na sua fé. Avisei Amir[3] que este é o modo mais garantido para propagar novas doutrinas, e recomendei-lhe que, se queria punir estes prosélitos, lhes desse uma pena como o desterro para a ilha de Karrak[4] ou qualquer outro lugar, em vez de recorrer à pena de morte, que apenas provoca horror e compaixão. Não tenho qualquer esperança que o primeiro-ministro adopte a minha recomendação.

Respeitosamente,

Um humilde servo de vossa Senhoria
(a) Justin Sheil
[5]


Existem alguns aspectos interessantes neste despacho. Sheil percebe que o motivo oficial para a execução – a alegada conspiração para assassinar Amir Kabir – não é credível junto da população. Por outro lado, Sheil também refere a firmeza com que eles recusaram negar a sua fé, comenta o efeito deste acto e salienta a sua inocência.


Amir Kabir, primeiro-ministro persa,
responsável pela execução dos Sete Mártires de Teerão
e, mais tarde, pela execução do próprio Báb


Depois deste episódio, as execuções públicas tornaram-se uma prática comum na capital persa. Em 1852, Teerão assistiu a um verdadeiro banho de sangue após uma tentativa de assassinato contra o Xá. Paradoxalmente, foi a coragem de muitos mártires babís durante esses anos que chamou a atenção do mundo ocidental[6] para o nascimento de uma nova religião.

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NOTAS
[1] – Em meados do Sec XIX apenas a Rússia, a Grã-Bretanha e o Império Otomano tinham representações diplomáticas em Teerão.
[2] – No Islão, a punição pela apostasia é a morte
[3] – O primeiro ministro
[4] – Uma ilha no Golfo Pérsico
[5] – Citado em The Bábi and Bahá'í Religions, 1844-1944; Some Contemporary Western Accounts, de Moojan Momen, pag. 102
[6] – Vários jornais da época, o
livro de Gobineau e os artigos de Renan são prova disso.

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