quinta-feira, 2 de junho de 2005

À imagem de quem?

Aqui fica um tradução/adaptação resumida do artigo In Whose Image? publicado do Planet Baha'i. Recomendo a leitura do artigo original (tanto mais que esta tradução/adaptação foi feita um pouco à pressa).

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A primeira vez que o ser humano é mencionado na Bíblia é quando Deus se propõe criá-lo; Com a frase "Façamo-lo à nossa imagem e semelhança..." (Gen 1:26) Deus expressa o Seu propósito. O Alcorão menciona o relato bíblico da criação e proclama Deus como Criador da humanidade. Outras tradições religiosas transmitem esta ideia em diferentes palavras; mas o aspecto comum é que todas as religiões (nas suas Escrituras ou tradições) apontam para a existência de um Criador. As escrituras bahá’ís não fogem a esta regra e declaram que Deus é o nosso Criador, acrescentando que a Sua imagem está "gravada" em nós; também referem que os seres humanos têm potencial para reflectir os atributos de Deus.

Mas também há quem se interrogue se não terá sido ao contrário: teriam as pessoas criado Deus à sua imagem e semelhança? Talvez Deus seja uma ficção... talvez as nossas ideias sobre Deus - ou imagem que temos d'Ele - sejam um reflexo daquilo que conhecemos de nós próprios. Numa perspectiva mais crítica, há mesmo quem afirme que as dificuldades em compreender o que Deus é, ou as descrições que as Escrituras fazem d'Ele, são uma prova que se trata de uma personagem de ficção.

Tenho outra perspectiva: a maioria das religiões não nos dá uma imagem correcta de Deus. A mente humana não tem capacidade para entender a realidade do seu Criador. Vejam-se os seguinte exemplos:
  • A Bíblia refere o poder e as qualidades superiores de Deus. O que quer que os seres humanos façam ou pensem, é sempre ultrapassado pelas capacidades de Deus. Isto significa que qualquer concepção humana sobre Deus será sempre inadequada.
  • O Alcorão condena a "associação de parceiros a Deus", isto é, tornar qualquer coisa igual a Deus. A Sua natureza superior desafia todas as tentativas para o compreender.
  • O Bhagavad-Gita descreve o "Não-Criado" e "Não Formado" que está em toda a parte, que se movimenta e tudo sustenta (cap.13), mas que os poderes dos sentidos humanos não conseguem perceber.
  • Buda, que geralmente evitava as discussões de teologia, deixou ensinamentos sobre um "Não-Nascido, Não-Gerado, Não-Criado, Não-Formado", resumindo assim a existência de um Deus que está para lá da compreensão humana.
  • As Escrituras Baha'is afirmam explicitamente que Deus está para lá da compreensão humana, e que qualquer imagem ou ideia que possamos ter da Sua Realidade é sempre incorrecta.
Resumindo: a questão colocada "à imagem de quem?" pode ser respondida de diferentes formas dependendo do contexto. Fomos criados à imagem de Deus, mas as nossas ideias sobre Deus são criadas à nossa própria imagem. Ao longo da história Ele tem-nos mostrado que as nossas ideias não podem ser senão aproximações. É importante ter sempre isto presente.

11 comentários:

Elfo disse...

Ainda que o nosso "espelho" esteja tão polido e limpo que possa reflectir aquilo que Deus permitiu que ficasse gravado em nós, onde o poderiamos reflectir a não ser em nós próprios? A polidez e a limpeza do "espelho" só dependem de nós e da nossa compreensão da nossa própria pequenez em relação ao nosso próximo reflexo.
Sem querer imiscuir-me no que está escrito no Kitab-I-Kan, mas também não o podendo olvidar pois está intrinsecamente metido na polidez do meu "espelho", diria que as semelhanças que Deus quiz que os seres humanos reflectissem têm sempre partículas do pó primordial da nossa natureza material e que nos obrigam a ver através da matéria de que somos feitos e assim também reflectimos a falta de polidez com a qual nos fomos identificando ao longo dos milénios.

Anónimo disse...

Havia um antropólogo famoso, morreu em 1976, que dizia que os seres humanos não passam de uma miragem de si próprios e das ilusões que eles próprios criam para se intercomunicarem consigo próprios através de imagens projectadas como sendo outros seres humanos sendo, no entanto, um só na sua totalidade. Assim eu e a minha imagem no espelho somos um só, e, eu e a minha imagem projectada em biliões de espelhos continua a ser uma só ainda que interligada por milhões de filamentos luminosos que dão características diferentes a cada uma das imagens do espelho.

Onde é que Deus entra nisto?
Na criação do homem à Sua imagem e semelhança. No entanto, o antropólogo não chegava a essa conclusão, morreu, talvez, antes de concluir a resposta.

Anónimo disse...

Errata:
Onde está escrito 1976, deve ler-se 1996.

Anónimo disse...

Então quando estamos a ouvir o "outro" estamos a ouvir a nossa parte que ou já está mais polida ou ainda lhe falta uma boa limpeza de brilho profundo, mas somos nós na mesma que estamos mais ou menos polidos ou é uma parte de nós que está a ser vista de um ângulo obtuso e que nós já não estamos muito habituados a ver.

Anónimo disse...

Quer então dizer que cada um de nós é também o "outro" com o qual nos abespinhamos e entramos em contradição profunda, mas também somos o "ele" ou "ela" que tem uma família formada com "outros" "alguéns" que são projecções de nós próprios?

Anónimo disse...

Eu até percebo que todas as religiões afirmem que existe um Deus.
Não percebo nada é das explicações do Galrio... Se ele falasse mais terra a terra, dava jeito! :-)
GH

Anónimo disse...

Quando Jesus diz:"Ama o teu próximo como a ti mesmo",e Bahá'u'lláh diz:"Ama o teu próximo, mais que a ti próprio", estamos a falar de tudo isto de uma forma mais sublime.
Embora o terra a terra funcione quando estamos sintonizados na mesma onda, ou seja, quando estamos a ver a tal projecção sob o mesmo ângulo do prisma o mesmo já não acontece quando estamos em ângulos diferentes, isto é, o que para mim é terra a terra visto de um determinado ângulo, não o é para ti pois estás a ver de um ângulo diferente, no entanto, o prisma é o mesmo e o observador... também. O objecto observado, é que por vezes e aparentemente, dá a impressão de variar conforme o ponto de vista do observador.

Anónimo disse...

Caro Marco,
que alegria ouvir coisas de quem esteve lá... Terra mangífica, gente boa, que leva tempo a conhecer... mas é boa, muito boa! Amo aquela gente, aquela Terra mais até do que a minha. Nasci em Angola, saí com 6 anos e nunca mais voltei. Vivo em Portugal, mas omeu coração está enterrado em Timor, naquelas montanhas naquele mar, naquelas pessoas, ficou aprisionado no seu olhar e no seu sorriso.
Também eu apanhei muitos sustos nessas viagens! São uma loucura...

Um forte abraço.

Ângelo Ferreira

(Conheces o Shakib Shahidian?)

Marco Oliveira disse...

Angelo,
Obrigado pela visita.
Claro que conheço o Shakib (ainda somos em número suficiente para nos conhecermos uns aos outros). Eh eh eh eh

Anónimo disse...

Afinal estamos mais próximos do que julgamos, por via do Shakib, pessoa de quem gosto muito e por quem tenho umaestima enorme! Trabalhei com ele lá em Timor.
Pois é, muitas pessoas dormem na rua, mas isso não é o pior... Na rua dorme-se mais ou menos bem, graças a um clima bondoso, nesse aspecto, sempre quente... O pior mesmo é a miséria, as dificuldadees, a falta de perspectivas, e o sofrimento acumulado... Enfim...
Grande abraço,
Ângelo
(eu é que agradeço as visitas)

Anónimo disse...

ah, história triste a do tio do teu pai, impressionante como a daquele povo. esses homens deviam ser honrados de outra forma, especialmente pelo Estado Português. Eram portugueses, fossem de Timor, de Portugal ou de outros lados. Julgo que muita gente não imagina o que isso significava para muitos e limitam-se à treta do colonialismo... etc, concepções fechadas e cheias de complexos.
Mais um abraço,
Ângelo
(gesto bonito do teu pai)