quarta-feira, 13 de julho de 2005

O meu Profeta sofreu mais que o teu

Um familiar disse-me há dias: "Como é que o sofrimento de Bahá'u'lláh pode ser comparado à morte de Jesus na cruz? É certo que Bahá'u'lláh sofreu, mas Cristo foi crucificado!". Não é a primeira vez que numa conversa (e até em comentários neste blog) percebo em alguns cristãos uma certa mentalidade de "o meu Profeta sofreu mais que o teu".

É uma postura estranha, mas que se compreende pelo facto da mentalidade religiosa portuguesa durante muito tempo ter sido condicionada por conceitos teológicos em que se considera que a perfeição de Cristo se deve ao Seu sofrimento; este conceito, alargado a toda a actividade humana, pretende levar à conclusão que tudo na vida apenas se consegue com sofrimento.

Olhando para a história das grandes religiões mundiais, percebemos que todos os Profetas enfrentaram oposição, foram rejeitados e perseguidos. Independentemente de qualquer tentativa de quantificação ou tipo do sacrifício, Eles assumem uma missão cujo propósito é regenerar a vida espiritual e material dos povos a que Se dirigem (este objectivo também é descrito em termos como "salvação do mundo" e "remissão dos pecados"); essa missão é o motivo dos sofrimentos a que Eles são sujeitos.

Mas imagine-se, por hipótese académica, que os fundadores das grandes religiões mundiais nunca tinham sofrido? Será que isso alteraria a Sua condição de Profetas? Para mim é claro que mais importante que o sofrimento dos Profetas, são os Seus ensinamentos e os Seus exemplos de vida. É isso que tem o poder de transformar o mundo.

18 comentários:

João Moutinho disse...

Este texto vai dar "pano para mangas".
Temos sido condicionados por imagens preconcebidas de Jesus como sendo uma pessoa triste, loura, alta, de cabelos longos, amargurado, melancólico e outras transmitidas nos filmes.
Certamente que Jesus fisicamente não se parecia com um escandinavo e teria uma personalidade extremamente cativante, podemos imaginar a forma como atraía as crianças.
Mesmo a sua postura durante o julgamente que O levaria à morte, teve uma postura, de certa forma, "guerreira" perante os Seus juízes e carrrascos.
Mas o Báb, tal como Jesus, foi assassinado num acto brutal.
Considero, no entanto, que deveremos sempre estudar a vida pessoal dos Profetas e verificar que, a nível meramente mundano, não tiraram proveito da Sua missão.
No Islão também temos a comovente história do sacrifício do Imame Husayn, mas que não era um Profeta.

Marco Oliveira disse...

Então hoje temos um post com um "titulo à Barnabé"?
Tá bem...

Anónimo disse...

Talvez do ponto de vista meramente humano não faça sentido a discussão sobre quem sofreu mais. É verdade que Cristo teve uma morte atroz, parece que a crucificação causa dores enormes, mas não parece estar aqui o mais importante.
Já no aspecto espiritual, não tenho dúvidas que Jesus Cristo teve o maior sofrimento alguma vez sentido por um ser humano. No momento em que Ele leva sobre si todos os pecados da Humanidade, e é abandonado pelo próprio Pai (que, como Ser santo, não pode estar na presença do pecado), o sofrimento ultrapassou qualquer experiência humana possível. Por uma lado, porque a ausência de Deus é terrível para alguém que sempre viveu na presença da divindade. Por outro, porque Ele sofreu em Si a punição merecida por cada ser humano. Neste aspecto, nem há competição possível com outros fundadores de religiões. Jesus Cristo está numa divisão especial porque é único.

Anonymous #2

Anónimo disse...

Este anónimo diz coisas terríveis! Jesus foi abandonado pelo Pai?
Quererá dizer que ele, Jesus, terá formulado, no auge do sofrimento humano a frase"Pai porque me abandonaste???" mas essa frase é a prova da parte humana da dor física do crucificado, forque o sacrifício que Jesus sofreu era o sacrifício máximo para aquela altura; daí estarem dois ladrões com ele. Agora a diferença é que Ele sabia que tinha que ser sacrificado, como todos os outros Profetas o sabem e aceitam a Sua Missão apesar de tudo o que sabem que vão passar.
A grandeza de Jesus e de todos os outros, Khrisna, Buda, Zoroastro, Maomé, o Bab, Bahá'u'llah, está na força espiritual que trouxeram ao mundo e aos ensinamentos que alargaram a visão do espírito e não nas formas como deixaram este mundo ou como nasceram e de quem nasceram, porque até aí a fórmula é praticamente igual. Os crentes das várias religiões têm tendência para achar que o Seu é especial mas a verdade é que Eles próprios nunca dizem isso e só falam de si como instrumentos do Pai e mais nada. Talvez por isso é que eu acho tão bonito o conceito de Revelação progressiva.Eles promoveram a Escola Espiritual do Mundo e aceitaram-se a todos, porque todos são A Verdadeira Essência de Deus. As diferenças são os seguidores que as fazem, não Eles, porque Eles são todos os espelhos de que Deus se serve para derramar a Sua Luz no mundo...e limpar aquilo que vai decaindo em termos da pureza dos ensinamentos.
Os seguidores é que se apegam à forma em vez de se apegaram ao espirito da mensagem. E fixam-se naquele que aceitaram, recusando o papel que os outros desempenham ou desempenharam. Isto faria sentido em relação ao progresso do espírito?

Anónimo disse...

A contabilidade do sofrimento não faz sentido. Mas mesmo que fizesse, acho que vocês ficavam à frente porque têm dois profetas (pelo menos foi o que eu percebi): O Bab que foi fuzilado e Baha'ullah que foi preso e exilado.

Mas agora pergunto eu: será o sofrimento de um Profeta superior ao sofrimento de qualquer ser humano que passa a sua vida na miséria, sem alimentação adequada, sem um lar, sempre no limiar da sobrevivência?

Elfo disse...

Bem que eu queria ficar caladinho no meu cantinho a torturar-me com os meus amores pouco éticos e moralmente reprováveis, mas heis que surge um título neste post ao qual eu não resisto, como diria o Moutinho, asiim que falam no Báb eu acordo.
Tive ao longo da vida 9 Mensageiros com os quais aprendi o que sei hoje. Do primeiro já nem sei como se chamava, só me lembro da Disciplina que lecçionava: Sabeana
Tampouco sei como morreu, dos outros tenho uma vaga idéia há excepção dos dois Últimos que lhes conheço os pormenores.
Também tive vários professores ao longo da vida, e, uns piores que os outros. da 1ª à 3ª classe tive um tal Jorge que ainda hoje me dá a volta ao estômago e o homem já acertou as contas com o Criador há muitos anos, nem sei de que é que o homem morreu, mas se maldições matassem garanto que eu e os alunos desse docente deviamos ter todos contas a ajustar com a justiça.
Dos outros professores já nem lembro como se chamavam, salvo um ou outro de pior catadura. Mas o engraçado é que apreendi a mensagem que cada um foi imprimindo em mim até me tornar no ser humano que sou hoje.
Também vejo á minha volta alguns seres humanos que são "sem abrigo" e outros pobres de pedir, e, vejo também o lupen proletariado que se vai juntando em modernos magotes em direcção às discotecas onde consomem exctasy e outras tralhas que não havia no meu tempo.
Cada um fica-se com os ensinamentos do Último Profeta que conheceram e são capazes de matar e morrer por ele porque não foram mais além do que o que lhes ensinaram nas salas de catequese sejam elas cristãos ou muçulmanas, indús ou judaicas.
Infelizmente não é muito importante a maneira como morreram os nossos HERÓIS do Olimpo, interessa, isso sim, a mensagem revelada por cada um deles.

Marco Oliveira disse...

Anonymous #2,

Apesar da Sua aparência física, os Profetas possuem uma faceta espiritual que nos transcende. É como se o Seu papel de interlocutores entre Deus e a humanidade os colocasse num plano de existência superior ao comum dos humanos. Estarmos a discutir algo que pertence a esse plano de existência que nos transcende, não faz muito sentido, pois estamos a tentar abordar realidades que nos ultrapassam completamente.

Poderia fazer a seguinte analogia: nós nunca poderemos perceber a realidade de um Profeta tal como um animal nunca poderá compreender a realidade de um ser humano. Tal como o Profeta (apesar da aparência humana) possui uma realidade espiritual que nos transcende, também nós possuímos uma realidade racional que transcende a compreensão de um animal (e o animal apenas percebe a nossa realidade animal). Poderia prosseguir este raciocínio dizendo que um vegetal não compreende a realidade de um animal, e um mineral não compreende a realidade de um vegetal.

Assim, na minha opinião, é muito arriscado um simples ser humano analisar ou comparar o sofrimento infligido aos Profetas; acabamos por falar sobre coisas que nos transcendem e dificilmente compreendemos. O que conseguimos saber com alguma clareza é que esse sofrimento existiu e aquilo que o motivou.

Marco Oliveira disse...

Luz,
A frase "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste" (Mt 27,46; Mc 15,34) que os evangelistas atribuem a Jesus durante a crucificação deve ser entendida noutro contexto. Os livros hebraicos não tinham título e os hebreus referiam-se aos livros pelas suas primeiras palavras.

Ora as palavras "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste" constituem a primeira frase do Salmo 22 que é exactamente um salmo onde se celebra a vitória (apesar de uma aparente derrota material). A atribuição destas palavras a Jesus é um reconhecimento do Seu triunfo espiritual, não obstante as evidências materiais apontarem o contrário. Duvido muito que se tratasse de um desabafo literal do fundador do Cristianismo no momento do Seu suplício (mas isto é uma opinião muito pessoal).

Já uma vez referi isto na Terra da Alegria:
http://terradaalegria.blogspot.com/2005_04_11_terradaalegria_archive.html

"Este anónimo diz coisas terríveis!" – Olhe que não, doutora, olhe que não... Ele apresenta coisas sob outra perspectiva e escreve coisas que nos fazem pensar. No fundo, obriga-nos a pensar sobre as nossas próprias crenças. Como autor deste blog acho que tenho uma espécie de dívida para com ele.

João Moutinho disse...

"Este anónimo diz coisas terríveis!" - O Marco antecipou-se ao que eu queria expressar.

Quem vier por bem não pode dizer coisas terríveis.

"Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste" - Também há de reflectir o sofrimento de quem amava a vida e os Seus.

Anónimo disse...

Luz dourada

"Coisas terríveis" porquê? Se considera Jesus Cristo como um enviado de Deus, se considera a Bíblia como um livro sagrado, não percebo a sua revolta. Leia o Novo Testamente e verá que:
1) Jesus não veio apenas pregar o arrependimento, a paz e o amor entre os homens. Veio também realizar um acto que só podia ser feito por Ele. Levar, na Sua morte, os pecados da Humanidade.
2) Deus é santo, não pode contemplar ou lidar com o pecado. Por isso a Sua ausência quando Jesus cumpre o acto expiatório.
3) Se Deus pode-se lidar com o pecado a morte de Cristo não seria necessária e tornava-se até absurda. Podíamos chegar a Deus tal como estamos, e não precisaríamos de Cristo como intermediário, como "advogado de defesa".
Acredito que tudo isto lhe pareça estranho. Mas é disto que nos fala o Novo Testamento. Se duvida, nada como comprovar pessoalmente. Quanto a mim o estranho é isto parecer estranho num país que se diz cristão.

Anonymous #2

Anónimo disse...

Venho só dizer que gostei da reflexão do Marco.
É verdade no cristianismo sobrevalorizou-se demasiado o sofrimento.
Quanto a "Deus Pai" ter abandonado Jesus, não o creio assim. Deus é Amor e comprometido com os que ama. Jesus como homem é natural que sentisse naquele momento supremo a dor e o abandono.
A nossa "valorização" do sofrimento de Jesus, não passa por o acharmos maior ou menor do que outros. O que importa retirar é que Jesus sofreu por amor, porque toda a sua vida, foi doação, foi obediência ao projecto de Deus. Consiste nisso a sua Glória. Tão diferente de nós, sempre virados para nós mesmos.
Ainda ressaltando a opinião do anónimo, que diz, que Deus não se pode "misturar" com o pecado. Deus é o supremo Bem, acredito que Ele se quer "misturar" conosco, e com isso, não "afecta" o seu Ser.
É sempre com muita dificuldade que falo nestes termos humanos para definir Deus. A Revelação vai acontecendo, mas só será completa quando O virmos face a face.
M. Conceicao

Anónimo disse...

Esclareço:
O que eu quis dizer é que se acreditamos que Deus não nos abandona a cada um de nós, como é que poderia abandonar o seu próprio mensageiro? Para mim isso não faria sentido, nem faz, mas possivelmente eu atenho-me a leituras simplistas enquanto vocês percebem de teologia muito mais do que eu. Se eu pensar nesta frase "tout court" diria que, a ser de Jesus, ele não conseguia suportar o que lhe estava a acontecer e isso eu não acredito. Ele seria capaz de aguentar o que passou e muito mais para dar testemunho do Pai. Aliás foi assim com todos...
Espero que o Anónimo não tenha ficado sentido comigo porque eu só quis "defender" a apregoada "fraqueza" de Cristo.
Bjitos

João Moutinho disse...

"vocês percebem de teologia muito mais do que eu" - Vocês, quem?
Quem fizer parte do vocês que se acuse,...

Anónimo disse...

Tu e o Marco, por exemplo!

Anónimo disse...

Luz dourada

Concerteza que não fiquei sentido. A sua visão de Cristo é apenas como mensageiro. Eu aceito-O também como Salvador. São conceitos diferentes que naturalmente conduzem a perspectivas diferentes.

Marco

Obrigado pela consideração, e acredite que o sentimento é recíproco.
Desconhecia essa perspectiva Bahai de seres humanos superiores, espiritualmente falando.

M. Conceição

Deus tem várias características, entre elas o amor e a santidade. A morte de Cristo serve precisamente para conciliar estas duas. Deus ama de tal forma a Humanidade que entrega o Seu Filho para pagar o preço que cada um de nós devia pagar. Ele não abdica da Sua santidade e age ao mesmo tempo com profundo amor. Uma citação do Novo Testamento: "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós." Gálatas 3:13

Anonymous #2

João Moutinho disse...

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Tu e o Marco, por exemplo!
# Comentado por Luz dourada : 9:46 AM
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Marco
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Desconhecia essa perspectiva Bahai de seres humanos superiores, espiritualmente falando.
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Eu?...Leio muito para saber um pouco.
O autor do Blog agora vai ter de esclarecer umas coisas.
Ele não deve ter achado muita graça aos "superiores".

Marco Oliveira disse...

Eu não designaria os profetas como "Seres Superiores"; não gosto da expressão. Apenas considero que há nos Profetas um plano de existência que transcende a nossa compreensão, tal como no ser humano existe um plano de existência racional que transcende a compreensão de qualquer outro animal.

Anónimo disse...

Um Profeta quando declara a sua Missão vem para revolucionar o mundo, logo, não é nunca aceite pelo "establishment", seja em que época for. E a história da vida dos Profetas e Mensageiros de Deus é sempre similar. Ao aceitarem, deixam de pertender a eles próprios para ficarem à mercê do poder instituido que, naturalmente os tenta arrasar... e provavelmente só assim a Sua Mensagem se torna conhecida. Não fora o sofrimento e, se calhar, não tinha sido tão rápido o conhecimento de que um Homem se tinha levantado a proclamar que era o enviado de Deus. O sofrimento, portanto, faz parte da missão e todos eles sabem o que lhes vai acontecer e aceitam. Se nós portugueses sabemos que só por sermos contra o Salazar andávamos sempre a ser perseguido e tratava-se de mudar o sistema politico de um pais pequeno, o que não será quando um simples homem se levanta e diz: Deus mandou-me com a missão de ensinar para alterar radicalmente a estrutura espiritual deste mundo. Bomba total, claro! Portanto essa do meu sofreu mais do que o teu não tem sentido nenhum nem significa que por ter sofrido mais era melhor, o que interessa é o que ficou e o impacto que teve e tem no mundo. E agora beijinhos para todos.