sexta-feira, 22 de julho de 2005

Uma Plataforma de Entendimento

A palavra religião pode ser usada com múltiplos significados. Não é raro vê-la invocada para descrever uma corrente religiosa, um modelo teológico, uma organização ou mesmo uma seita (independentemente do carácter pejorativo desta palavra). Nos meus posts e comentários noutros blogs tenho usado a palavra religião como sinónimo de princípios e ensinamentos originais revelados nas escrituras dessa religião; creio que isso já ficou claro. Curiosamente nunca ninguém me perguntou "Se uma religião não pode ser identificada com organizações que rivalizam entre si e disputam a autoridade sobre os crentes e a legitimidade das suas interpretações, então onde está essa religião? Onde está o Judaísmo, o Cristianismo o Budismo, o Islão e outras?"

É praticamente impossível ver cada uma das grandes religiões mundiais como um corpo uniforme de interpretações e instituições. Em vez disso, em cada religião podemos encontrar várias interpretações dos textos originais, dúvidas quanto à legitimidade da autoridade de organizações religiosas, diversas tradições e práticas, tensões e conflitos. É por este motivo que me parece mais correcto identificar a palavra religião com aquilo que está na génese das grandes religiões mundiais; todo o resto são frutos da religião, resultados de condicionantes culturais e evoluções históricas.

Tendo em conta o cenário de diversidade cultural, religiosa e étnica do mundo actual, poderíamos questionar: Até que ponto uma das mais conhecidas religiões mundiais poderia assumir o papel de guia actualizado para os assuntos da vida contemporânea (assumindo que todas as suas correntes de pensamento, modelos teológicos e seitas chegariam a acordo)? Poderia refazer o seu conjunto principal de ensinamentos de forma legítima e de acordo com as suas escrituras originais? E poderia responder adequadamente a tantas e tantas questões colocadas pela evolução social e intelectual?

Não tenho dúvida que é uma questão que suscita as mais variadas especulações e reacções, desde a repetida afirmação da exclusividade e validade de uma determinada crença até a rejeição e afirmação da inutilidade de todo o fenómeno religioso. Na minha opinião, a resposta passa pelo reconhecimento de que há um só Deus, e, consequentemente, a religião é apenas uma (independentemente da diversidade cultural e expressão humana). Com isto não se pretendo desafiar a validade de cada uma das religiões reveladas, mas sim de compreender adequadamente o contributo da religião - nas suas diferentes revelações - para a evolução humana (já abordei este assunto noutros posts).

É no aspecto do reconhecimento da unidade da religião, que os ensinamentos bahá’ís apresentam um conjunto de princípios que me parecem capazes de ajudar a responder às questões anteriores. Poderia tentar resumi-los da seguinte forma:
  • Existe apenas um Deus e a Sua Realidade não pode ser partilhada nem compreendida pela Sua Criação;
  • Deus manifesta-Se através do aparecimento de Figuras Proféticas que manifestam atributos da Divindade inacessível.
  • Não podemos fazer distinções entre essas Figuras Proféticas, ou supor que uma tem qualidades superiores a outra.

Este conjunto de ensinamentos (apesar de muito resumidos e expostos de forma simplista) além de se apresentarem como uma plataforma de entendimento inter-religioso, descrevem ainda sucessivas revelações divinas cujo propósito é fazer despertar as capacidades dos seres humanos e da humanidade; mais do que um processo meramente repetitivo, a religião é acima de tudo um processo evolutivo.

4 comentários:

Elfo disse...

""Até que ponto uma das mais conhecidas religiões mundiais poderia assumir o papel de guia actualizado para os assuntos da vida contemporânea (assumindo que todas as suas correntes de pensamento, modelos teológicos e seitas chegariam a acordo)?""

Assim a frio a resposta teria de ser: nenhuma. Pois todas se acham o repositório da verdade absoluta. Na verdade, de todas as Religiões que podemos identificar pelos seis símbolos do post, nenhuma tem condições para liderar as outras, pois cada uma se acha maior que a outra.
Esta é uma "batalha" que se vai travar crente a crente, até que as instituições religiosas se transformem num vácuo cheio de um silêncio ensurdecedor. Já hoje se ouve esse silêncio nalgumas mentes que já não sabem em que acreditam, embora acreditem em algo que não sabem bem o que é.

Quando temos um Círculo de Estudo em que estão representadas várias religiões ou várias tendências religiosas, vemos a dimensão de que falas no teu post.
Um porque não pode assumir que houve outro Mensageiro após o seu e que considera menores os que vieram antes.
Outros consideram quase ofensivo que se esteja a debater as escrituras sagradas deste mensageiro e não se fale do outro. Outro ainda que não consegue encaixar uma metodologia diferente da que aprendeu na sua igreja.
É uma "luta" desigual a que se está a tentar travar nestas exposições crente a crente pois "nós" também temos tendência para cair nos mesmos erros dos nossos amigos que ainda não reconheceram a Majestade da Última Revelação.

Marco Oliveira disse...

A pretensão de liderança (ou afirmação de supremacia moral) de tantos dirigentes religiosos é que contribui para a cristalização da própria religião. Em termos práticos os crentes vão sendo habituados a recordar o Mensageiro e esquecer a Mensagem. Os resultados deste processo são trágicos.

O que é curioso actualmente é o facto de assistirmos a cada vez mais iniciativas de diálogo e colaboração inter-religiosa e simultaneamente testemunhamos actos hediondos praticados em nome da religião. É como se ocorressem dois processos paralelos: a construção e a destruição. Um mundo novo a nascer e outro a morrer.

O desafio que cada um de nós enfrenta é manter a cabeça fria enquanto estes processo se desenrolam: ao olharmos o mundo que nos rodeia não devemos entrar em sonhos utópicos, nem em pesadelos apocalíticos. Vamos com calma!

João Moutinho disse...

Mas o Elfo "põe o dedo na ferida" quando diz "também temos tendência para cair nos mesmos erros dos nossos amigos" ao querermos acreditar que somos os melhores repositórios da verdade.
Estou preocupado com os preconceitos de todos os grupos religiosos, mas mais com o meu de que com os outros. E mais comigo do que com o próximo.
É que os preconceitos dos outros carregamos à frente dos nossos olhos mas os que nos pertençem vão atrás da nuca.

Elfo disse...

Quero ver o oceano, estou farto das labaredas que não se cansam de lamber estes montes para onde gostava de ir fazer algumas orações especiais.

Vou até à Ericeira, já volto!