quarta-feira, 14 de setembro de 2005

Kitáb-i-Íqán (1)

Durante as próximas semanas vou publicar aqui alguns posts sobre o Kitáb-i-Íqán (Livro da Certeza). Este livro foi revelado por Bahá'u'lláh, em 1861(a), durante o exílio em Bagdade, em resposta às questões de um tio do Báb que se recusava a acreditar que o seu falecido sobrinho tivesse sido um Profeta. Trata-se do segundo livro mais importante das Escrituras Bahá'ís; sob o ponto de vista doutrinário pode-se considerar o mais importante dos livros bahá’ís.

Como surgiu o Kitáb-i-Íqán(b)

O Báb tinha três tios maternos. O primeiro a aceitar a Sua religião foi Hájí Mirzá Siyyid 'Ali, conhecido por Khál-i-A'zam (O Maior Tio); tinha sido o tutor do Báb, e após o falecimento do Seu pai. Desde cedo se apercebeu do poder espiritual do Sobrinho; tornou-se um dos primeiros crentes da cidade de Shiraz, e pouco depois do martírio do Báb, também ele foi executado em Teerão(c).

O mais velho dos tios era Hájí Mirzá Siyyid Muhammad. Apesar de admirar as qualidades e carácter do Sobrinho, apenas se converteu à Sua religião depois de ter conhecido Bahá'u'lláh em Bagdade e ter recebido o Kitáb-i-Íqán como resposta às suas questões. Inicialmente este tio acreditava que o Báb não podia ser o Prometido do Islão; acreditava que existiam sinais e profecias que se deviam cumprir com o surgimento do Prometido. O terceiro tio chamava-se Hájí Mirzá Hasan-'Alí (d).

Em 1862, após várias conversas e discussões acaloradas com babis, o tio Siyyid Muhammad decidiu viajar até ao Iraque para se encontrar com Bahá'u'lláh; o seu propósito era tentar esclarecer as suas dúvidas relativamente à possibilidade do seu sobrinho ser Profeta. Convidou o irmão mais novo a viajar consigo; disse-lhe o objectivo da viagem era apenas visitar os Sepulcros(e) e a irmã, que vivia agora em Kerbala, perto do túmulo do Iman Hussayn. A viagem fez-se sem incidentes. O tio mais novo ficou furioso quando soube que o verdadeiro objectivo da viagem era investigar a autenticidade da religião do sobrinho; aquilo era assunto em que ele não se queria envolver. Insultou o irmão e ameaçou prosseguir sozinho a viagem.

Bagdade, a cidade onde Bahá'u'lláh revelou o Kitab-i-Iqan, em 1861

Algumas semanas mais tarde, em Bagdade, Bahá'u'lláh foi informado que os tios do Báb tinham visitado os Sepulcros, e estavam agora na cidade; iam descansar alguns dias antes de continuar a viagem de regresso a Shiraz. Imediatamente Bahá'u'lláh convidou os dois parentes do Báb para O visitar. Apenas Siyyid Muhammad aceitou o convite.

Siyyid Muhammad ficou profundamente impressionado com Bahá'u'lláh. Após uma longa conversa desabafou que não conseguia acreditar na divindade do Sobrinho. Para ele, se o Báb era o prometido Qa'im, então aparentemente existiam várias tradições, sinais e profecias do Islão que não se tinham cumprido. Bahá'u'lláh sugeriu que Lhe trouxesse uma lista das questões que lhe suscitavam dúvidas. No dia seguinte, o tio do Báb apareceu com as seguintes questões(f):
1. O Dia da Ressurreição. Deverá haver uma ressurreição corpórea [física] ? O mundo está repleto de injustiça. Como é que os justos serão recompensados e os injustos punidos?
2. O Décimo Segundo Imám [sucessor de Maomé] nasceu numa certa altura e ainda está vivo. Existem tradições que confirmam esta crença. Como é que se pode explicar isto?
3. A interpretação dos textos sagrados. Esta Causa não parece estar de acordo com as crenças mantidas ao longo dos anos. Não se pode ignorar o significado literal dos textos e escrituras sagradas. Como se explica isto?
4. Certos acontecimentos, de acordo com as tradições que nos chegaram dos Imáns, devem ocorrer no advento do Qá'im [Prometido do Islão]. Alguns destes foram mencionados, mas nenhum ocorreu. Como se explica isto?
No espaço de dois dias, Bahá'u'lláh revelou uma longa epístola em resposta a estas questões. Inicialmente intitulada Risáliy-i-Khál (Epístola ao Tio), o fundador da religião baha'i viria a designá-lo por Kitáb-i-Íqán. O conteúdo do texto dissipou todas as dúvidas de Siyyid Muhammad, que acabou por reconhecer que o seu Sobrinho tinha sido um Profeta.

O facto da língua original do Iqán ser o persa, acrescido de ter sido o primeiro livro bahá'í a ser impresso (Bombaim, 1881), facilitou a sua divulgação entre a recém-nascida comunidade Babí na Pérsia. A cópia original do Kitáb-i-Íqán, que Siyyid Muhammad recebeu, foi transcrita por 'Abdu'l-Bahá), que tinha então dezoito anos. Durante muitos anos esta cópia original permaneceu com a família de Siyyid Muhammad, até que em 1948, a sua bisneta, Fátimih Khánum-i-Afnan, a ofereceu a Shoghi Effendi. Chegou-lhe às mãos alguns anos mais tarde, e foi colocada no Edifício dos Arquivos Internacionais Bahá'ís, no Monte Carmelo.

-------------------------------------------
NOTAS
(a) - Sobre a data de revelação do Kitáb-i-Íqán, ver Dating Baha'u'llah's Book of Certitude.
(b) – Para mais pormenores sobre as circunstâncias da revelação do Kitáb-i-Íqán, ver The Revelation of Bahá'u'lláh, vol. I.
(c) - Ele foi um dos Sete Mártires de Teerão.
(d) - Este tio vivia em Yazd. Nunca conheceu Bahá'u'lláh, mas acabou por se tornar baha’i e reconheceu que o Sobrinho era um Profeta.
(e) - Najaf e Kerbala são santuários xiitas no Iraque, onde estão sepultados vários imans do islão xiita.
(f) - Estes são apenas os tópicos das questões. Entre os documentos conservados pelos descendentes do Báb estão as questões que Hájí Mirzá Siyyid Muhammad colocou a Bahá'u'lláh. Estão escritas pela sua mão, em duas folhas e sob quatro títulos, todas lidando com a vinda do prometido Qa'im. A sinceridade do tio do Báb em procurar a verdade é evidente nas suas questões.

1 comentário:

João Moutinho disse...

Para mim o estudo do "Kitáb-i-Íqan" é extremamente gratificante, foi após ter lido este Epístola que me me declarei Bahá'í.
Tudo aquilo para que eu procurava as respostas encontrei-as aí.
Aconselho este livro a qualquer pessoa que tenha oportunidade de o ler.