quinta-feira, 3 de novembro de 2005

Escolher a religião

"A ideia de que a religião é um assunto de opção individual tem as suas origens no Islão, mas assumiu destaque no Cristianismo Protestante, nos últimos séculos. É um fenómeno comparativamente novo no Ocidente. Há seiscentos anos, a ideia de que os indivíduos podiam mudar a sua própria religião, independentemente da sociedade que os rodeava, era tão estranha na Europa, como é hoje na maioria do resto do mundo. Para a maioria do resto do mundo, a religião não é um assunto de escolha pessoal. É algo que é decidido pela sociedade como um todo. Um indivíduo nasce numa comunidade religiosa e mantém-se nessa comunidade. O conceito de possibilidade de escolha nem sequer existe. As comunidades ocasionalmente mudam a sua religião; de outra forma, religiões como o Budismo e o Islão nunca teriam alargado para novas áreas. (…) As conversões individuais foram uma raridade no passado, com excepção de algumas situações (os últimos anos do Império Romano, por exemplo). Foi o individualismo alimentado pelo Cristianismo Protestante que assumiu que o indivíduo é livre de escolher a sua religião."

Moojan Momen, in The Phenomenon of Religion: A Thematic Approach.

12 comentários:

João Moutinho disse...

"A ideia de que a religião é um assunto de opção individual tem as suas origens no Islão, mas assumiu destaque no Cristianismo Protestante, nos últimos séculos"
Até que ponto o cristianismo protestante é resultante do pensamento islâmico (mesmo que nenhum deles reinvidique influência mútua)?

Marco Oliveira disse...

João,
O Anonymous #2 deve estar mais capacitado do que eu para responder a essa pergunta.
Pode ser que ele te esclareça.

Anónimo disse...

Cá estou eu, Marco. Isto não se faz. Colocar um post destes é o mesmo que dar um chocolate a uma criança: mais tarde o mais cedo sabemos que ela vai morder.
Em relação ao texto.
Começo por discordar da “ideia de que a religião como assunto de opção individual tem as suas origens no Islão”. Então Cristo não faz apelo à crença individual (“quem crer será salvo”)? Não avisa os seus seguidores que poderão ter que abandonar a família, o emprego, enfim, o meio social onde vivem, por causa dEle? Não coloca várias vezes a decisão entre Ele e o Mundo (a sociedade)? Um aviso recorrente no Novo Testamento não é o evitar confiarmos em tradições familiares, rituais, organizações, e pormos a nossa fé só em Jesus? Se este Cristianismo não é uma religião individual então não sei o que será. Claro que, com Constantino, apareceu o conceito de Cristandade, que tinha um cariz marcadamente colectivo. Mas a reforma Protestante reage contra isso. E é importante lembrar que a Reforma Protestante não teve profetas, ou seja, não houve novas revelações da parte de Deus. Ela nasce apenas da leitura da Bíblia e da denúncia, e tentativa de correcção, dos muitos erros com que a Igreja de Roma sufocava o Cristianismo inicial.
Por outro lado, causa-me alguma estranheza a ideia do Islão ser uma religião individual. Tanto quanto sei cada pessoa nascida numa família de muçulmanos é obrigatoriamente muçulmana, e caso queira abandonar a fé (que pode nunca ter tido) é considerada apóstata e pode sofrer punições que podem ir até à pena de morte. Também julgo saber que a tradução de muçulmano é cidadão. Ou seja a fé tem directamente a ver com o lugar da pessoa na sociedade. Aliás, os bahais e os evangélicos dos países de maioria muçulmana (o Marco tem um post recente sobre assunto) sabem bem que esse conceito de fé individual não existe.
Quanto à influência do Islamismo no movimento protestante, não julgo que exista. Como disse acima, a Bíblia foi a grande inspiração do movimento e ela ficou escrita cerca de 500 anos antes de Maomé. Na aparência existe algumas semelhanças entre a ideia de pré-destinação (que só parte dos protestantes aceitam) e o chamado fatalismo islâmico. Mas mesmo aí as diferenças são maiores que as semelhanças. Porque, mesmo aceitando a total soberania de Deus, o protestante tem uma relação pessoal com Ele. Vê nele um Pai, e portanto, como um pai faz para um filho, mesmo quando as coisas doem temos a presença divina para nos consolar. Por isso o termo resignação tem pouca utilização entre os cristãos protestantes.
Bom, e por agora chega. Gostava de ouvir as opiniões de quem está mais perto do Islamismo.

Anonymous #2

Marco Oliveira disse...

Anonymous #2.

Sabia que ias responder a este post. :-)

Eu achei interessante a perspectiva do Moojan Momen; ele é um especialista em religiões comparadas. Porque ele nasceu no Irão (uma sociedade islâmica) e vive actualmente em Inglaterra (uma sociedade anglicana, mas cada vez mais multi-religiosa), parece-me que está bem habilitado a fazer este tipo de comparações.

Eu creio que as conversões individuais são características dos primeiros tempos de cada uma das grandes religiões. Além disso, podem ainda ocorrer com quem viva uma “experiência religiosa”, uma experiência mística, um renascer religioso, ou algo semelhante.

Também é necessário ter presente o conceito de religião ; para a maioria dos ocidentais pode ser um conjunto de crenças, bem distintas da sociedade e ordem política onde vivem. Para outros povos, a religião, os hábitos sociais e até a ordem política são indissociáveis. Nessas sociedades, a conversão individual é problemática. Não é de admirar que os primeiros seguidores das grandes religiões mundiais tenham formado pequenas comunidades que constituíam uma espécie de párias sociais e eram perseguidas.

Creio que o Islão no seu início era uma “religião individual”; com a sua expansão e consolidação, tornou-se uma “religião social”. Recordo-me de ter lido algo no Alcorão sobre a relação do crente com Deus e a forma como Ele coloca sempre cada crente à prova; também me recordo de algo que referia que “a religião não podia ser compulsiva”; seria sempre uma opção individual. Neste aspecto, o João Moutinho talvez nos consiga encontrar as referências.

Também não acredito de influências do Cristianismo Protestante no Islão; mas creio que é possível encontrarmos algumas influências do Islão sobre o Cristianismo Protestante. A primeira que me ocorre é a não adoração de imagens. Com um pouco de tempo para investigação talvez se consigam encontrar influências noutros aspectos.

Os conceitos de Deus no Cristianismo e no Islão parecem-me muito semelhantes; trata-se de um Criador transcendente. A ênfase na relação do crente com o Criador é que me parece diferente. O cristão procura a relação pessoal com o Pai-Eterno; o muçulmano submete-se à vontade d'Ele.

Eu também gostaria de ouvir a opinião de um muçulmano sobre este assunto.

João Moutinho disse...

Estou bastante mais interessado em ler as vossas considerações do que em expor as minhas.
Relativamente ao Alcorão, está escrito "Não há compulsão de Religião" e também é verdade que O Alcorão condena aqueles árabes que seguiam cegamente a religião de seus antepassados.
Acontece que com o Islão há uma certa confusão entre árabes e muçulmanos, pois aqueles consideravam-se os herdeiros carnais espirituais de Abraão e Ismael (um pouco à semelhança dos Israeitas ou Judeus para com Abraão e Isaac), mesmo tendo em conta a universalidade da religião Islâmica. Os Omíadas procuraram, de forma artificial, dificultar a aceitação do Islão por povos não árabes de forma a poderem taxá-los.
Para todos os efeitos, poucos cristãos poderão reinvidicar serem descendentes de Abraão, excluindo o aspecto espiritual.
Isto poderá ter ajudado a universalizar um pouco mais o cristianismo face às outras religiões do Livro - mas estamos perante um entendimento meramente pessoal.
Realtivamente so protestantismo esta surge-nos muitas vezes a procurar as suas raízes no Antigo Testamento, responsabilizando cada um pelos seus actos, ao invés da Igreja Romana que em muitos aspectos se tornou herdeiro do mundo greco-romano e tem uma noção de que o trabalho desonra os bem pensantes, aqueles que guiam o rebanho no caminho celestial.

Marco Oliveira disse...

As ditaduras nunca gostaram que os cidadãos tomassem opções individuais (fosse político, religioso, ou outros). Veja-se o caso dos protestantes no tempo do Salazar, dos bahais no Irão, ou qualquer comunidade religiosa na antiga União Sovietica.
Talvez a possibilidade de mudar de religião esteja mais relacionada com a democracia e os direitos humanos.

Anónimo disse...

Marco

A não adoração de imagens é, no Cristianismo e no Islamismo, uma herança do Judaísmo. Constitui um dos Dez Mandamentos. Aqui está um caso em que os Protestantes denunciam e corrigem um erro católico-romano.
A génese do Protestantismo está bem documentada e não me parece que haja aí sombra de Islamismo. Acontece é que o Protestantismo recupera o Antigo Testamento (lido à luz do Novo) e a Bíblia hebraíca é também um dos fundamentos do Islamismo. Virão daí alguns traços comuns ou parecidos? Talvez. Seja como for, no essencial, as diferenças são muito grandes. Por exemplo, no Protestantismo a salvação vem exclusivamente pela graça divina. O Homem náo pode fazer nada, rigorosamente nada, para a obter. No Islão há entre outras coisas os cinco pilares (oração várias vezes ao dia, jejum no ramadão, 5% de esmola, etc) que o crente tem que cumprir.

Anonymous #2

Marco Oliveira disse...

Anonymous #2,

Há outro aspecto que me esqueci: o facto de existirem aspectos comuns entre duas religiões ou correntes religiosas, não implica necessariamente que tenham existido influências num ou noutro sentido.

Esses aspectos comuns podem ter surgido como resultado de requisitos e condições bem distintas.

Orlando Braga disse...

Não estou de acordo com o Leit Motiv do post e, oportunamente, farei referência ao mesmo.

Abraço
Orlando

João Moutinho disse...

O que é o "Leit Motiv"?

Anónimo disse...

Joao Moutinho
Provavelmente esta é outra situação em que o comentador não faz questão de ser entendido por todos. Apenas para quem pode.
Ah ah ah ah

Leit-Motif --> Conceito, ou simbolo, que está no âmago de uma determinada apresentação ou argumento. Capice?

João Moutinho disse...

Exprime-te GH, vai-te exprimindo para ver se ficas feliz...