quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

A Aliança das Democracias

Num post recente, o Ricardo Alves refere vários aspectos que o levam a apreciar a expressão "aliança de democracias" em detrimento de "aliança de civilizações". Sobre essa questão e alguns dos temas abordados nesse post, aqui ficam alguns comentários.

Apesar de não existir consenso entre os historiadores sobre o significado do conceito de civilização, eu atrevo-me a definir civilização como um conjunto de sociedades que se caracterizam por vários traços comuns de cultura, sabedoria, organização política, valores morais e éticos e valores religiosos. Como todas as definições deste termo, esta também é muito vasta. A civilização em si é difícil de delimitar no espaço e no tempo.

Podendo a civilização ser caracterizada sob múltiplas perspectivas, não consigo entender o significado de "civilização tecnológica"; parece-me muito reducionista ou mesmo simplista. O facto de partilharmos a mesma tecnologia não significa que sejamos uma mesma civilização. Quando muito podemos dizer que há uma plataforma tecnológica comum nas interacções entre os diferentes povos do planeta. De igual modo, também entendo que uma civilização vive e morre, não em função da tecnologia, mas em função da sua capacidade de por em prática os valores que inspiram a sua organização. Os motivos que levam ao seu colapso são diversos.

Quanto à preocupação de criação de uma "aliança de democracias” (um termo que também considero preferível a "aliança de civilizações"), parece-me que lhe está subjacente um reconhecimento de que a actual ordem política mundial é incapaz de responder aos problemas actuais da humanidade. É com frequência que ouvimos expressões como "Nova Ordem Mundial", debatemos a reforma da ONU, e ouvimos apelos a coisas tão inovadoras como o "Direito de Intervenção Humanitário".

No Ocidente, as discussões sobre diferentes políticas socio-económico, sobre políticas ambientais, sobre políticas sociais, sobre modelos de cooperação Estado-Religião, são intermináveis e dificilmente serão consensuais. Desta forma, a reorganização da política mundial (a que podemos chamar "aliança de democracias") devia assentar num consenso mínimo entre os países do mundo: a utilização de métodos democráticos na eleição dos representantes políticos e o respeito pelos direitos humanos.

Esta "aliança de democracias" não pode ser diluidora da identidade dos povos; pelo contrário, deve aceitar e preservar a diversidade. Nessa diversidade não podem ser ignorados aspectos de identificação dos povos como nacionalidade ou religião. Estes devem ser vividos de forma saudável e numa óptica de cooperação (e nunca de confrontação).

Talvez esta "aliança de democracias" possa ser mais um primeiro passo em direcção a uma civilização mais humana e verdadeiramente global. Para muita gente poderá parecer algo tão utópico quanto a ideia "União Europeia" era fantasiosa para os povos da Europa há cem anos atrás. Mas é uma utopia preferível à actual ordem mundial, cuja inadequação leva hoje milhões de pessoas ao desespero.

5 comentários:

Pedro Fontela disse...

O Marco está a um passo de ser um ocidantal neo-colonialista :) é que assim que tais propostas fossem para a frente a acusação seria essa.

Marco Oliveira disse...

Pedro,
E quem faria essa acusação? Os que gostam da actual ordem mundial? :-)

Claro que a minha solução não é perfeita; não tenho nenhuma varinha mágica que resolva os problemas da política mundial.

Mas que outras alternativas temos? Continuar como estamos?

Pedro Fontela disse...

Marco,

A minha intenção não era atacar tua opinião mas sim dizer que os que mais beneficiariam com tais mudanças são precisamente os que mais se iriam opor (Irão, China, India, Arábia Saudita, o médio oriente em geral e boa parte dos regimes Africanos).

A questão é esta a decisão tem que ser conjunta porque suponho que ninguém esteja interessado num conflicto prolongado mas ao mesmo tempo nunca poderá ser conjunta porque o conjunto básico de ideas não é o mesmo (é um problema circular).

Marco Oliveira disse...

Pedro,
Eu diria que nas últimas décadas do século XX este conjunto básico de ideias se foi alargando. No final dos anos 70, deu-se o fim das ultimas ditaduras na Europa Ocidental (Portugal, Espanha e Grécia); nos anos 80, os sistemas democráticos foram sendo implementados nos países da América Latina; nos anos 90, a democracia chegou à "Europa do Leste".

É certo que não foram transições fáceis, e viveram-se momentos de muita tensão e agitação política; Aqui em Portugal, em Novembro de 1975 estivemos à beira da Guerra Civil. Além disso percebemos que o processo de amadurecimento político (habituarmo-nos a fazer um uso responsável da liberdade e das regras da democracia) é algo que leva algum tempo.

Assim parece-me que nos últimos 30 anos o consenso se tem vindo a alargar sobre este conjunto básico de ideias. E é importante que este consenso se continue a alargar a outros países do mundo.

É certo que podemos questionar se este tipo de transformações levou a um aumento da qualidade de vida das populações desses países que fizeram a transição para a democracia. Mas isso já é misturar política, com questões socio-económicas, capitalismo financeiro e outras coisas muito questionáveis.

Só uma dúvida: eu tenho a impressão que a Índia é mesmo uma democracia. Não se trata de uma democracia "musculada" (tipo Uganda ou Egipto), pois não?

GWD disse...

The British Historian Arnold Toynbee is associated with the idea that the birth of a new religion marks the birth of a new civilization. From this perspective, a new civilization came into existence 171 years ago with the birth of the Babi/Baha'i Faith.

Democratization is not a sufficient ultimate goal. As Graham Hassell notes,

"Democracy is a core Bahá'í value. But in the Bahá'í conception, it does not refer merely to ‘freedom of speech’, or to the articulation of individual human rights. It refers rather to a culture in which the individual feels free to set forth views in an atmosphere of tolerance; in which the people’s elected representatives see themselves as trustees of the public will; in which the people have respect for the decisions of the duly elected authorities; in which the values of diversity, reciprocity and mutuality are appreciated. Democracy therefore refers to a culture rather than to rules."
http://bahai-library.com/?file=hassall_governance_conflict_resolution