quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Os Intermediários

Aqui fica o meu texto publicado hoje na Terra da Alegria. Na edição de hoje, chamo a vossa atenção para os textos do Timshel (A fé, a esperança e a caridade) e do Miguel Marujo (Da superioridade das civilizações).
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A maioria das religiões possuem um conceito segundo o qual entre a Realidade Última - seja o Deus teísta ou a Realidade Absoluta monista - e o mundo que nós habitamos, existem mundos intermédios em que habitam outros seres. Estes mundos são descritos como paraísos ou infernos, e os seres que os habitam descritos como deuses, espíritos, anjos ou demónios. (...) Uma figura que desempenha um papel importante como intermediário entre a Realidade Última, os mundos transcendentes, e o nosso mundo físico é o do fundador de cada uma das religiões mundiais.

Nas muitas formas de Cristianismo, Jesus Cristo é considerado como parte da Divindade, uma das pessoas da Trindade. No Concílio de Niceia, em 325, Cristo foi declarado como sendo “consubstancial (do grego: homoousios) ao Pai”. O debate sobre a natureza exacta de Cristo não ficou concluído neste Concílio, e o teólogos continuam a debater, até aos dias de hoje, a natureza exacta de Cristo. No entanto, todas as escolas de pensamento no Cristianismo concordam em atribuir a Cristo um estatuto supra-humano.

No Islão, ficamos próximos da conceptualização do fundador, Maomé, como um mero ser humano. Em parte, o Alcorão representa isto como uma reacção à excessiva divinização de Cristo no Cristianismo. No Alcorão, Maomé proclamou: “Sou apenas um homem como vós...” (18:110). Apesar desta declaração, algumas escolas do Islão representam Maomé com um estatuto mais elevado. Na filosofia mística xiita, a realidade de Maomé é descrita como a luz que foi a primeira coisa a ser criada antes de ter sido criada o resto da criação. O primeiro imam xiita, ‘Ali, terá afirmado: “Deus é uno; Ele estava só na Sua unicidade, pronunciou uma palavra e fez-se luz, e dessa luz Ele criou Maomé” (1)

Nas Escrituras Bahá’ís, os fundadores das religiões mundiais são chamados Manifestantes de Deus. Isto porque eles são considerados como sendo manifestantes de todos os atributos e nomes de Deus. No entanto, não são incarnações de Deus. A analogia que se encontra nas Escrituras Bahá’ís é a do espelho. Os Manifestantes de Deus são como espelhos que reflectem perfeitamente os atributos de Deus. Estas figuras, porém possuem a autoridade de Deus. Bahá'u'lláh escreveu:
A porta do conhecimento do Ser Antigo sempre esteve, e sempre estará, fechada ante a face dos homens... Como sinal da Sua misericórdia, porém, e prova da Sua amorosa benevolência, Ele manifestou aos homens as Estrelas Matinais da Sua orientação divina... e ordenou que o conhecimento desses Seres santificados fosse igual ao conhecimento do Seu próprio Ser. Quem os reconhecer, terá reconhecido Deus... Cada um deles é o Caminho de Deus que liga este mundo aos reinos do além. (2)
No Hinduísmo encontramos o conceito de avatar. Figuras como Krishna e Rama são consideradas como avatares, incarnações da divindade Vishnu. No Bhagavad Gita, Vishnu, falando como Krishna, afirma: “O louco ridiculariza-me quando estou vestido com um corpo humano; eles não conhecem a Minha natureza suprema, nem que eu sou o grande Senhor de todos os seres” (9:11)

No Budismo e no Taoísmo, o autor da maioria das escrituras da religião é visto, não tanto como um intermediário entre o mundo transcendente e este mundo, mas como um descobridor de um caminho ou uma verdade antiga. Buda é visto como tendo alcançado a sua iluminação como resultado dos seus próprios esforços. No entanto, no Budismo Therevada, onde é dada uma grande ênfase ao facto de todos os seres humanos serem capazes de atingir o que Buda atingiu (iluminação e o Nirvana), existem algumas indicações nas Escrituras que indicam que Buda não é como outros seres humanos.... No Budismo Mahayana, esta tendência para elevar a condição de do Buda é levada ainda mais longe. O número de budas no Budismo Mahayana é muito elevado; centenas de budas têm um nome e diz-se que eles são mais do que os grãos de areia do Ganges. No entanto, na sua realidade interior eles são apenas um, pois é a mesma realidade espiritual que está activa em cada um deles.

Moojan Momen, in The Phenomenon of Religion: A Thematic Approach, pag. 199-202

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NOTAS
(1) - Majlisi, Bihar al-Anwar, citado em Introduction to Shi'i Islam, Moojan Momen, pag. 148
(2) - Selecção dos Escritos de Bahá'u'lláh, sec. 21


3 comentários:

Anónimo disse...

Falta Moisés e o Judaísmo...

GWD disse...

Thanks to your postings from Momen's The Phenomenon of Religion, I have begun studying it again. It truly is the best textbook on comparative religion that I know of. And unique, too, because it is organized by looking at the common features of all religions rather than separate chapters on Christianity, Buddhism, etc. In this way he advocates for the idea that, if you really study them in all their diversity, you discover that religions are truly one.

By the way, did you do the translation, or is their a Portuguese version?

Marco Oliveira disse...

Momen’s book was my best acquisition when I went to London last September.

I also considerate the best book I ever read on comparative religions.
There is no Portuguese translation; I am translating these parts just to publish here.