sexta-feira, 21 de abril de 2006

Baha'is fundamentalistas

Um leitor questionou-me sobre baha'is fundamentalistas: Se um dia a religião bahai for maioritária não poderão também surgir "fundamentalistas" bahais?

Fundamentalismo é hoje uma palavra com uma conotação fortemente negativa. Já não está apenas associado a conceitos como "conservadorismo" ou "tradicionalismo"; tornou-se um sinónimo de "radicalismo", "fanatismo" e até "terrorismo". Por esse motivo penso que é importante definir qual o significado que atribuo a esta palavra antes de a aplicar.

Num certo sentido, posso considerar fundamentalismo como uma atitude mental segundo a qual a realidade é entendida apenas a preto e branco, ignorando as diferentes tonalidades de cinzento que existem entre estas duas cores.

Uma outra definição possível de fundamentalismo relaciona-se com uma dependência de uma comunidade em relação a algum (ou alguns) indivíduo(s) com um pouco de carisma ou personalidade forte. Pode existir uma situação em que ele(s) impõe(m) sistematicamente a sua opinião aos outros, exercendo com isso uma espécie de autoridade implícita sobre os restantes crentes.

Se considerarmos apenas estas duas definições, não tenho dúvidas em afirmar que existem dois ou três casos de atitudes fundamentalistas entre os baha'is de Portugal.

Aqui é importante ter presente que uma pessoa pode ser fundamentalista num aspecto da sua vida e ser liberal noutros. Por exemplo, uma pessoa pode mostrar uma atitude liberal ao defender uma sociedade multi-racial e vazia de preconceitos, mas simultaneamente pode ser fundamentalista ao impor uma alimentação vegetariana a toda a sua família.

Voltemos então à questão: poderão os fundamentalistas tomar o poder na comunidade baha'i?

O facto das instituições baha'is serem eleitas periodicamente torna a estrutura administrativa pouco vulnerável aos vícios e problemas conhecidos das estruturas administrativas de outra comunidades religiosas.

É evidente que podemos admitir o cenário onde exista uma comunidade "mentalmente dependente" de um pequeno conjunto de crentes, que são repetidamente eleitos para a Assembleia Espiritual. Mas será isso uma tomada de poder (uma espécie de golpe de estado)? Ou será apenas o resultado natural de uma eleição numa comunidade onde existe essa tal "dependência mental"?

O que pode cada baha’i fazer para evitar um cenário destes? Uma resposta possível pode passar pela participação em "Círculos de Estudo"; tratam-se de pequenos grupos de crentes que, de forma mais ou menos informal, se reúnem regularmente para estudar e meditar sobre a história, ensinamentos e Escrituras da religião baha'i. Outros baha'is que costumam visitar este blog poderão apresentar outras respostas alternativas e complementares a esta.

No fundo, o amadurecimento pessoal e desenvolvimento espiritual são o melhor obstáculo às atitudes fundamentalistas.

8 comentários:

João Moutinho disse...

A Fé Bahá'í tem à partida uma estrutura administrativa que cremos ter sido ordenadamente divinamente, o que, por si, minimiza muito os riscos de alienação.
No entanto, um excessivo autoconvencimento pode-nos conduzir a atitudes que demonstrem "excesso de zêlo". Como é óbvio estamos perante uma "ratoeira", capaz de atingir um grande número de seguidores das mais diversas ideologias.

Santos Passos disse...

Li, certa vez, que o fundamentalismo só é possível em religiões baseadas em escritos. Seriam fundamentalistas os que interpretassem ao pé da letra os textos de base da religião em questão. Baha'is têm textos básicos, não é mesmo?
Quanto a mim, que conheci os Baha'is por meio de teu blog, custo a crer que possa haver algum fundamentalismo em algo que conheci por via do Marco. Tu, isso eu tenho certeza, nada tens de fundamentalista. Conheço poucos tão sensatos e abertos ao diálogo. E, além do mais, com um filhinho muito fofo. ;)
Abração

Pitucha disse...

Marco
A tua última frase aplica-se a todos os fundamentalismos! É a solução para todos eles.
Com diálogo e espírito aberto, qualidades que tu demonstras neste teu blogue, os fundamentalismos não teriam a força destruidora que têm.

Elfo disse...

Bom, lá terei eu de fazer o papel de advogado do diabo.
A palavra fudamentalismo tem como radical ou imo, a palavra fundamento ou fudamental. O acual conceito (errado) de fundamentalismo é a sua conotação ao fanatismo que é PROÍBIDO NA FÉ MUNDIAL BAHÁ'Í.
Eu costumo dizer que há duas coisas que são proíbidas na Fé: O alcool e o fanatismo.
Por isso Abdu'l-Bahá disse que por cada livro bahá'i que os amigos lessem, deviam ler dez livros não bahá'ís.
Se atendermos que nos devemos restringir ao fundamental e não ao acessório então sim o fundamentalismo nada tem que ver com o radicalismo e o fanatismo que mesmo assim ainda há diferenças entre um radical e um fundamentalista.
O facto de haver alguém que imponha uma dieta macrobiótica ou vegetariana a toda a família, isso não é fundamentalismo, pois não está escrito em parte alguma, mas sim estupidez manifesta.
Quanto à questão do querido amigo Marco em relacionar que entre o preto e o branco existe toda uma gama de cinzentos, está a ser muito reducionista pois entre estas duas cores existe todo um arco iris, de variadíssimas cores a começar no branco até terminar na "não cor" que é o preto.
Por isto o fundamentalismo nada tem que ver com as ortodoxias, que essas sim, são cristalizadas no tempo e não têm lugar para um colimetria adapatda aos vários cambiantes que a sociedade vai tendo fruto da vontade de Deus.

Dina Domingues disse...

resumindo, seja bahai, católico, protestante, ou outra coisa qualquer, há sempre a hipotese de se ser fundamentalista, não tem nada a ver com a religião mas sim a moral e sentido de vida e justiça de cada um, acontece somente que os fundamentalistas se encondem atrás de uma qualquer religião para quererem ser superiores aos outros. parece-me que é tão simples quanto isto

Anónimo disse...

Agora fiquei curioso para saber como são os bahais... :-)
Gostava de saber como é que se convive com esses "dois ou três casos".

SAM disse...

Fundamentalismo??? A fundamentação do tema está bem feito, contudo não se pode entitular um bahá'í de fundamentalista ou de liberal. De progressista ou revolucionário.
Como bahá'í, o único direito de catalogar a alguém é a mim mesmo e não aos demais.

Os exemplos tampouco me parecem fundamentalistas! Um pai obriga os filhos a comerem bróculos porque acham que fazem bem (argh!) e outro obriga macrobióticos. Eu que sou terapeuta de família me espanto frequentemente das consequências "fundamentalistas" do amor dos pais sobre os filhos.

Não estaremos a ser fundamentalistas ao esperar que os outros vivam as suas vidas da forma como consideramos que deveriam viver?

Marco Oliveira disse...

SAM,
A maioria dos baha'is que eu conheço não vê o mundo a preto e branco, nem impõe aos outros a sua perspectiva da realidade como sendo a única possível.
Aliás esse tem sido o tom dos debates e comentários neste blog.
:-)