sexta-feira, 12 de maio de 2006

Kitáb-i-Íqán (18)

As alegorias do Novo Testamento (1ª parte)

Ao longo dos posts sobre o Kitáb-i-Íqán apresentei vários exemplos de interpretações simbólicas que Bahá'u'lláh faz sobre a Bíblia e o Alcorão; essas interpretações referem-se a temas específicos como a dupla condição dos Manifestantes, a ressurreição dos mortos, a presença de Deus, o regresso de Cristo. Além dessas interpretações, o fundador da religião bahá'í faz ainda referência a várias alegorias do Novo Testamento e expõe o respectivo significado.


Nos primeiros parágrafos do livro, Bahá'u'lláh refere algumas palavras que os evangelistas atribuem a Jesus. “Vou embora e venho outra vez a vós"(João 14:28) e "Vou e outro virá que vos há de dizer tudo o que Eu não vos disse, e cumprirá tudo o que Eu disse" (cf Jo 16.13). Segundo Bahá'u'lláh, estas palavras são uma alusão ao martírio do fundador da religião cristã e ao aparecimento do Manifestante seguinte.

Literalmente as duas frases parecem contraditórias. Afinal quando Cristo partir, quem voltará: o Próprio ou outro? A maioria das doutrinas cristãs resolveu esta aparente contradição, interpretando a primeira frase como um referência ao regresso de Cristo e a segunda como um anúncio do aparecimento do Espírito Santo. Bahá'u'lláh, porém, afirma no Kitáb-i-Íqán que estas duas declarações significam a mesma coisa.

As frases devem ser entendidas à luz da dupla condição dos Manifestantes. Para compreender a primeira frase devemos ter presente a condição divina dos Mensageiros de Deus: todos eles são intermediários entre Deus e a humanidade e todos possuem a mesmas características divinas. Nesta perspectiva, não é possível fazer distinções entre Eles; podemos chamar todos pelo mesmo nome. Já a segunda frase deve ser entendida à luz da condição humana dos Manifestantes; nesta perspectiva, cada um possui uma individualidade e uma missão específicas e apresentam os Seus ensinamentos de acordo com as necessidades e maturidade dos povos a quem Se dirigem.

Para justificar o significado comum destas duas frases, Bahá'u'lláh apresenta uma analogia: «Considerai o sol. Se dissesse agora, "Sou o sol de ontem", diria a verdade. E se, levando em conta a sequência do tempo, pretendesse ser outro sol, estaria ainda dizendo a verdade. De modo semelhante, se dissermos que todos os dias são o mesmo, isso será certo e verdadeiro; e se, referindo-nos a seus nomes e designações especiais, dissermos que diferem, isso também será verdade. Pois embora sejam iguais, se reconhece em cada um, no entanto, uma designação separada, um atributo específico, um carácter particular.» [20]

11 comentários:

Anónimo disse...

Se por um lado todas as línguas possuem uma manifesta incapacidade para descrever sentimentos e conceitos espirituais, por outro lado, por mais pobres que sejam, sempre têm uma grande riqueza descritiva e poética.

Quanto aos Textos Biblicos, a meu ver na sua grande maioria sempre foram abordados do ponto de vista do leitor e interpretes com demasiado pragmatismo, pouca arte poética e falta de espiritualidade.
A juntar, claro, os extremo preconceito e interesse pessoal de muitos desses "interpretes".

Não obstante, um grande problema no Cristianismo assim como nas outras religiões do passado, e que felizmente não se voltou a repetir na Fé Bahá'í, foi a ausência de um interprete nomeado pelo próprio Profeta.

Todos os bahá'ís sabem, que se não fosse a sabedoria de 'Abdu'l-Bahá, filho de Bahá'u'lláh, nomeado pelo Pai como Seu interprete, muitos dos Escritos de Bahá'u'lláh poderiam causar no futuro discordia e cisão entre os bahá'ís. Isso só não acontece porque sobre as questões fundamentais e variados temas nas Escrituras, existe em geral uma explicação oficial de 'Abdu'l-Bahá.

Já agora, para mim, foram os livros de 'Abdu'l-Bahá, com a sua linguagem racional, simples e espiritual, que me atrairam para a Fé. Naquela altura era eu estudante universitário, ateu na religião, mas fervoroso crente na ciência, mas após ler algumas das suas palestras, compiladas em livro, consegui obter algum vislumbre e explicação para as questões fundamentais que me fascinavam, no fundo aquela coisa: o que andamos aqui a fazer e porquê? (...)

Anónimo disse...

Pedro Reis,
Porque é que os "Escritos de Bahá'u'lláh poderiam causar no futuro discordia e cisão entre os bahá'ís"? Estavam mal escritos? A linguagem é confusa? Ou os baha'is são pouco inteligentes?

E os Livros de Abdul-Baha é que têm uma linguagem racional? Então e os de Baha'u'llah não têm?

Não andas muito alinhado com os outros baha'is, pois não?

Marco Oliveira disse...

GH,

Creio que o Pedro Reis se limitou a expressar alguns ostos pessoais em relação às escrituras baha'is. Natauralmente que nem todos os baha'is partilham dessas opiniões.

Eu próprio também tenho as minhas preferências pessoais no que toca às escrituras da minha religião. (Nota-se pelo que eu já escrevi relativamente ao Kitab-i-Iqan)

Apesar de termos opiniões distintas, tentamos debater essas opiniões sem as impor aos outros.

Anónimo disse...

Olá GH,

No fundo o Marco no seu comentário anterior já disse o essencial, é a minha opinião e gosto pessoal, não o imponho a ninguém, apenas o partilho.

Mas respondendo muito objectivamente às tuas perguntas:
É claro que há bahá'is mais inteligentes e outro menos, como em qualquer comunidade, equipa, grupo, etc.

É natural que os textos de Bahá'u'lláh e os de 'Abdu'l-Bahá sejam distintos em estilo e conteudo. O estilo de 'Abdu'l-Bahá é mais acessível, racional no sentido apela mais ao intelecto, logo mais fácil de compreender, quiça mais objectivo, enquanto que os textos de Bahá'u'lláh têm muito mais informação "espiritual", muito mais nas entre-linhas, a condição espiritual do leitor influi naquilo que este consegue extrair da leitura.

As Escrituras Sagradas, de qualquer religião, têm um poder e sabedoria inigualáveis, embora creio que não seja essa a questão essencial que sirva de fiel para destinguir a condição dos grandes instrutores da humanidade, antes porém o facto de os Mensageiros Divinos conseguirem viver os Seus ensinamentos, enquanto que os outros grandes pensadores não.

Acontece que, aquilo que as Escrituras Sagradas transmitem, é de alguma forma proporcional à capacidade de entendimento do leitor. Mais, à mesma pessoa, dependendo do seu estágio de evolução, intelectual, emocional e espiritual, a informação retirada da leitura vai variando ao longo da sua vida e de dia para dia. Por isso esses livros devem-se ler não apenas uma vez, mas várias.


As Escrituras Bahá'ís podem causar - "discordia e cisão entre os bahá'ís" - bom, isso é verdade para qualquer texto escrito por qualquer autor, mesmo uma simples crónica de jornal. A diferença entre elas está no seu potencial latente e por consequência na influência causada nas pessoas.

Não queria escrever comentários muito grandes, mas enfim, não consigo fazer isto mais sucintamente.

Ah, claro! A questão do "desalinhamento"... isso é uma questão que não se coloca na Comunidade Bahá'í, nem comigo nem com ninguém. A divergência de opiniões e ideias são condição essencial e necessária para a evolução e crescimento saudável, nomeadamente se for feita com pureza de motivo.

pedro disse...

Amigo Marco,

Gostava de te sugerir que fosses ver o filme «Maria Madalena», que está em exibição no King. Não pelo película em si, que não é nada de especial, mas pelas questões tratadas, sobretudo o 'novo' papel de Maria Madalena na história do Cristianismo. Segundo o filme de Abel Ferrara, Maria Madalena teria sido o apóstolo favorito de Jesus Cristo, a quem Ele fizera revelações a que mais ninguém havia feito, e caberia a ela prosseguir o caminho Dele.

Pedro e Maria Madalena terão sido rivais, e não fosse por Pedro talvez Maria Madalena tivesse vindo a ser o primeiro Papa da História, o que não deixaria de ser irónico à luz dos dias de hoje.

Vê o filme e partilha a tua opinião connosco.

Um abraço

José Fernandes disse...

Alto,lá! Se há aqui alguém tem o estatuto desalinhado... sou eu.

Primeiro, porque me visto mal como o caraças;
Segundo porque as minhas opiniões são sempre polémicas, ao contrário dos meus amigos Marco e Pedro Reis, que também não afinam pelo mesmo diapasão;
Terceiro somos todos desalinhados pois não há duas opiniões convergentes porque não somos clones uns dos outros, como se pode ver pelos textos ndos meus bloggs;
Quarto, sou um fervoroso devoto d'O Báb, sem, no entanto, pôr de lado tudo o que ensinou Bahá'u'lláh e 'Abdu'l-Bahá, para além de Shogui Effendi e agora a Casa Universal de Justiça.
Como vês não há aqui qualquer desalinhamento em relação às princípais Figuras da Fé; sou também devoto a alguns mártires tais como Quddus e Badi.

Espero que tenhas ficado mais elucidado quando a estes meus humildes pontos de vista. É óbvio que o Marco terá outros e o Pedro Reis refutará também alguns, mas é nesta diversidade de opiniões que se forma este belo jardim de Ridvam que é a Fé Bahá'í.

Um destes dias, com calma, porei no Elfo ou no Kirólogo a sagrada Epístola do Ridvan. (diz-se Risvan)
Ou a Do Sagrado Marinheiro, quem sabe...?

Marco Oliveira disse...

Pedro,

Geralmente fico de pé atrás em relação às histórias que tentam usar o Jesus da história para questionar o Cristo da fé.

Uma vez li um livro sobre uma suposta investigação sobre os Manuscritos do Mar Morto. Ali se identificava o líder da comunidade dos Essénios com Tiago, o irmão de Jesus. Apresentavam-se algumas coincidências e paralelismos, e depois especulava-se muito. Achei o livro engraçado, mas pouco fundamentado.

Por vezes pergunto se quem se entusiasma tanto a ler este tipo de romances e "investigações históricas", não gostaria de ler um livro chamado "Ladrão na Noite". Foi o primeiro livro baha’i que eu li; trata-se de uma exposição sobre as profecias bíblicas para demonstrar que Bahá'u'lláh é um Manifestante de Deus. Na altura (há mais de 20 anos) adorei esse livro; hoje pergunto a mim próprio como é que há gente que gosta daquilo... :-)

Mas voltando ao filme que referes, sou capaz de o ver quando sair em DVD.

Anónimo disse...

Esta coisa de ir ao cinema não é para todos, não é Marco?! Eu também já me deixei disso...

A Lusomundo tem é que arranjar uma equipa de 'baby-siters' para conseguir levar os papás e mamãs ao cinema.

João Moutinho disse...

Olá Boa Gente,
O Pedro acabou por falar da importância do Convénio na Fé Bahá'í. Trata-se de um assunto interessantíssimo a que recomendo o livro escrito por Adib Tahirzadeh "The Covenant of Bahá'u'lláh" até porque o nível de inglês, ao contrário do que acontece nos escritos do amado Guardião, não é muito elevado.
Interessante a referência aO Báb, foi a primeira vez que a grande maioria dos seguidores de uma Religião (os babistas) anterior aceitaram O Prometido.

João Moutinho disse...

Corrijo o último parágrafo.
Interessante a referência aO Báb, foi a primeira vez que a grande maioria dos seguidores de uma Religião anterior (os babis) aceitaram O Prometido.

Anónimo disse...

Nós, na Comunidade Bahá'í, o que não nos falta é cromos, como diz a juventude... :-)

A Fé Bahá'í é, pelo menos a meu ver, a confissão religiosa QUE NOS DIAS DE HOJE faz mais sentido, porém um pouco paradoxalmente, concordo com quem diga que é preciso ser-se corojaso ou/e até um pouco maluco para se ser bahá'í nos dias que correm.

Acho que aquilo que a Comunidade tem feito, com os recursos materiais e humanos que tem, é deveras admirável, e só pode ser explicável pela ajuda que concerteza terá do Plano Dívino.

Por isso quando chegarmos ao dia em que uma considerável percentagem da população for bahá'í, a influência desse grupo de pessoas exercerá uma enorme influência na sociedade, positivamente, e aí teremos uma viragem muito significativa nas relações humanas e nos estado das coisas.

A Comunidade Bahá'í é um exemplo claro onde o valor de uma equipa é bastante superior à soma do valor individual dos seus elementos.

"Unidade NA Diversidade"