terça-feira, 19 de setembro de 2006

Kitáb-i-Íqán (24)

O Sermão no Monte das Oliveiras (2ª parte)

No âmbito destes posts sobre o Kitáb-i-Íqán, apresento hoje o segundo post dedicado à análise dos parágrafos que Bahá'u'lláh dedica nesse livro a um excerto do sermão profético de Jesus(Mt 24:29-31). Neste post abordo os significados de alguns termos simbólicos existentes nesse excerto. Entre parêntesis rectos indica-se o nº do parágrafo do Kitáb-i-Íqán. Sobre a numeração dos parágrafos do Kitáb-í-Iqan, ver Notes on paragraph numbering of the Kitab-i-Iqan.
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A QUEDA DAS ESTRELAS

Sabemos hoje que existem fenómenos astronómicos vulgarmente descritos como "queda de estrelas" ou "chuva de estrelas". Apesar da ciência explicar em que consiste uma chuva de meteoritos, torna-se difícil imaginar que um tal fenómeno possa ter uma influência significativa na história da humanidade.

Para explicar o significado das palavras "as estrelas cairão do céu", Bahá'u'lláh afirma que o termo "céu" é frequentemente usado para representar a religião, enquanto que o termo
"estrelas" é usado para simbolizar o clero e os líderes religiosos. Para o fundador da religião Bahá’í " a expressão «as estrelas cairão do céu» –refere-se à perversidade dos sacerdotes e à anulação das leis firmemente estabelecidas pela Revelação Divina, tudo o que foi predito, em linguagem simbólica, pelo Manifestante de Deus"[41]. Por outras palavras, esta expressão simboliza o declínio da liderança, dos valores e da prática religiosa.


Uma chuva de meteoritos, observada em Novembro de 1833.

O Kitáb-i-Íqán também descreve as estrelas referidas pelo evangelista como "estrelas da compreensão e da palavra"[73] e "Estrelas da Sabedoria divina"[74]. É interessante notar que Bahá'u'lláh também aplica a analogia estrelas/clero na Epístola aos Cristãos:
Ó assembleia de bispos! Sois as estrelas do céu do Meu conhecimento. A Minha misericórdia não deseja a vossa queda na terra. A Minha justiça, porém, declara: «Foi isso que o Filho decretou». E qualquer coisa que tenha procedido dos Seus lábios imaculados, verídicos, fidedignos, jamais será alterada.(a)

UM SINAL NO CÉU

Segundo Bahá'u'lláh, a expressão "...aparecerá o sinal do Filho do homem no céu" possui um significado literal e um significado simbólico. O fundador da religião bahá’í recorda vários relatos dos Textos Sagrados de religiões do passado onde a descrição do advento de um Manifestante de Deus é precedido por um fenómeno astronómico que não passa despercebido a alguns sábios. E recorda que isso aconteceu com Abraão[67], com Moisés[68], com Jesus[69, 70](b) e com Maomé[71] (c).

Mas o Kitáb-i-Íqán leva o leitor a perceber que mais importante que esse sinal físico, é o sinal espiritual. Assim, segundo Bahá'u'lláh, o sinal no céu deve ser entendido como uma voz profética que anuncia o iminente advento de um Novo Manifestante de Deus. Isso aconteceu no tempo de Moisés, quando "…também apareceu, na escuridão da noite, um sábio trazendo novas de júbilo ao povo de Israel, consolando-lhe a alma e tranquilizando-lhe o coração"[68]; aconteceu no tempo de Jesus quando o "...sinal no céu invisível – céu do conhecimento e da compreensão divinos – foi Yahyá(d), filho de Zacarias, quem deu ao povo as boas novas da Manifestação de Jesus"[70]; aconteceu no tempo de Maomé, quando "…apareceram quatro homens que sucessivamente anunciaram ao povo as boas novas de que nascera aquele Luminar divino"[71]; e relativamente a Si próprio, Bahá'u'lláh refere Sheik Ahmad(e) e Siyyid Kazim [72](f).

O CÉU

A palavra céu surge duas vezes no excerto do Evangelho citado por Bahá'u'lláh. Se esquecermos o seu significado literal(g) – a abóbada celeste visível da superfície terrestre – podemos identificá-lo como um nível de existência ou de conhecimento, que transcende a compreensão humana. Num sentido, Bahá'u'lláh identifica-o como toda a mensagem religiosa que surge com cada Manifestante de Deus, e as suas influências em diferentes sociedades ao longo dos tempos. E aplica esta analogia:
Sabe tu, que quaisquer corações sob os quais caiam as chuvas das graças misericordiosas provenientes do “céu” da Revelação Divina, a terra desses corações, em verdade, transforma-se na terra da sabedoria e conhecimentos divinos.[48]
Bahá'u'lláh acrescenta ainda que nas palavras dos Manifestantes do passado, o termo céu sempre teve múltiplos significados: "céu dos Mandamentos", o "céu da Vontade", o "céu do Propósito Divino", o "céu do Conhecimento divino", o "céu da Certeza", o "céu das Palavras", o "céu da Revelação", o "céu da Ocultação"[75] e outros.

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REFERÊNCIAS
(a) - Epístolas de Bahá'u'lláh, Epístola aos Cristãos, pag 22 [edição 1983]
(b) – Alusão ao episódio dos Reis Magos e da estrela. É possível admitir a historicidade do fenómeno se for identificado com o cometa Haley (12 a.C.) ou com um posicionamento de planetas (7 a.C.). Isto não significa que todos os cometas ou posicionamentos de planetas anunciem o aparecimento de um Profeta.
(c) – Alguns autores baha’is, como William Sears, sustentam que um cometa aparecido entre 1845-1846 também seria um sinal no céu anunciando um novo Manifestante de Deus.
(d) – João Baptista.
(e) – Shaykh Ahmad: O primeiro dos dois precursores do Báb, nascido no ano de 1753, fundador
da Escola Shaykhí e autor de 96 livros. Faleceu em 1831.
(f) – Siyyid Kázim: Principal discípulo de Shaykh Ahmad e seu sucessor. Mullah Husayn e outros
eminentes bábís se encontravam entre seus estudantes. Faleceu em 31 de dezembro
de 1843.
(g) – Nas escrituras bahá’ís, o texto traduzido em inglês a palavra é “heaven” que pode ser traduzido como paraíso ou céu. O mesmo se passa com o texto bíblico.

4 comentários:

Anónimo disse...

Pois... o problema com a interpretação simbólica é que podemos chegar às conclusões que quisermos. Mais volta, menos volta, consegue-se tocar no ponto que nos interessa. Não estou a dizer que há má-fé. A questão tem a ver com o preconceito com que se parte. Julgo que por alguma razão no Novo Testamento as parábolas estão bem assinaladas. Nem tudo pode ser lido como uma parábola.
Mas, Marco, a tua linha linha de interpretação não difere muito de algumcatolicismo e até algum protestantismo...

Anónimo disse...

Anonymous #2,
Eu não diria que há um preconceito (no sentido de "ideia pré-concebida"), mas um modelo de interpretação (que, resumidamente, nos diz que quando o texto vai contra a razão ou a ciência, então devemos procurar significados simbólicos).
Quanto ao facto desta linha de interpretação não diferir muito de algum catolicismo e até algum protestantismo, isso lembra-me um professor da Universidade Católica a quem uma vez expus algumas destas interpretações. Ele deu-me uma resposta imediata: "Isso é o midrash!"
Midrash é, como sabemos, uma forma de interpretação das escrituras do Judaísmo onde se pretende identificar os significados mais profundos dos texos sagrados.

Anónimo disse...

Anónimo 2,
Já faz algum tempo que não o "vejo".
Curiosamente aquilo de que eu queria falar já foi por si, de certa forma, antecipado.
Estou-me a referir ao discurso do Papa em que este considera a razão como conducente à Religião. Quando li o Kitab-I-Iqan senti que as profecias estavam a ser cumpridas e foi, antes de tudo, a razão que me guiou até à Fé Bahá'i. Só mais tarde aceitei a Fé no "coração".

Anónimo disse...

Marco

Sim, a coerência, uma forma de honestidade, é importante. E isso ninguém te tira.
Parece-me, no entanto, que a forma "maleável" (porque a ciência e a razão estão em constante mudança, feita de avanços mas também de recuos) da interpretação bahai não é muito consistente com um Deus "sem sombra de mudança", como diz a Bíblia).

João Moutinho

Não sei se é nesse contexto que devem ser lidas as palavaras do Papa. Aliás, como deve calcular, para mim essas palavras não têm qualquer valor. Podem muito bem estar ao nível de uma incitação as cruzadas proferidas por outros Papas, não sabenmos...
Pelo que leio na Bíblia, o coração vem antes da razão: "é o Espírito que convence do pecado e da justiça". A "fé vem pelo ouvir" mas se não houver intervenção do Espírito Santo ninguém pode chegar a Deus.