quinta-feira, 2 de novembro de 2006

A caminho das novas Leis de Nuremberga

Foi hoje divulgado mais um documento oficial do Governo Iraniano onde se pede a vários agentes governamentais que supervisionem e acompanhem cuidadosamente todas as actividades sociais dos Bahá’ís. Este documento - uma carta data de 19 de Agosto - é o mais recente de uma série de documentos oficiais onde se pode perceber um esforço a nível nacional para identificar e monitorizar os Bahá'ís do Irão.

Nessa carta [ver tradução em baixo], o Ministério do Interior ordena aos seus agentes que iniciassem actividades de vigilância dos Bahá’ís, em particular das actividades comunitárias. Nesse sentido, o Ministério solicitou às suas delegações provinciais que preenchessem um questionário detalhado sobre as características e actividades dos Bahá'ís locais, incluindo a sua "situação financeira", "interacções sociais" e "relações com assembleias estrangeiras".

"O aparecimento desta nova carta enfatiza a gravidade da situação que os Bahá’ís do Irão enfrentam", afirmou Bani Dugal, a representante da Comunidade Internacional Bahá'í nas Nações Unidas. "Esta carta confirma que o Governo Iraniano tomou os Bahá'ís como alvo de vigilância. Também revela pela primeira vez o tipo de informação que o Governo tenta recolher, quer sobre indivíduos, quer sobre a Comunidade Bahá'í como um todo; esta informação na maioria das sociedades seria considerada privada e altamente sensível".

"Esta carta também contém elementos de desinformação. Por exemplo, a carta pede informações sobre as «actividades socio-políticas» dos Bahá’ís, apesar de ser bem conhecido das autoridades que as actividades Bahá'ís são inteiramente não-políticas, pois as Escrituras Sagradas Bahá’ís salientam a importância do não envolvimento em política assim como a não violência".

Alguns observadores compararam o esforço do governo em identificar e monitorizar os Bahá’ís com a situação dos Judeus no início da era Nazi. Em Abril, a Liga Anti-Difamação afirmou que as ordens transmitidas numa outra carta datada de 29 de Outubro do ano passado eram "uma reminiscência das acções tomadas contra os judeus na Europa e um passo perigoso em direcção ao estabelecimento de «leis tipo Nuremberga»".

Nos últimos dois anos 129 Bahá’ís foram detidos, libertados a troco de elevadíssimas cauções, e aguardam agora julgamento.

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Tradução da carta do Ministério do Interior Iraniano


28 Murdad 1385 [19 Agosto 2006]
República islâmica do Irão
Numero: 70878/43
Ministério do Interior

Em nome de Deus

Aos honrosos delegados dos gabinetes de segurança política dos Governadores Gerais do país

Saudações,

Respeitosamente, recebemos relatórios de que alguns elementos da perversa seita do Bahaismo estão a tentar ensinar e espalhar a ideologia do Bahaismo a coberto de actividades sociais e económicas. Tendo em conta que esta seita é ilegal e que é explorada por organizações internacionais e sionistas contra o governo da Repúblicas islâmica do Irão, solicitamo-vos que dêem ordens aos serviços relevantes no sentido de monitorizar cautelosa e cuidadosamente as suas actividades sociais. Além disso devem preencher o formulário em anexo e enviá-lo para este gabinete até 15 Shahrivar [6 de Setembro de 2006].

Siyyid Muḥammad-Riḍa Mavválízádih
Director do Gabinete Político
(assinatura)

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Notícia Original: Iran steps up secret monitoring of Bahá’ís (BWNS)
Versão Original completa da carta do Ministério do Interior do Irão

10 comentários:

Anónimo disse...

O Governo iraniano a provocar a comunidade internacional, a perseguir os Bahá'ís, considerando que está sendo iluminado pelo Imame Oculto.
Isto não augura nada de bom.
Vamos lá a ver se isto acalma um pouco.
Embora não creie que um torneio de futebol seja suficiente.

Anónimo disse...

Isto é do mais grave, juntamente com os desafios à comunidade internacional acerca do nuclear.
No entanto tudo isto está previsto nas Escrituras Bahá'ís.
Só podemos tentar minorar a situação através de orações à Abençoada Beleza, e alertar a comunidade internacional para as perseguições de que estamos a ser alvos no berço da Fé.

"No futuro, serão os nossos amigos que nos defenderão"

Anónimo disse...

Eu sei que o Marco é linearmente contra a ideia da necessidade de sofrimento como condição necessária ao desenvolvimento espiritual, mas eu acho que essa é a forma mais comum do plano Divino actuar neste mundo... ou talvez eu não tenha percebido bem o ponto de vista dele contra o que chamamos "sofrimento".

Uma perspectiva bahá'í de definir este estado de coisas é o que chamamos processo de "crise e vitória", à primeira segue-se sempre a segunda, sempre foi assim na história da Fé e de todas as outras religiões.

É claro, embora devemos encarar estes acontecimentos como inevitáveis, temos que fazer o que pudermos para minorar as suas consequências.

Anónimo disse...

Quero corrigir:

Sofrimento deve ser substituido por "adversidade" essa é a palavra que Bahá'ú'lláh utiliza por vezes e que eu no comentário anterior afirmei ser inevitável.

"Em verdade, Deus fez da adversidade um orvalho matinal sobre Suas verdes pastagens e um pavio para Sua lâmpada, que ilumina a terra e o céu.”Baha'u'llah, Epistola ao Filho do Lobo.

"Se a adversidade não te sobrevier em Meu caminho, como poderás andar nas veredas dos que se contentam com Meu beneplácito? Se provações não te afligirem no teu anseio por Minha Presença, de que modo atingirás a luz em teu amor à Minha beleza?"
Baha'u'llah, Palavras Ocultas.

E finalmente.

"A adversidade tem sempre dado origem à exaltação de Sua Causa e à glorificação de Seu Nome. Tal tem sido o método de Deus levado a cabo nos séculos e eras passadas."
Baha'u'llah, O Chamado do Senhor das Hostes.

Anónimo disse...

Muito bem Mikolik, imagino que todos os bahá’ís do Irão devem ainda agradecer ao governo república islâmico do Irão por lhes proporcionar estas adversidades como condição necessária ao seu desenvolvimento espiritual.
Você acha mesmo necessário? Acredita mesmo que um povo tem que enfrentar adversidades! Durante 160 anos e ainda estar contente? Embora por incrível que pareça os bahá’ís do Irão estão contentes e agradecidos apesar de tudo.
E mesmo isto é que você entende das palavras que citou no seu comentário?
Entendeu que você pode viver em liberdade, feliz com sua família, ter o seu trabalho, o seu sustento e a noite deitar no seu leito calmo e em paz, vendo a sua TV, lendo o seu jornal, falando livremente com quem quiser e o seu irmão da fé iraniano precisa das adversidades para desenvolver o seu espírito? e você?
Talvez até seja melhor pedirmos para Marco não fazer as suas denúncias porque afinal da conta estas pessoas precisam da adversidade para o seu desenvolvimento. Como ainda não são bem desenvolvidos espiritualmente podemos até pedir a Europa mandar algumas pessoas para lhes mostrar como que é um bom desenvolvimento espiritual!

Anónimo disse...

Muito bem Mikolik, considerando o seu comentário imagino que todos os bahá’ís do Irão devem ainda agradecer ao governo república islâmico do Irão por lhes proporcionar estas adversidades como condição necessária para seu desenvolvimento espiritual.
Agora eu lhe pergunto: acha mesmo necessário? Acredita mesmo que um povo tem que enfrentar adversidades! Durante 160 anos e ainda estar contente? Embora por incrível que parece os bahá’ís do Irão estão contentes e agradecidos apesar de tudo. E você mesmo assim tem dúvidas no seu desenvolvimento espiritual?!
É mesmo isso é que você entende das palavras que citou no seu comentário?
Entendeu que você pode viver em liberdade, feliz com sua família, ter o seu trabalho, o seu sustento e a noite deitar no seu leito calmo e em paz, vendo a sua TV, lendo o seu jornal, falando livremente com quem quiser e o seu irmão da fé iraniano precisa das adversidades para desenvolver o seu espírito?
Sendo assim talvez até seja melhor pedirmos para Marco não fazer mais as suas denúncias porque afinal da conta estas pessoas precisam da adversidade para o seu desenvolvimento espiritual. E ainda como eles não são bem desenvolvidos espiritualmente podemos até pedir a Europa mandar algumas pessoas para lhes mostrar como que é um bom desenvolvimento espiritual!
E mais ainda, o que você referiu:
Uma perspectiva bahá'í de definir este estado de coisas é o que chamamos processo de "crise e vitória", à primeira segue-se sempre a segunda, sempre foi assim na história da Fé e de todas as outras religiões.
Querido Mikolik este conceito está permanentemente ligado a nossa vida sendo ou não bahá’í. Este conceito não implica necessariamente querer o sofrimento. Acredito o que as citações querem nós dizer é que para alcançar qualquer meta é necessário lutar e ultrapassar as dificuldades com alegria, e isto e exactamente isto implica lutar para acabar com os sofrimentos submetidos aos seus irmãos da fé no Irão, ora isto é diferente do que pelo facto de não querer ou não poder fazer alguma coisa para impedir o sofrimento ou a adversidade, se justifica com o conceito de “crise e vitória” ou se consolar dizendo que as adversidades são necessárias para o desenvolvimento espiritual do ser humano.
Espero que entenda o meu ponto de vista e não fique magoado.
Peço perdão ao Marco por este comentário tão longo.

Anónimo disse...

Eu já conheço estas ideias do Mikolik, e - como ele próprio escreveu - não concordo nada com elas. A Maria encarregou-se de demonstrar inconsistência de alguns dos seus pressupostos e penso que não vale a pena repeti-los.

Há alguns meses atrás deixei aqui as seguintes frases do livro “Um Deus chamado Abbá”: Pobres dos que crêem que os seus males são uma prova do Senhor!

Esta frase é a condenação de uma mentalidade religiosa ainda muito influente na sociedade portuguesa. As diferentes formas de entender e viver uma religião são designadas por “correntes teológicas ou apenas como “teologias”. Quem não ouviu ainda falar da Teologia da Libertação, por exemplo?

Ora uma das correntes teológicas que mais marcou a sociedade portuguesa é a chamada Teologia da Cruz. De forma resumida podemos dizer que este modelo teológico sustenta que Cristo era perfeito porque sofreu; se queremos ser perfeitos também temos de sofrer; e tudo o que desejamos alcançar na vida apenas pode ser obtido com sofrimento. À sombra desta teologia, instituíram-se práticas como a auto-flagelação e a ideia de que o sacrifício é algo pretendido por Deus para os fieis.

Aquela mentalidade de “se me aconteceu alguma coisa de bom, então vai acontecer alguma coisa má” é uma herança desta mental desta teologia. Como dizia um dos meus professores de teologia na Universidade Católica: “A melhor coisa que tenho na vida é o meu filho; não sofri nada para o fazer e não me aconteceu nada de mal depois de ele nascer.” Será tão difícil perceber que na vida nos podem acontecer muitas coisas boas, sem que nos seja exigido qualquer sacrifício ou sofrimento?

É obvio que o sofrimento é inerente à condição humana; não há vida sem sofrimento. Mas quem pensar que Deus deseja o sofrimento/adversidade para o ser humano, ou indignar-se com Deus porque Ele não alivia esse sofrimento/adversidade, é advogar uma concepção quase infantil sobre Deus.

Por último, se o sofrimento/adversidade fosse condição necessária para o desenvolvimento espiritual, então os baha’is iranianos encontrar-se-iam num elevado nível de desenvolvimento espiritual. Mas eu conheço baha’is de tantos países e grupos étnicos, nunca percebi que os baha’is iranianos tivessem qualquer “primazia espiritual” sobre outros baha’is. Quem são os baha’is que ‘Abdu’l-Bahá considerou terem primazia espiritual sobre os restantes? (a resposta está no livro World Order of Baha’u’llah, pags. 86-87)

Anónimo disse...

Não vou fazer longos discursos acerca da importância de saber sofrer e da diferença entre sofrimento que leva a crescimento e masoquismo (saber sofrer não é procurar sofrimento!!!)


Mas só vos deixo duas citações, a primeira de Schopenhauer (um dos maiores pensadores sobre o tema) que me parece aplicar à situação dos bahá'ís no Irão:

"Aquele que mantém a calma diante de todas as adversidades da vida mostra simplesmente ter conhecimento de quão imensos e múltiplos são os seus possíveis males, motivo pelo qual ele considera o mal presente uma parte muito pequena daquilo que lhe poderia advir: e, inversamente, quem sabe desse facto e reflecte sobre ele nunca perderá a calma".


A outra do Mestre, que me parece explicar claramente o que eu acho que o Mikolik diz e não está a ser entendido:

"A mente e o espírito do homem avançam quando ele é provado pelo sofrimento. Quanto mais lavrado o solo, tanto melhor crescerá a semente, tanto melhor será a colheita. Assim como o arado sulca a terra profundamente, purificando-a dos cardos e das ervas daninhas, assim o sofrimento e a tribulação livram o homem dos frívolos assuntos desta vida terra, até atingir estado de completo desprendimento, quando sua atitude será de felicidade divina. O homem é, por assim dizer, verde; o calor do fogo do sofrimento amadurecê-lo-á. Olhai para os tempos passados e verificareis que os maiores homens sofreram o máximo".

São só citações... Abraços

Anónimo disse...

Obrigado Sam pela tua iniciativa em minha defesa. :-)
Na verdade é isso mesmo que eu penso "saber sofrer" ou reconhecer a inivitabilidade do sofrimento, "não é procurar o sofrimento", nem muito menos deseja-lo.

Eu não desejo a adversidade, não pratica a autoflagelação, procuro não ser pessimista, mas sei que as dificuldades estão sempre associadas ao sucesso, à vitória, ao desenvolvimento. É uma lei da natureza, acontece, quer a nível fisico, quer a nível espiritual.

Quem encarar este ponto de vista através, por exemplo; se for de joelhos até Fátima, vou obter mais favores ou graças, não compreende em absoluto qual o significado da adversidade. Este exemplo ilustra, a meu ver, o que o Marco menciona como a Teologia da Cruz, mas não tem nada a ver com o que eu falei nos meus comentários sobre as consequência positivas da adversidade.

Anónimo disse...

O que eu rejeito é a ideia que o sofrimento é condição necessária ao desenvolviemtno espiritual do ser humano. Isso é meio caminho andado para a glorificação do sofrimento, para a indiferença em relação ao destino miserável de tantos milhões de seres humanos e até mesmo para a submissão dos povos aos tiranos.

A propósito do assunto, já aqui publiquei um texto do Moojan Momen: Sacrifício e Desprendimento.