domingo, 31 de dezembro de 2006

António Barreto

António Barreto, hoje no Público:

"Conhecemos o original. Já vimos o primeiro filme. O guião e a história são-nos familiares. Um ou dois anos de medidas duras, por vezes brutais, frequentemente necessárias. Reformas anunciadas, eventualmente iniciadas. Mexe-se muito na rama. Agita-se a espuma. Promete-se firmeza e energia. Rapidamente a demagogia começa a ser a pauta e a melodia. Desde que há um sinal de melhoria, exagera-se. Assim que chegam as antevésperas das eleições considera-se que o essencial está feito, que já é tempo de aliviar a carga. Muito depressa se encontram benefícios a distribuir, alívios a administrar. Quantos Primeiros-ministros não fizeram já o mesmo? Quantos governos não seguiram o mesmo guião, passo a passo?

(...)

Há cinco ou seis anos que Portugal perde diante dos parceiros europeus, dos asiáticos e de outros concorrentes. O endividamento dos cidadãos não baixou, aumentou. A produtividade não melhorou. O investimento privado estagnou. O investimento público diminuiu. O investimento externo ainda não retomou. As empresas estrangeiras continuam a fugir. O desequilíbrio comercial agrava-se e as exportações mostram sinais muito medíocres de revitalização, em todo o caso insuficientes. Na Administração Pública ainda não se mexeu a sério. Nas universidades também não. Na justiça, marca-se passo.

(...)

É verdade que uma parte da população vive bem, ou pelo menos melhor; consome, diverte-se e vai de férias; e acedeu a níveis de conforto decentes. Mas convém não esquecer que outra parte, talvez metade, não vive bem, muitas vezes nem sequer melhor do que há cinco ou dez anos. As dívidas, o desemprego, as dificuldades para encontrar o primeiro emprego, as ameaças de deslocalização, a estagnação dos rendimentos, as baixas pensões e subida generalizada dos preços, sem falar na vida quotidiana nas áreas metropolitanas, fazem sentir os seus efeitos. Para muita desta gente, o discurso optimista não é um sinal de esperança, é simplesmente obsceno."

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Só um comentário em forma de pergunta: como se podem realizar reformas políticas e económicas durante seis anos ou mais, se os ciclos políticos deste país duram quatro anos?

7 comentários:

SAM disse...

Muito simples, com o desprendimento governamental e com a crença de que o trabalho de um grupo no "poder" não deve eliminar o trabalho do gupo ulterior; com a crença que se vive num clima de aprendizagem onde qualquer um pode contribuir (sendo do governo ou da "oposição"); num clima onde as decisões não são descendentes mas ascendentes; num ambiente onde todas as opiniões realmente contam!

Mikolik disse...

Boa Sam, realmente só isso que mencionaste já chegava para ser tudo diferente.

O povo é vítima da luta entre as facções politicas pelo poder. Sempre que há eleições bahá'ís, penso como o nosso sistema é tão diferente. No sistema político, todos querem ser eleitos e depois de atingir o poder não trabalham para a comunidade. No sistema eleitoral bahá'í, ninguém quer ser eleito, mas uma vez eleitos dão o máximo... só para falar neste aspecto, fora o resto!

De resto, a eleição das Instituições Bahá’ís é anual, mas essa frequência não causa qualquer transtorno à Comunidade.

Elfo disse...

Só não percebo porque é que esta figura de proa se afastou das lides políticas e não quis ir botar faladura no congresso e pôr-se ao lado de quem fez as mesmas críticas.
Como diziam os Tupamaros:"É fácil ladrar na noite, o dificil é fazê-lo de dia".
Assim é António Barreto, que admiro, que não teve tempo de implementar as políticas que defende quando foi ministro!

SAM disse...

Isso também é simples. Muitos têm opiniões de grande relevo e importância para dar à política. Inúmeros bahá'ís são (ou poderiam ser) grandes e bons analistas do sistema socio-político. Não obstante, entrar no sistema implica compactuar com ele, estar a favor dele e poder não gostar de alguns dos seus pontos: entrar no sistema é integrar uma engrenagem dele para mudar uma ou outra direcção.

O que determinadas pessoas aspiram é a renovação total do sistema!

Anónimo disse...

Sam,
Sobre o teu primeiro comentário: A tua ideia faz sentido, mas como é que se consegue isso com a actual classe política?

Mikolik,
Entre os Baha'is ninguém quer ser eleito? De certeza? Pois eu conheci uma vez um individuo que me veio argumentar sobre a superioridade espiritual dos baha'is que eram eleitos (e ele era um deles cá em Portugal!)

E já agora: generalizar que todos os políticos não querem trabalhar depois de ser eleitos, parece-me que fica mal a um baha'i...

Mikolik disse...

GH, vou satirizar as nossas atitudes:

Digamos que a minha atitude é do género: se entre 40 pessoas 30 comeram laranjas eu digo - todas as pessoas comeram laranjas - A tua é um pouco diferente: entre as mesmas 40 pessoas 4 comeram maças, pelo que tu dirias - Todas comeram maças.

GH, sinceramente, tu conheces um bahá'í que afirma isso, não vou contestar, mas isso significa alguma coisa? Generalizar de uma maioria é uma coisa, mas generalizar de um ou dois casos isolados!?

Quanto aos políticos, acho que sim, não deixas de ter razão, ainda assim eu preferia não ter motivo para dizer o que disse. Mas admito, é óbvio, há-de haver políticos, nomeadamente autarcas que se esforçam, mas enfim, é como o Sam diz no seu segundo comentário, ou seja, mesmos as pessoas bem intencionadas em geral têm que se vergar ao sistema.

Mas o tempo do heroísmo está a voltar...

SAM disse...

GH e Mikolik, é-me interessante notar que nos vossos debates, ambos acabam sempre por defender o mesmo que o outro, dizendo o contrário ;-)

Pelo que entendo, ambos defendem que a classe política necessita uma renovação e, se for o caso, concordo convosco!

Mas Mikolik, temos que concordar com o GH: se de 40 pessoas 36 comem maçãs ao invés de laranjas, não podemos dizer todos comem maçãs (e é isso que ele defende!, certo GH?). Não podemos dizer que todos fazem seja o que for, porque a maioria o faz...

A maioria dos bahá'ís que alguns conhecem podem até não querer ser eleitos, e a maioria dos políticos que conhecem podem até ser corruptos, mas eu tenho fé que a política e as pessoas podem evoluir, até porque sou instado a ver que todo ser humano é capaz de evoluir e, portanto, todo sistema também pode progredir!

A grande questão é, como??? Boa! Sou levado a concordar com o Mikolik quando diz que o sistema bahá'í possui determinadas vantagens (leia-se Política de Mohiman Shafa sobre o tema).
Ainda, é também verdade que existe uma superioridade nos membros eleitos e/ou nomeados para as instituições da administração bahá'í: são superiores nas responsabilidades colectivas e administrativas que possuem; para além de suas responsabilidades pessoais são detentores de responsabilidades comunitárias. Mais que isso... bem, acho que estaríamos a entrar em questões opinativas do género eu-acho-que-tu-achas-que-eu-acho, ad aeternum...

Quanto à sua questão, GH: sou levado a crer, tanto por opção ideologico-religiosa como por visão profissional, que os seres humanos possuem quatro dimensões existenciais: a física, a mental, a espiritual e a colectiva (social) interligadas e interconectas. Acredito que somente quando os detentores do poder e cada um de nós, individualmente, se der conta da existência das quatro dimensões e trabalhar, numa primeira instância, para o equilibrado progresso de cada uma delas (sem descurar as outras) será possível alcançarmos um estado no qual vemos luz sobre luz.

Entretanto, ficaremos, provavelmente, no estado actual, onde somente algumas dimensões são tidas em conta e outras são totalmente relegadas a segundo, terceiro, quarto plano!

Espero poder ter sido claro, nas palavras.