quarta-feira, 6 de junho de 2007

O Trigo e o Joio

A propósito do post Finalmente, o Pedro Fontela recordou um debate antigo. Hoje vou retomá-lo.

A questão de fundo é: o que podemos considerar como uma comunidade religiosa? Poderá essa definição aplicar-se a toda a organização que afirme ser uma confissão religiosa? Ou poderemos encontrar alguns critérios para separar o trigo do joio?

A própria ausência de uma definição universalmente aceite sobre religião também condiciona qualquer tentativa de definir o que pode ser legitimamente considerado como uma comunidade religiosa. Além disso, todas as organizações que afirmam ser confissões religiosas possuem especificidades próprias nos seus ensinamentos e práticas, que nem sempre são fáceis de compreender ou aceitar.

Não minha opinião, é incorrecto colocar a IURD e a Comunidade Judaica ao mesmo nível; tal como é incorrecto pensar que a Igreja da Cientologia e a Comunidade Islâmica podem ser ambas identificadas como um tipo idêntico de organizações.

Misturar confissões religiosas (onde encontramos um corpo de ensinamentos e práticas consistentes, um código de ética, uma filosofia de vida…) com fenómenos sociais de fachada religiosa é misturar alhos com bugalhos. Na prática é desacreditar a religião como um todo.

Esta atitude pode ser apelativa ao anti-clericalismo, ou a algum ateísmo radical. Mas o que dizer quando o ateísmo é identificado com o estalinismo, com o radicalismo da revolução francesa?

Veja-se a seguinte analogia: a maioria dos Estados afirma-se hoje como sendo democrática. O mapa seguinte data de Junho de 2006 e mostra (assinalando a azul) os países do mundo cujos governo se identificam como democráticos.

Quem acredita que todos os países indicados a azul são democracias?

Só por ignorância, ou por má fé, é que poderíamos acreditar que países como a Líbia ou a China possuem regimes democráticos. Acreditar nisso seria também tentar desacreditar a democracia enquanto sistema político.

Da mesma forma que sabemos distinguir as verdadeiras democracias dos regimes autoritários que proclamam ser democráticos, também devemos distinguir as comunidades religiosas das organizações de fachada religiosas.

7 comentários:

Anónimo disse...

Muito pertinente. Vou pensar com mais esforço no assunto; mas repara que mesmo a IURD, que seria só essa fachada comercial - ela é, para as pessoas que acreditam, a mesma coisa que o judaísmo é para a comunidade judaíca. Para quem tem fé, me parece, a religião é sempre o mesmo. Um código de regras; uma ética com fundamentação transcedental. Se outras usam isso a seu favor, já é outros quinhentos.
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Dito isso; a aproximação com a democracia é boa, mas muito forçada. É uma falácia.

Marco Oliveira disse...

b.m.
Obrigado pela visita.

Os comunistas chineses também acreditam que vivem numa democracia.

Os democratas sabem que a democracia é sempre o mesmo: alternância política baseada no sufrágio universal, voto secreto e eleições livres. Se as ditaduras fingem ser democracias, isso já é outros quinhentos.

Afinal qual é o aspecto falacioso da comparação?

Pedro Fontela disse...

Marco,

Isso é uma questão das suas actividades e o uso que dão aos recursos - é tão condenável sustentar à custa (moral ou económica) do crente o palecete de um bispo da IURD como o fausto do colégio dos cardeais em Roma - mas não é matéria religiosa em si. Nada valida mais uma que outra em termos puramente "espirituais"... se me disserem que deveriam ser investigadas pelo uso que dão ao dinheiro estou de acordo mas não é por serem organizações religiosas, a crença em si só é matéria passível de avaliação no plano legal e dos direitos humanos no resto reina uma completa subjectividade.

Duas notas
1) Curiosamente o baixo clero (e alguns do alto) apoiaram o terceiro estado na revolução francesa, viram como oportunidade de voltar a umas origens mais puras e até no Verão sangrento de Robspiere (1792 creio eu...) no auge da acção da guilhotina o estado francês (a assembleia) reconhecia um Deus supremo - a tese do ateísmo tem pernas curtas :)

2) Para um mapa mais correcto sobre a distribuição da democracia no globo sugiro a Freedom House.

Marco Oliveira disse...

Pedro,

Estamos de acordo; as actividades das comunidades religiosas devem ser deve ser avaliado no plano legal e dos direitos humanos.

O que está em causa são as práticas. Tanto nas religiões como nos sistemas políticos. A prática da democracia na China é muito diferente da prática em França...

Eu sei que Robespierre proclamou a existência de um Ser Supremo, que dizia ser muito diferente do "Deus do Cristianismo". Mas não sei mais nada sobre esse assunto.

O mapa da Freedom House a que te referes é este?

Anónimo disse...

A comparação é interessante.

Mas tenho uma dúvida.

Vamos supor que há uma comunidade religiosa que é reconhecida e legalizada; obtem todos os privilégios que uma confissão poder obter cá em Portugal.

Mas com o passar do tempo a corrupção instala-se nessa comunidade e tudo degenera. Começam a extrair dinheiro aos crentes, fazem lavagem ao cérebro os novos aderentes, há imensas pressões sobre as famílias dos convertidos, há escândalos sexuais e relacionados com trafico de droga... etc, etc, etc.

Alguém sabe se numa situação destas, uma comunidade nesta situação pode ver o reconhecimento legal ser-lhe retirado? O Estado Português pode decretar a sua ilegalização?

Anónimo disse...

Tinha jurado não por mais comentários por aqui mas este gh não me deixa!!! ;-)
Ó meu amor tu tens cá uma imagiinaaçãão!!!!!
hahaha

Anónimo disse...

Daniella,

Se uma democracia pode degenerar, (isso já aconteceu) então porque não pensar que uma religião também pode degenerar?

Pensa no que foi a religião cristã na idade média na Europa? O que é hoje o fundamentalismo islâmico? Não são formas degeneradas de religião?

Porque razão é que um Estado não se deve precaver contra estas situações?