quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O Despertar do Irão

No mundo Ocidental, a imagem de um país como o Irão está associada ao seu regime teocrático, e a diversos atropelos aos direitos humanos, desde ataques à liberdade de imprensa aos direitos das mulheres, dos direitos das crianças, à liberdade política. O que os media ocidentais têm a mostrar sobre o Irão nunca tem nada de agradável; são milhões de pessoas fanatizadas que desfilam de punho erguido, é a opressão das mulheres, são perseguições ou execuções de prisioneiros de consciência, são ameaças dos seus dirigentes contra outros países.

Nos últimos anos, a voz iraniana mais mediática que se levantou contra o rumo dos acontecimentos no seu país foi Shirin Ebadi, a conhecida advogada defensora de mulheres e crianças oprimidas e de diversos prisioneiros de consciência (políticos, estudantes e intelectuais cujo único crime era um delito de opinião). O seu trabalho valeu-lhe o Prémio Nobel da Paz em 2003.

No ano passado, a Sra Ebadi publicou o livro “Iran Awakening – A Memoir of Revolution and Hope”, obra que foi recentemente traduzida e publicada no nosso país com o título O Despertado do Irão – Memórias da Revolução e de Esperança. Este livro é um precioso testemunho de quem viveu as mais recentes transformações no Irão, desde o golpe contra Mossadegh (orquestrado pela CIA em 1953), passando pela revolução de 1979, e até aos nos nossos dias.

Ao longo do livro, percebemos que na transformação do Irão nas últimas décadas, existem vários aspectos que claramente são ignorados pelos media e políticos ocidentais. Por exemplo, o facto do alargamento da educação universitária a uma nova classe de mulheres oriundas de famílias mais humildes (e encorajado pelo regime) se ter revelado uma inesperada fonte de tensões sociais significativas na Republica Islâmica (p.124). Outro aspecto pouco conhecido é o desmembramento de famílias, provocadas por exílios políticos, ou por famílias que preferem enviar os seus filhos para estudar e viver no estrangeiro; a fuga de cérebros está associada a este fenómeno.

Apesar dos esforços reformistas do ex-presidente Khatami - apoiados por clérigo progressistas, intelectuais e filósofos laicos idealizaram a democratização da República Islâmica - terem revelado as limitações da transformação da sociedade iraniana sob jugo do actual regime teocrático (p.208), a Sra. Ebadi continua uma crente firme na compatibilidade entre a democracia e o Islão:
Nos últimos vinte e três anos, desde o dia em que fui afastada da magistratura até aos anos de luta nos tribunais revolucionários em Teerão, eu repetira um único refrão: uma interpretação do Islão em harmonia com a igualdade e com a democracia é uma verdadeira manifestação de fé. Não é a religião que limita as mulheres, mas sim as regras parciais daqueles que pretendem vê-las enclausuradas. Esta crença, juntamente com a convicção de que a transformação do Irão tem de surgir de um modo pacífico e internamente, tem sido o sustentáculo do meu trabalho (p.221)
Mas o seu trabalho de advogada defensora de causas humanitárias não tem sido pacífico. Como ela própria afirma:
Ainda que as palavras sejam armas pacíficas, ao longo dos últimos quinze anos, no percurso da defesa dos direitos humanos e das vítimas de violência no Irão, fui perseguida, ameaçada e levada para a prisão. (p. 227)
Uma nota final: apesar de Shirin Ebadi já ter defendido alguns Bahá'ís em tribunal, a ausência de referências a esta comunidade religiosa do Irão é um elemento interessante neste livro. Na verdade, apesar de serem a maior minoria religiosa do Irão, o nível e intensidade de perseguições de que têm sido alvo é consideravelmente inferior ao que têm sofrido grupos políticos e oposicionistas ao governo.[2]

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NOTAS
[1] – Segundo a autora, 65% dos estudantes iranianos são mulheres, 43% dos trabalhadores assalariados são mulheres
[2] – Uma macabra contabilização de cadáveres aponta para dezenas de milhar de oposicionistas políticos, intelectuais e estudantes mortos ou desaparecidos desde 1979. Entre os Bahá'ís esse número situa-se nas duas centenas.

2 comentários:

Elfo disse...

"No mundo Ocidental, a imagem de um país como o Irão está associada ao seu regime teocrático..."
Ó meu amigo Marco, mas afinal o que é que o regime ditatorial-clerical do actual Irão tem a ver com a TEOCRACIA?
É que a Teocracia não é nenhum modelo político baseado em nenhuma ditadura..., digo eu que não percebo nada de política, muito menos a que é baseada na bíblia ou no corão.

Um abraço.

Marco Oliveira disse...

Bem vistas as coisas, nunca houve uma verdadeira teocracia a governar um país. Houve (e há!) sim, sistemas de governo que procuraram na religião uma justificação e um apoio para o seu poder.