domingo, 20 de janeiro de 2008

Mentira e Direito à Verdade

Anselmo Borges, ontem no DN:

«Todos mentimos. Há, porém, mentiras e mentiras. Tomás de Aquino distinguiu entre mendacium - mentira - e falsiloquium - não dizer a verdade a alguém que não precisa de sabê-la ou não tem o direito de sabê-la. No limite, pode acontecer que mentir seja uma obrigação moral. Se um assassino procura um inocente para matá-lo, deve-se mentir quanto à sua localização. O detentor da chave do segredo para desencadear a guerra nuclear deverá mentir ao terrorista que a exige...

A mentira não se refere imediatamente à verdade, mas à veracidade: dizer a alguém o contrário do que se julga ser verdade, com a intenção de enganar. Aprofundando mais, deve-se acrescentar: não dizer a verdade a alguém que tem o direito de sabê-la. M. Onfray escreveu que nunca se deveria mentir, fossem quais fossem as consequências, como exige Kant; mas, se Kant tem razão em princípio, esse princípio é na realidade não vivível, impraticável; por isso, aceita a definição de mentira como "o facto de não dar a verdade, sem dúvida, mas só a quem é devida". Uns têm direito a ela, outros não: por exemplo, um nazi que procurava um judeu para matá-lo não tinha o direito à verdade. Deve-se distinguir "a mentira prejudicial, impura, a que procura um engano destinado a submeter o outro, a limitá-lo, a evitá-lo, a desprezá-lo, e a mentira para ajudar, limpa, chamada por alguns mentira piedosa, a que cometemos, por exemplo, com a finalidade de poupar sofrimento e dor a uma pessoa querida".

Em Portugal, quando se olha para as promessas incumpridas dos políticos, jogos obscuros na banca, subterfúgios à procura da localização de aeroportos, uma política de saúde que fecha maternidades e urgências e descura pobres e velhos, o caos na justiça, um leque salarial gritantemente indecoroso, previsões inverdadeiras da inflação e outras infindas manobras com corrupção activa e passiva à mistura, tem-se a sensação de que se avança em terreno minado pela mentira, com uma democracia perplexa, triste e quase impotente. Quando os portugueses têm direito à verdade.»

5 comentários:

Anónimo disse...

Como em tudo (ou quase tudo) na vida, também a verdade (de acordo com o nosso conceito) verbalizada a terceiros deverá ser ponderada antes de ser proferida. De acordo com as circunstâncias deveremos ter a capacidade de avaliar se vale a pena, custe o que custar, dizer "tudo". Defendo a tal "mentirinha piedosa", que descrevo como sendo algo que não faz mal ao que a conta e faz bem a quem a ouve.
Há sempre uma alternativa, que por vezes ajudará: a omissão (o que, para muitos, é considerada uma mentira).
O último parágrafo da mensagem é que considero verdadeiramente preocupante, porque questiono se não estaremos a ser (des)governados por autênticos mentirosos patológicos, mentindo a todo um país com tal descaramento, que começo a pensar que eles, sim, acreditam piamente no que nos estão a contar.
Bem, ou isso ou apenas nos desprezam ao ponto de nos considerar um colectivo bando de imbecis!!!...

Marco Oliveira disse...

Pois é.
Isto é uma perspectiva muito amarga sobre a realidade.
Ontem ainda estava para citar o António Barreto, mas achei que era demasiada amargura.

Anónimo disse...

O António Barreto é sempre bem-vindo e precisávamos tanto de mais como ele...

Anónimo disse...

Pena é que António Barreto só há um!
No entanto:
"Nem tudo o que um homem sabe, pode ser revelado, nem tudo o que lhe é possível revelar deverá ser julgado oportuno, nem todo dizer oportuno pode ser considerado adaptável à capacidade dos que o ouvem." (Selecção dos Escritos de Bahá'u'lláh)"

Marco Oliveira disse...

Elfo,
Este comentário é do Anselmo Borges e não do Anónio Barreto...
:-)