domingo, 4 de maio de 2008

A negociata no porto de Lisboa


Excerto da coluna de opinião de Miguel Sousa Tavares, publicado ontem no Expresso:

A obra é um velho sonho do Porto de Lisboa: tapar o rio com contentores ou o que seja para que os lisboetas desfrutem dele o menos possível. E é também um velho sonho da empresa que detém, por concessão, o monopólio do negócio dos contentores no porto de Lisboa: a Liscont, pertence à Mota-Engil (sim, a de Jorge Coelho). Para servir os interesses da empresa, o Estado vai gastar dinheiro a dragar o rio e a enterrar o comboio e redesenhar os acessos rodoviários à zona, porque não é brincadeira fazer escoar diariamente milhares de contentores diariamente do centro da cidade. (...)

Parece-vos absurdo pôr os turistas a desembarcar numa ponta desabitada da cidade e os contentores a desembarcarem nas docas, junto aos Jerónimos e à Torre de Belém? Não, não é absurdo. Faz parte de um plano maquiavélico do Porto de Lisboa (mais um), arquitectado passo a passo. Com o abandono da Doca de Alcântara e a sua transferência para Santa Apolónia, onde nenhuma infra-estrutura existe para os acolher, o Porto de Lisboa tem assim uma excelente oportunidade para lançar mãos àquilo que mais gosta: a construção e especulação à beira-rio. A APL propõe-se construir um contínuo de edifícios em Santa Apolónia ocupando uma frente de rio de 600 metros para o novo terminal de passageiros (até se prevê a construção de um hotel, partindo do raciocínio lógico que os turistas, uma vez acostados no cais, abandonarão os seus camarotes já pagos a bordo para se irem instalar no hotel frente ao navio...) De modo que, de um só golpe e com a habitual justificação do interesse público para enganar tolos, os engenheiros que nos governam acabam de roubar mais um pedaço de rio a Lisboa: 600 metros em Santa Apolónia e outros tantos em Alcântara. Chama-se a isto uma expropriação pública em benefício de particulares.

E como de costume, quando se trata de dispor da cidade e do rio, com pontes ou terminais de contentores, é Sócrates e a sua equipa do Ministério das Obras Inúteis quem faz a festa e lança os foguetes. Se é que Lisboa tem um presidente de Câmara, mais uma vez ninguém o viu nem ouviu.

2 comentários:

Anónimo disse...

O problema é que a nossa organização é reflexo da organização do nosso poder político. Ninguém sabe o que quer. Em frente aos Jerónimos irá nascer um Hotel… Falta saber a quem o Porto de Lisboa vendeu o terreno, ou quem será o projectista? Ao lado da Torre de Belém irá nascer o Centro de Investigação da Fundação Champalimaud (http://www.fchampalimaud.org/home/portuguese-summary/centro-de-investigacaeo-da-fundacaeo-champalimaud/) e imaginem só, lá fomos nós buscar mais um arquitecto estrangeiro… Ou seja se lerem o texto do link acima, imagina-se algo como a busca do desconhecido dos nossos antepassados na época dos descobrimentos, imediatamente a pergunta surge: Como raios um estrangeiro percebe algo tão intrinsecamente Português? Não me interpretem mal, o senhor é um arquitecto com um currículo invejável, mas creio que um arquitecto português teria uma visão mais apaixonada pelo edifício, até no sentido de dar continuidade aos monumentos que se encontram à volta.
Haver decisões deste teor e gosto, de “facilitar de forma aleatória” grupos económicos é uma das certezas do corrente sistema político, pois este é feito de Homens e os Homens são falíveis.
A meu ver deverá de uma vez por todas retirar-se de Lisboa os contentores, os projectos megalómanos à beira rio e toda esta necessidade de vender aos desbarato aquilo que Lisboa tem de mais poético – a beira-rio. Quem é que nunca foi passear para os jardins em frente aos Jerónimos? E agora, quem é que não gostaria de poder ir dos Jerónimos à Expo de bicicleta ao longo do rio? Creio que a resposta a estas perguntas definirá certamente a relação, dormente, que os habitantes de Lisboa sentem com o rio.
Os contentores podem perfeitamente ir para Sines, claro que tem um custo acrescido, mas pelo menos não seriam alvo do empurra-empurra dos interesses de alguns, pois quando os projectos urbanísticos na Matinha estiverem concluídos creio que fiquem lá por pouco tempo.

Anónimo disse...

Grande Sousa Tavares!
Pôs o dedo na ferida e chamou os burros pelo nome!

Para mim é claro que os nossos políticos planeiam causar mais estragos na zona Lisboa nos próximos 10 anos do que a Luftwafe alguma vez conseguiu causar em Londres!