segunda-feira, 30 de março de 2009

Hans Kung: Outra palavra para Deus?

Também muitos cientistas, compreensivelmente, ficam chocados com a palavra "Deus". Em lugar de "Deus" também podemos, de certo, falar de "divindade", ou do "divino". A palavra "Deus" é muitas vezes antropomorficamente mal entendida, dela se abusando para fins políticos, comerciais, militares, eclesiásticos. Mas serão os abusos e a falta de credibilidade de tantos representantes oficiais e das instituições de fé razão suficiente para que a palavra “Deus” deixe de ser usada?

Muitas vezes nos perguntam: "Como é que o senhor sempre de novo consegue falar de "Deus"? Como pode esperar que seus leitores acolham a palavra no sentido em que o senhor desejaria que fosse entendida?... Será que existe outra palavra da linguagem humana que tenha sido tão maltratada, tão manchada, tão desonrada como esta?" Sobre Deus não seria melhor que ficássemos calados?

É precisamente com esta questão que se ocupa o filósofo judeu Martin Buber: "Sim, esta é a mais carregada de todas as palavras humanas. Nenhuma tem sido tão aviltada, tão dilacerada. Precisamente por isso eu não posso renunciar a ela. Todas as gerações fizeram passar sobre esta palavra o peso de suas angústias; esmagaram-na contra o solo; por isso ela jaz no pó, esmagada pelo peso de todas. As gerações dos homens, com as suas divisões religiosas, dilaceraram a palavra; por ela mataram e por ela morreram; ela traz em si as marcas de todos eles. Onde poderia eu encontrar palavra igual a esta para designar o Altíssimo? Se usasse o mais puro e mais brilhante conceito do mais profundo tesouro dos filósofos, encontraria ali apenas uma imagem descompromissada, mas a presença daquele a quem me refiro, daquele a quem gerações de homens honraram ou rebaixaram com todos os horrores da vida e da morte..."

(...)

Em lugar de deixarmos de falar de Deus, ou de simplesmente continuarmos a falar de Deus como antes, precisamente para os teólogos e filósofos é muito importante que se aprenda a falar de Deus de um maneira cautelosa e nova! Isto também porque, justamente por parte dos naturalistas, é possível ouvirmos frases como estas: "Não sou nenhum materialista. Tem de haver algo mais do que a matéria: o espírito, a transcendência, o sagrado, o divino. Mas com um Deus personificado que se encontra lá em cima, ou lá fora, eu, como cientista, não sei bem o que fazer". Por isso ninguém deveria ser por "representantes de Deus" impedido de tentar novas maneiras de falar de Deus, para fazer com que a fé infantil se transforme em fé adulta.

Hans Küng, O Princípio de Todas as Coisas, pags. 147-148
(Editora Vozes, Petropolis, 2007)

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