quinta-feira, 12 de março de 2009

Hans Küng: sobre Teilhard de Chardin

... Pierre Teilhard de Chardin tem o grande mérito de ter sido o primeiro a unir genialmente teologia e ciência da natureza, e a ter levado cientistas e teólogos a reflectirem sobre os problemas comuns. O que a ele antes de tudo importava era o significado religioso da evolução e o alcance revolucionário da religião. Não era de forma alguma um ingénuo, não queria nenhum concordismo superficial entre a Bíblia e ciência, como estimulado por Roma. Rejeitava decididamente “certas tentativas infantis e imaturas de conciliação”, “que misturam os planos e as fontes de conhecimento, e que só levaram a estruturas inconstantes e monstruosas”. Mas desejava uma “coerência” muito bem fundamentada, para com isso tornar visível “um todo positivamente construído”, “onde as partes sempre melhor se encaixam e se completam”.

Durante muitas décadas Roma e os seus intendentes fixaram-se em uma interpretação estática da criação por Deus, à ideologia de um “criacionismo “, que em relação à teoria da evolução de Darwin defendia um “fixismo” e um “concordismo”, como a toda a hora pode ser encontrado nos muitos volumes do Dictionnaire de la Bible. Por isso não é de admirar que Teilhard, que em 1899 ingressou na ordem jesuíta aos 18 anos, já em 1926, por pressão de Roma, fosse, por seus superiores da ordem, exonerado de sua cátedra no Instituto Católico de Paris. A seguir todos os seus escritos filosófico-científicos foram reprimidos, chegando-se mesmo, em 1947, a ordenar-lhe que não se ocupasse mais com temas filosóficos.. Teilhard ficou inteiramente isolado. Em 1948 proibiram-lhe aceitar um chamado para o Collège de France; em 1951 – pondo em execução a encíclica Humani Generis de Pio XII – ele é exilado da Europa para o Instituto de Pesquisa da Wenner Gren Foundation, em Nova York. Ainda no ano da sua morte, 1955, é impedido de participar num congresso internacional de paleontologia. Depois de ter falecido no domingo de Páscoa, apenas umas poucas pessoas que casualmente se encontravam presentes acompanharam-no ao cemitério de um colégio jesuíta (entrementes fechado) no Rio Hudson, a 160 quilómetros de Nova York. Só com muito esforço consegui em 1968 encontrar o seu túmulo, durante o meu semestre de visitante em Nova York.

É verdade que a lista de seus trabalhos, organizada já por C. Cuénot, conta com 380 títulos. Mas Teilhard só teve permissão de publicar os tratados estritamente científicos. Durante sua vida toda não teve a alegria de ver impressa uma única de suas obras mais importantes. Estas só vieram a público porque, em vez de legar os direitos à ordem, ele os legou à sua colaboradora, através de um comitê internacional de altas personalidades.

Em 6 de dezembro de 1957, dois anos depois de sua morte, saiu um decreto do Santo Ofício (hoje “Congregação para a Defesa da Fé”), ordenando que fossem retiradas das bibliotecas os livros de Teilhard, e proibindo que os mesmos fossem vendidos nas livrarias católicas, ou traduzidos para outras línguas. “Damnatio memoriae” – extinguir o nome nos autos, para assim bani-lo da memória – era o nome que os antigos romanos davam a isso. Só a partir do Vaticano II é que, apesar de tudo, os escritos de Teilhard lograram alcançar o merecido reconhecimento, também na Igreja e na teologia Católicas. Mas nenhum papa chegou a proferir o seu nome. Até hoje as autoridades da Igreja não agradeceram a Teilhard por seu trabalho de reconciliação. Mesmo o Concílio do Vaticano II, apesar de um corajoso discurso do arcebispo de Estrasburgo, Leon-Arthur Elchinger, não conseguiu, nem no seu caso nem no de Galileu, decidir-se por uma clara reabilitação destes nomes, condenados, perseguidos e caluniados injustamente.

Hans Küng, O Princípio de Todas as Coisas, pags. 140-142
(Editora Vozes, Petropolis, 2007)

1 comentário:

Anónimo disse...

Confesso a minha ignorância a respeito deste jesuíta.