terça-feira, 20 de outubro de 2009

Adeus, Mário!


A minha última foto com o Mário Marques, Agosto/2009

Falávamos ao telefone com regularidade, geralmente depois de jantar. A conversa começava sempre da mesma maneira:

- Então já deitaste as criancinhas? Já trataste das fraldas?

- Sim, já estão a dormir. E tu como estás?

- Eu estou sempre bem!

"Eu estou sempre bem" era a resposta típica do Mário. As nossas conversas tornaram-se regulares nos últimos anos. O Mário dedicava-se aos Assuntos Externos da Comunidade Bahá’í e eu apoiava-o no que podia. Havia programas de TV para preparar; actividades inter-religiosas onde era necessário colaborar, fazer alguma apresentação ou apenas marcar presença; e ainda contactos com entidades oficiais (sempre o tema das perseguições no Irão!).

Trocávamos opiniões e desabafos: "Quem podemos convidar para falar naquela conferência?" "Não te esqueças de agradecer ao fulano. Ele foi impecável connosco..." "Pedimos uma audiência com eles, mas não tivemos resposta. Há anos que eles nos ignoram." "Não sei se o meu trabalho para a comunidade Bahá'í vai dar algum fruto. Mas é o que gosto de fazer." "Tens razão no que dizes. Mas é necessário uma resposta diplomática."

Rapidamente percebi que o Mário apreciava a minha colaboração. Com alguma frequência repetia: "Daqui a vinte anos, quando te reformares, ficas responsável pelos Assuntos Externos". E não era raro que ele tentasse envolver-me cada vez mais nas suas actividades: "Tens disponibilidade para ir a uma conferência em Budapeste?" Eu nunca podia; ainda hoje a vida profissional não permite.

Em Março, percebi que algo não estava bem. "Ele está magríssimo", avisaram-me. Estava magro e pálido. Enquanto analisávamos a realização de um Workshop, lá disse: "Tenho consulta na próxima 4ª feira. Depois o médico diz-me se tenho de ser operado ou não". Iniciaram-se aí alguns períodos de ausência. Repouso... Internamento... "Mas telefona-me sempre. Só se eu não puder atender é que não atendo". Continuei a telefonar.

Soube-se então que ele tinha um cancro no pâncreas. "É a doença dos 100 dias" advertiu o meu pai. "O pior está para vir" lastimou um amigo comum. “Parece que está melhor… Mas tem de fazer mais umas análises”, contava outro. "Fui com ele à consulta. O médico disse-me que o problema foi detectado tarde de mais". Mas o Mário resistia. Continuava activo nos Assuntos Externos. E não queria faltar às reuniões da Assembleia Nacional.

Em Agosto, a Escola de Verão fervilhava de entusiasmo com a presença dos Nakhjavanis e de Glenford Mitchell. Pálido e debilitado, o Mário deslocou-se a Santarém para estar presente na reunião da Assembleia Nacional com esses palestrantes. No meio das fotos que se seguiram, pus-lhe o braço no ombro, e disse: "Anda cá. Vamos tirar uma foto". Não sabia se voltaria a ter uma oportunidade de tirar uma foto com ele.

Em Setembro, a situação agravou-se. Foi preciso preparar o cenário da "ausência do Mário". "Podes assegurar algumas das funções dele?" "Vou tentar... não vai ser nada fácil". Seguiram-se as visitas ao hospital; na enfermaria trocámos as últimas impressões sobre as actividades Bahá'ís e tivemos conversas pessoais. Um dia recebi um email em que um amigo comum nos informava que o Mário não podia receber mais visitas. Tínhamos de aguardar o desenlace.

No dia do falecimento do Mário, telefonei a várias pessoas o conheciam e com quem ele trabalhou, por força da sua actividade no Gabinete de Assuntos Externos. As reacções eram invariavelmente de choque, pesar e consternação. De todos eles, a voz comovida tentava expressar alguns elogios e prometia estar presente no velório ou no funeral.

No velório, estiveram dezenas de pessoas; no funeral, eram centenas. A sala do Centro Bahá'í ficou cheia como nunca se viu. Havia muita gente no exterior, e muita gente na rua no momento da derradeira homenagem, do último adeus. Vários familiares e amigos recordaram o Mário. Lembraram o seu esforço, dedicação e entusiasmo no serviço à Causa Bahá'í e ao diálogo inter-religioso em Portugal. Alguns recordaram pequenos episódios da sua vida; outros leram orações.

Já passaram alguns dias desde que o Mário nos deixou. Por vezes estranho a ausência dele e lembro-me das palavras "Estou sempre bem". Acredito que sim; ele agora está bem. Mas eu ainda tenho de me habituar à sua ausência.

3 comentários:

Pitucha disse...

Belo e comovente testemunho este, Marco.

João Moutinho disse...

Gratos!
Mesmo no Sábado as "Relações Públicas" eram mais do que evidentes.

V_ disse...

Eu estou sempre bem...querido Mario. Nasci e cresci comtigo presente na minha vida, o teu exemplo a tua acçao ainda hoje me motiva e me emociona. Deste tanto a tudo a que te dedicaste, que as geraçoes do futuro ainda vao poder aproveitar dos teus esforços pioneiros.

Só agora pude sentarme e ver a imensidao de comentarios e demostraçoes de amor, respeito e admiraçao que se encontram na Web.

Vou sentir a tua falta, mas como sempre vais estar presente na minha vida, como exemplo de como ser e viver.

Eu estou sempre bem...é como devemos estar sempre...

Vanda