quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Mais uma peça no mosaico religioso do Líbano

Tradução de um artigo publicado na edição online do jornal libanês The Daily Star. Este artigo surgiu na edição em papel do dia 06 de Setembro. Os sombreados a amarelo são da minha responsabilidade.
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É amplamente conhecido que o Líbano tem oficialmente 18 seitas religiosas. Mas nem o número 18, nem mesmo a palavra seita, descreve realmente a diversidade religiosa do país. Espalhados pelo país encontram-se várias centenas de membros da Fé Bahá’í.

Proibida pela doutrina de fazer proselitismo, a sua existência é muitas vezes ignorada e as suas crenças mal entendidas. Apesar disso, os adeptos não se parecem importar com a falta de um rótulo sectário. Eles dizem que não são uma seita, mas sim uma religião independente, que incorpora as que vieram antes dela.

A Fé Bahá'í teve a sua génese na Pérsia, em meados do século 19, onde nasceu o seu fundador Mirza Husayn Ali Nuri, conhecido como Bahá’u’llah ("a glória de Deus"). Bahá’u’llah foi um dos primeiros seguidores de Sayyid Ali Mohammad de Shiraz, conhecido como Báb ("a porta"), que alegou ser o 12º imã referenciado no Islão xiita. Posteriormente, após o Báb ter sido executado devido às suas crenças e o próprio Bahá’u’lláh ter sido preso e exilado, a fé Bahá’í tornou-se uma religião por direito próprio.

Bahá’u’llah afirmou ser um mensageiro de Deus, e Baha'is acreditam que a fé Bahá’í é a última[1] de uma sucessão de religiões. Eles acreditam nos profetas, incluindo Abraão, Jesus, Maomé, Buda, o Báb e Bahá’u’lláh. Os principais ensinamentos incluem a unidade de Deus - apesar da sua aceitação de vários profetas, esta é uma religião monoteísta - a unidade da religião e a unidade da humanidade. Além dos escritos de Bahá’u’lláh, os Baha’is também aceitam os textos sagrados das outras religiões, como a Bíblia, o Alcorão e os escritos de Buda.

Depois de Bahá’u’lláh ter sido preso por autoridades persas e otomanas, morreu em Akka, agora dentro das fronteiras de Israel dos dias de hoje, onde se situa a sede da religião. A religião propagou-se e, por fim, fez o seu caminho para o Líbano.

Um dos primeiros convertidos libaneses foi Sheikh Jaafar al-Tahhan, um clérigo xiita que, segundo os seus bisnetos Sawsan e Karim, conheceu a religião quando esteve no Iraque, e acreditou que esta cumpria as profecias do Islão. Após o seu regresso ao Vale de Bekaa, ele converteu a sua família, e assim surgiu uma dos três ou quatro famílias Bahá’ís libanesas

Apesar de serem da terceira geração de Baha'is, Sawsan e Karim explicam que seguir a fé foi uma escolha.

Isto porque os Baha'is devem estudar outras religiões antes de oficialmente se tornarem membros da religião, aos 15 anos[2]. "Estive em escolas cristãs, fui a aulas de cristianismo... Estudámos sobre Buda, Maomé, e outras figuras religiosas", diz Sawsan.

Ela também frequentou aulas Bahá'ís e escolheu tornar-se Bahá’í.

O mesmo fez Karim. Crescendo como Bahá’í, afirma, "Estudei a maioria das religiões. [A fé Bahá’í] fez mais sentido para mim. Para cada pergunta que eu tinha, eu encontrei respostas."

A fé Bahá’í proíbe o preconceito, promove a paz no mundo, insiste na igualdade de género, na educação e mesmo, por fim, numa língua internacional que possa ser compreendida por todos.

Sawsan diz que, com sua ênfase no internacionalismo "a religião adapta-se às necessidades da globalização."

Os irmãos estão sentados num sofá em casa de Zena Ghamloush, um membro de outra família Bahá’í libanesa. Estão numa reunião devocional, onde Baha'is oram. Não há nenhum sacerdote, sheikh, ou algo semelhante, porque os Bahá’ís comunicam directamente com Deus. Tal com explica uma mulher no encontro: "Se você ama alguém, você deve falar com ele/ela."

Depois de conversar durante algum tempo, uma dúzia ou mais de pessoas sentam-se numa espaçosa sala de estar dos Ghamloush. Toca suavemente uma música de fundo. Sobre uma mesa da sala encontram-se cartões com orações escritas em inglês e árabe. Algumas pessoas pegam num cartão; outros recitam de memória.

Karim inicia a noite lendo uma oração em árabe; segue-se a sua irmã. Outra jovem, uma educadora de infância, canta uma canção em inglês. Alguém lê o Alcorão. A maior parte ouve com os olhos fechados.

As reuniões devocionais ocorrem frequentemente em casas como a dos Ghamloush, e não existe templo Bahá’í no Líbano. Há um Centro Bahá’í em Montiverdi para os grandes encontros. O feriado mais importante no calendário Bahá’í, Ridvan, começa no final de Abril. O Ano Novo Bahá’í é em Março.

Sawsan, Karim e Zena dizem que as pessoas são muitas vezes curiosas e mal informadas sobre a sua religião. "Eles acham que é uma seita muçulmana", diz Sawsan. "A nossa família era muçulmana, e por isso, somos rotulados como muçulmanos." Os Bahá’ís estão registados de acordo com a sua herança familiar, em vez da sua identidade religiosa. Para um casamento Bahá'í ser reconhecido legalmente no Líbano devem [primeiramente] ter um casamento civil; depois podem casar.

"Fazem-nos um monte de perguntas, colegas e novos amigos", diz Ghamloush. Mas a discriminação flagrante não é um grande problema, afirma. Ela acha que a mistura sectária, que é frequentemente acusada pelo conflito aqui, é o motivo para os Bahá’ís, na sua maioria, não serem incomodados.

"Aqui há muitas religiões, há muitas seitas", diz ela, e por isso "eles estão habituados à ideia de diversidade."

A religião proíbe os Bahá’ís de se envolverem na política, a menos que um governo interfira com seu direito de culto. Os Baha'is também são obrigados a obedecer às leis do país em que vivem, diz Ghamloush.

No Líbano e em alguns outros países árabes, isso representa um conjunto específico de desafios. O Centro Mundial Bahá’í, e os seus locais mais sagrados, estão em Israel. "O governo libanês diz que não temos permissão para entrar em contacto com os israelitas, e assim, como Baha'is temos que respeitar", diz Ghamloush. "Por isso, não temos qualquer contacto directo com o Centro Mundial Bahá’í."

"É um sonho para mim como Bahá'í individual visitar os lugares santos", diz ela. "[Mas isso só vai acontecer], na altura certa, porque não podemos quebrar as regras."

Mas se os Bahá’ís não podem visitar os lugares sagrados, eles podem praticar a sua religião de outras maneiras. "Os Bahá’ís de tentam implementar os conceitos [da religião] nas suas comunidades locais", através do voluntariado, por exemplo, diz Ghamloush.

Após o fim da oração da residência Ghamloush, o grupo espiritualmente saciado move-se pela sala em busca de actividades mais terrenas.

Gelatinas vermelha e laranja, bolos de chocolate, doces árabes e chá acompanham uma conversa animada. É uma mistura doce e confusa, que parece apropriada para uma religião que defende a paz, amor e respeito aqueles que vieram anteriormente.

Tal como diz Sawsan, a fé Bahá’í tem múltiplas fontes religiosas. Sorri: "É uma espécie de resumo."

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Texto original: Another tile in Lebanon’s mosaic of faiths (The Daily Star, Lebanon)

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