sábado, 14 de abril de 2012

O “Sobrevivente” esquecido do Titanic

Artigo de Rainn Wilson, publicado no Huffington Post.

Como nos tem sido lembrado inúmeras vezes ao longo das últimas semanas, há cem anos atrás, o "inafundável" Titanic afundou-se no Atlântico Norte, levando consigo mais de 1500 vidas. A tragédia tem sido usada para relatos romanceados.

De todas as histórias, uma das mais extraordinárias é que de um persa com 68 anos de idade, que, na verdade, não estava a bordo do desafortunado navio, mas deveria estar.

Abbas Effendi - conhecido como 'Abdu'l-Bahá ou "Servo de Deus" - foi saudado pela imprensa, tanto na Europa e os EUA como um filósofo, um apóstolo da paz, e até mesmo o regresso de Cristo. Os seus admiradores americanos tinham-Lhe enviado milhares de dólares para comprar um bilhete no Titanic, e pediu-lhe que viajasse naquela grande opulência. Ele recusou e deu o dinheiro para obras de caridade.

"Fui convidado para viajar no Titanic", disse mais tarde, "mas meu coração não me levou a fazê-lo."

Em vez disso, 'Abdu'l-Bahá viajou para Nova Iorque no mais modesto SS Cedric. Os principais jornais de Nova Iorque noticiaram a sua chegada em 11 de Abril e a viagem que se seguiu durante oito meses de costa a costa. Este estrangeiro com turbante e "trajes orientais" era notícia de primeira página.

O New York Times informou que a sua missão era "acabar com preconceitos... preconceitos de nacionalidade, de raça, de religião". O artigo também o citava directamente: "Chegou o momento para a humanidade para hastear o estandarte da unidade do mundo humano, de modo que as fórmulas dogmáticas e superstições possam acabar."

A imprensa muitas vezes chamava-lhe profeta, especialmente um "profeta persa" (ah, aliteração!). Numa manchete, após a sua palestra na Universidade de Stanford, lia-se: "O Profeta diz que não é profeta." 'Abdu'l-Bahá era de facto o líder da - então recém-nascida - Fé Bahá'í, embora ele sempre negasse ser profeta.

Ele pregou a fé fundada pelo seu pai, Bahá'u'lláh, em meados do Séc. XIX, baseada na unidade de todas as religiões. Na época, havia apenas algumas centenas de Bahá’ís nos EUA; hoje existem 150.000. Dia após dia, mês após mês, as multidões em toda a América (muitas vezes na ordem dos milhares) reuniam-se para o ouvir falar. Nas sinagogas, ele elogiou Cristo. Nas igrejas, ele enalteceu os ensinamentos de Maomé. E ao longo das suas viagens a sua presença foi solicitada por luminares como Andrew Carnegie, Alexander Graham Bell e Kahlil Gibran.

Como se explica que 'Abdu'l-Bahá tenha inspirado tantos - esta figura obscura do oriente que passara mais de 40 anos preso devido à sua religião, que nunca frequentara a escola ou fora exposto à cultura ocidental?

Suspeito que tem algo a ver com não apenas com o que ele disse, mas com o que ele fez. "Ele é o único homem no mundo que na sua mesa de jantar reuniu persas, zorastrianos, judeus, cristãos, maometanos,"[sic], escreveu Kate Carew (a Liz Smith daquela época), do New York Tribune. Seguidamente, no artigo, sem a sua típica leviandade, ela descreve a visita 'Abdu'l-Bahá à Missão Bowery no Lower East Side - onde ele entregou pessoalmente moedas de prata para 400 pessoas sem-abrigo.

Durante sua visita aos EUA ele pôs de lado o protocolo social de segregação, insistindo que todos os lugares onde falava ser abertos a pessoas de todas as raças. Isso não agradava às grandes massas daquele tempo. No Great Northern Hotel na Rua 57 (agora o Meridien Parker), o gerente recusou-se veementemente a permitir a presença de negros no local.

"Se as pessoas virem que uma pessoa de cor entrou meu hotel, então nenhuma pessoa respeitável vai voltar a entrar aqui ", disse ele. Então, em alternativa, 'Abdu'l-Bahá organizou uma festa multirracial na casa de um dos seus seguidores, com muitos brancos a servir negros - um subversivo, uma noção perigosa na época.

Apenas entre os seres humanos a cor da pele é causa de discórdia, disse certa vez 'Abdu'l-Bahá. "Os animais, apesar de não possuírem razão e entendimento, não fazem das cores um motivo de conflito. Por que é que o homem, que tem a razão, cria conflito?"

As palestras de 'Abdu'l-Bahá tocaram as audiências com uma simplicidade radical. E mesmo assim ele apresentou ideias com as quais os americanos ainda se debatem um século mais tarde: a necessidade de verdadeira harmonia racial e a igualdade de género, a eliminação de extremos de riqueza e pobreza, os perigos do nacionalismo e do fanatismo religioso, e uma insistência na pesquisa independente da verdade. Já ouvimos falar disto em 2012?

A sua missão de unidade - disseminada por toda a nossa nação há cem anos - deve ser comemorada juntamente com as mensagens de Gandhi, o Dalai Lama e Martin Luther King Jr.


'Abdu'l-Bahá em Brooklyn, 1912


No seu primeiro discurso público nos EUA - na Igreja da Ascensão de Nova York na 5ª Avenida e Rua 10 - 'Abdu'l-Bahá saudou o progresso material da América nas artes, agricultura e comércio, mas advertiu também para o desenvolvimento das nossas potencialidades espirituais.

"Para o homem são necessárias duas asas; uma asa é a força física e a civilização material; a outra é o poder espiritual e a civilização divina; é impossível voar só com uma asa."

A palestra teve lugar no dia 14 de Abril de 1912. Mais tarde, naquele mesmo dia, o Titanic embatia num iceberg.

2 comentários:

Prof. Odete de Lacerda Ferreira disse...

PARABENS pela iniciativa de publicar essa historia maravilhosa que muitos baha'is desconhecem. muitas outras deverao ser publicada,pois esses meios devem ser aproveitados ao maximo para o ensino da Fé.

Unknown disse...

Que maravilha poder saber dessas histórias tão bonitas e conhecer mais sobre o grande pacificador que foi Abdul Baha.