sábado, 3 de agosto de 2013

Bahá’ís no Iraque: uma minoria não reconhecida

O texto que se segue é de autoria de Ali Mamouri e foi publicado no site Al-Monitor. A tradução para português foi feita a partir de uma tradução inglesa (de Sami-Joe Abboud).
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Rio Tigre, Bagdade (1918)
O Iraque é um dos principais pontos de partida da religião Bahá’í. Bahá’u’lláh, o fundador da religião, passou 10 anos no Iraque, onde fez o seu apelo religioso. Isso ocorreu no jardim Radwan [Ridvan], em Bagdade, situado nas margens do rio Tigre, naquilo que é actualmente a Cidade Médica de Bagdade. A religião Bahá’í foi precedida por uma forte presença dos seguidores do Báb (outra figura central para a religião Bahá’í) no Iraque, principalmente Tahirih Qurratu l-‘Ayn, a figura feminina mais proeminente entre eles.

Desde a sua criação, a religião Bahá’í tem enfrentado pressão e perseguição no Médio Oriente em geral, e no Iraque, em particular. Muitos dos seus seguidores foram mortos e os seus locais sagrados destruídos. Os Bahá’ís foram submetidos a investigações e perseguições durante diferentes períodos. Uma série de textos provocatórios foram produzidos contra os Bahá'ís, instigando à violência contra eles. Eles foram acusados de uma série de delitos, como a debilitação da religião para pregar o ateísmo, pornografia, descritos como fruto do colonialismo e do sionismo, e a lista continua.

Não há estatísticas oficiais sobre os Bahá’ís no Iraque, e seu número exacto ainda é desconhecido, devido ao medo dos aderentes em revelar as suas identidades. O correspondente do Al-Monitor reuniu-se com vários Bahá'ís em Bagdade e Sulaimaniyah na região do Curdistão iraquiano. No entanto, nenhum dos entrevistados apresentou estatísticas sobre os seus números, devido à sua dispersão, como resultado do medo profundo de ser hostilizado por autoridades e cidadãos comuns. Apesar disso, os Bahá’ís em Sulaimaniyah sentem-se mais seguros e têm mais estabilidade do que os seus irmãos em Bagdade, ainda que se coíbam de praticar abertamente a sua fé pelas razões acima mencionadas.

Durante a monarquia, os Bahá’ís podiam declarar oficialmente a sua identidade. A comunidade Bahá’í iraquiana foi fundada em 1931; o primeiro fórum central Bahá’í foi fundado em 1936 na região de al-Sa'doun; e possuíam um cemitério no distrito de Nova Bagdade, desde 1952, conhecido como o "jardim eterno". O governo iraquiano registou a religião Bahá’í no censo de 1957.

As restrições aos Bahá’ís começaram a crescer gradualmente após a queda da monarquia, até que a repressão atingiu o seu auge durante o regime Baath. Nessa altura, o governo publicou um conjunto de decretos contra os Bahá’ís em 1970 no Diário Oficial do Iraque. Nestes decretos, a religião Bahá’í foi oficialmente proibida, os Bahá’ís foram privados de todos os seus bens e proibidos de registar a sua religião nos registos civis. Além disso, foram obrigados a apagar as referências à Fé Bahá’í nos registos existentes e a substituí-los por uma das três religiões abraâmicas oficialmente reconhecidas. Posteriormente, um grande número de seguidores foi preso e muitos seguidores religiosos Bahá’ís foram condenados à morte no final de 1970.

Estes riscos levaram os Bahá’ís a querer fechar-se completamente ou a deixar o Iraque. Apesar da abertura que se seguiu à queda do regime do deposto presidente Saddam Hussein, em 2003, os Bahá’ís no Iraque ainda permanecem na penumbra, vivendo com medo de declarar a sua identidade social e preferindo não praticar a sua religião em público.

Uma mulher Bahá’í disse ao Al-Monitor, que depois de ser libertada da "prisão" do regime de Saddam Hussein, sentiu que se tinha mudado de uma pequena prisão para uma sociedade, mais dura e mais violenta do que a anterior. A vida na "prisão", afirmou, costumava protegê-la da cultura de exclusão para com os Bahá’ís que prevalece na sociedade iraquiana.

Saad Salloum, um especialista em minorias iraquianas, disse ao Al-Monitor que a mudança de regime em 2003, em nada alterou a situação dos Bahá’ís. A religião Bahá’í ainda é oficialmente proibida e os Bahá’ís continuam sem permissão para indicar a sua religião nos registos civis. Ainda não recuperaram os seus bens confiscados e os decretos publicados contra eles não foram abolidos.

Casa de Bahá'u'lláh em Bagdade

Apesar de toda a violência e exclusão praticada contra os Bahá’ís, tem havido um conjunto recente de evolução jurídica e religiosa que servem os interesses dos Bahá’ís e melhoram a sua condição social, apesar de se tratar de um progresso legal lento. De acordo com a Declaração n º 42, publicada na edição 4224 da Iraqi Facts em 26 de Dezembro de 2011, o Ministro da Cultura iraquiano Saadoun al-Dulaimi emitiu um decreto segundo o qual a casa que foi habitada por Bahá'u'lláh, quando ele esteve em Bagdade passou a ser considerado património cultural. É interessante notar que o local se transformou num espaço cerimonial xiita conhecido como "Sheikh Bashar", actualmente localizado no bairro de Al-Tala'eh de Bagdade.

No entanto, Salloum declarou que o lugar tinha sido demolido numa tentativa de desencorajar os Bahá’ís, que não foram dissuadidos e mostrou disponibilidade para o reconstruir, se tivesse oportunidade.

No plano religioso, várias fatwas foram publicadas por estudiosos xiitas em Najaf e Qom apresentam uma perspectiva diferente sobre a religião Bahá’í, incluindo um nível de tolerância para com esta. A principal destas fatwas relacionadas com Bahá’ís foi publicada Ayatollah Hossein Ali Montazeri em 2009. Nesta pede-se respeito pelos seus direitos como cidadãos, apesar das diferenças religiosas entre eles e os muçulmanos.

Um estudo intitulado "Um Olhar Histórico sobre as Minorias Religiosas do Iraque: História e Crenças", foi publicado por Jawad al-Khoei, professor do seminário xiita de Najaf. Este estudo inclui uma visão científica e neutra em relação a todas as religiões do Iraque - incluindo os Bahá’ís - reflectindo uma maior abertura ao nível das elites religiosas. Além disso, o jornalista iraniano Mohammad Nourizad, que se opõe à autoridade absoluta de Velayat-e faqih (regime de juristas islâmicos), visitou a casa de uma família Bahá’í para lhes apresentar um pedido de desculpas oficial pela perseguição política e social e violência que sofreram ao longo dos anos nas mãos da maioria muçulmana. Este gesto foi recebido de forma positiva, e algumas páginas de iraquianos no Facebook apelaram a que um acto semelhante se realizasse pelo lado iraquiano.

Os Bahá’ís do Iraque esperam ser reconhecidos oficialmente, ter segurança e protecção judicial, permissão para afirmar a sua identidade, praticar os seus rituais religiosos e recuperar as suas propriedades, especialmente as de valor simbólico e religioso.

Ali Mamouri é um investigador e escritor, especializado em religião. Foi professor em universidades iranianas e seminários no Irão e no Iraque. Publicou vários artigos relacionados com assuntos religiosos nos dois países e as transformações sociais e sectarismo no Médio Oriente. 

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FONTE: Iraq's Baha'is Continue to Face Persecution, Social Exclusion (Al-Monitor)

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