sábado, 27 de setembro de 2014

Demonizar os "Outros": os tormentos do inferno

Por David Langness.


Pensai no amor e no bom companheirismo como as delícias do céu; pensai na hostilidade e no ódio como os tormentos do inferno. ('Abdu'l-Bahá, Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, p. 244.)
Há milénios que as pessoas se organizam em unidades exclusivas, chamadas tribos, raças, etnias ou nacionalidades. Parece natural que as pessoas façam isso; basta pensar nos grupos que muitas vezes se formam nas escolas, para perceber o que quero dizer.

Hoje sabemos que todas essas identidades de grupo tinham originalmente um propósito, nomeadamente, a protecção e a auto-defesa; mas além disso tinham tendência a provocar uma divisão entre as pessoas. Quem pertence a um "grupo" cria também os “fora do grupo”, os inimigos, ou aquilo a que os psicólogos chamam os "outros".

O professor Ian Robertson do Trinity College descobriu na sua investigação que à medida que este mecanismo de divisão se desenvolve algumas pessoas começam a ver o “outro” como menos humano:
Quando as pessoas se unem, os níveis de oxitocina aumentam no seu sangue, mas a consequência disso é uma maior tendência para demonizar e desumanizar quem está fora do grupo. Esse é o paradoxo da entrega altruísta ao grupo: torna-se mais fácil anestesiar a empatia para com os fora do grupo e vê-los como objetos. E fazer coisas terríveis a objetos é aceitável, porque eles não são humanos.
O holocausto foi um exemplos flagrante de desumanização
Esta desumanização é mais flagrante na guerra. Quando estamos em guerra, os outros - os "inimigos" - tornam-se sub-humanos, monstros do mal, e são retratados como criaturas terríveis e desprezíveis que não merecem viver. Todos os militares conhecem este mecanismo para demonizar o inimigo. Durante a guerra do Vietname, por exemplo, os soldados norte-americanos chamavam “gooks” (chinos) aos soldados vietnamitas, uma alcunha depreciativa que pretendia diminuir a sua humanidade e torná-los - na consciência - mais fáceis de matar.

Os Bahá'ís não acreditam em qualquer forma de separação dos seres humanos uns dos outros. Em vez disso, os ensinamentos Bahá’ís enfatizam a unidade da humanidade - que não tem fronteiras raciais, étnicas, religiosas ou nacionais. Os ensinamentos Bahá’ís declaram que as antigas divisões de religião já não se aplicam mais, que não se pode simplesmente afirmar pertencer a uma religião e fugir aos seus ensinamentos morais, e que um sistema de crenças é definido pelas acções dos indivíduos:
Nos tempos antigos, os homens ou se tornavam crentes, ou se tornavam inimigos da causa de Deus... A fé consistia na aceitação cega destas verdades; aqueles que aceitavam eram considerados salvos, os outros eram sentenciados à condenação eterna. Mas, neste dia, a questão é muito mais importante. A fé não consiste na crença; consiste em acções. (‘Abdu’l-Bahá, Divine Philosophy, p. 38)
A psicologia de grupo que nos permite demonizar outros pode transformar o mundo inteiro num campo de guerra, onde o antagonismo se torna normativo e começamos a pensar nas pessoas, não como seres humanos, mas como inimigos. Quando isso acontece, segue-se o conflito.

Como alternativa, as escrituras Bahá’ís exortam-nos a banir completamente o próprio conceito de inimigo dos nossos corações:
Bahá'u'lláh afirmou claramente nas Suas Epístolas que se você tem um inimigo, não deve considerá-lo como um inimigo. Não seja apenas paciente; não, pelo contrário, ame-o… Nem diga que ele é seu inimigo. Não veja quaisquer inimigos. Apesar de ele ser o seu assassino, não o veja como inimigo. Veja-o com os olhos da amizade. Tenha em mente que se o deixar de considerar como um inimigo e apenas o tolerar, isso é simplesmente um estratagema e hipocrisia. Considerar um homem como inimigo e amá-lo é hipocrisia. Isto não é digno de nenhuma alma. Você deve encará-lo como amigo. Você deve tratá-lo bem. Isso está certo. ('Abdu'l-Baha, The Promulgation of Universal Peace, p. 267)

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Texto original: Demonizing the “Other”—The Torments of Hell

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

1 comentário:

Cori Correa disse...

Excelente artigo. E faz todo o sentido. Só que eu acrescentaria que, mesmo nós baha'is, apesar dos nossos Ensinamentos em contrário, carregamos frequentemente uma bagagem de preconceitos da "Velha Ordem" quando entramos na Fé, e podemos assim incorrer nos mesmos erros dos outros, embora de forma mais branda. É que, ao meu ver, tornar-se baha'i na grande maioria dos casos é o começo de um processo de aprendizado e aperfeiçoamento da caráter e não nos livramos dos nossos preconceitos assim do dia p'ra noite. Por isso, é preciso estar atento para não criarmos entre nós grupos do tipo "baha'is que são vegetarianos e baha'is que comem carne", dos que "escrevem assim e não assado", dos que "gostam de conviver com ciganos(ou afro-descendentes) e outros nem por isso", dos que "lêem muito e dos que são mais pragmáticos" etc, etc. É que se queremos dar o exemplo, temos que começar a mudança, em termos práticos, dentro das nossas comunidades. Senão ninguém acredita na gente, a começar por nós próprios.