sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Acabar com a Selvajaria e a Vingança

Por David Langness.


Olho por olho e o mundo acabará cego - Mahatma Gandhi

… a vingança, segundo a razão, também é condenável, pois não traz proveito algum ao vingador. Se um homem atacar outro, e este se vingar, retribuindo o golpe, qual será a vantagem conseguida? Será isso um bálsamo para sua ferida, ou um remédio para a sua dor? Não, Deus nos proteja! Na verdade, os dois actos são iguais; ambos são ofensas. A única diferença é que um ocorreu primeiro e o outro ocorreu depois. Se, pelo contrário, aquele que foi atacado perdoar, e agir de forma contrária àquilo que lhe foi feito, isso será louvável... Quando aquele que foi atacado perdoa, ele mostra a maior misericórdia. Isto é digno de admiração (‘Abdu'l-Bahá, Respostas a Algumas Perguntas, cap 76)
Algumas das culturas ainda valorizam a vingança e a retaliação. O desejo de retaliar - para retribui os mesmos danos a quem nos magoou - atravessa toda a história da sociedade humana. Em alguns lugares, ainda é ensinada às crianças: se ele te bate, bate-lhe também!

De facto, muitos dos antigos códigos de conduta invocam a antiga regra de retaliação, a lei de talião (olho por olho).

Mas retribuição apenas perpetua a selvajaria.

Marsel (6 anos) é orfão devido uma vingança do tipo Kanun
Vivi durante algum tempo nos Balcãs, onde muitos povos rurais ainda praticam o Kanun, conhecido como o código das montanhas. Este antigo código de conduta, que provavelmente tem origens na Idade do Bronze, é muito parecido com o conceito italiano de vendetta - exige uma retribuição igual por um assassinato. Se alguém assassina um membro de uma família, então o autor do crime, ou alguém da sua família, deve ser assassinado. É claro que estes actos de vingança (chamados Gjakmarrja) nunca acabam, e as famílias vão-se matando umas às outras, literalmente, durante séculos; a vingança só é considerada concluída quando todos os homens de uma família estiverem mortos. O governo albanês estima que mais de 3000 famílias rurais que vivem nas montanhas, estão hoje envolvidas em vinganças do tipo Kanun, e que estas provocaram mais de 10.000 mortos nas últimas duas décadas.

Quando fui militar no Vietname aprendi que este tipo de vingança aumenta sempre e nunca termina. Vi isso acontecer durante quase todos os dias da guerra. E funciona assim: você vê um amigo ser ferido ou morto. Você experimenta a sua agonia ou a sua morte, e isso deixa-o furioso. Você quer vingança, e assim você mata o primeiro "inimigo" que vê. Muitas vezes, essa pessoa não é nem sequer é um soldado do outro lado, mas apenas um pobre civil. Alguém do outro lado vê essa a morte, e quer vingança. E as mortes vão-se somando.

São exactamente estes mesmos padrões que ocorrem na violência de gangues, no terrorismo selvagem que mata o inocente, e na guerra.

O professor e psicólogo Ian Robertson, que estudou a selvajaria humana, afirma que alguma da selvajaria e brutalidades recentes praticada pelos combatentes do “Estado Islâmico”, no norte da Síria e no Iraque pode ser atribuída a esse tipo de vingança retributiva:
A vingança, que é um valor forte na cultura árabe, pode desempenhar um papel na perpetuação da selvajaria. Claro que a vingança devido a uma selvajaria gera mais selvajaria num ciclo interminável. Mas se a vingança é um motivador poderoso, ela também é enganadora, porque as evidências mostram que a vingança contra alguém, longe de aplacar a angústia e raiva, na verdade perpetua-a e amplia-a.
Do ponto de vista bahá'í, acabar com vinganças define a própria razão pela qual a humanidade educa os seus filhos e desenvolve sociedades civis. As leis de todas as civilizações avançadas impedem hoje a vingança, limitam a aplicação da justiça ao sistema jurídico e proíbem a violência contra outros. Mas sem inculcar os valores de misericórdia, amor e bondade, a sociedade humana, volta a cair, inevitavelmente, na velha lei da selva ou no código das montanhas:
Se queremos iluminar este plano escuro da existência humana, devemos retirar o homem do cativeiro desesperante da natureza, educá-lo e mostrar-lhe o caminho da luz e do conhecimento, até que, elevado acima da sua condição de ignorância, ele torna-se sábio e conhecedor; não mais selvagem e vingativo, ele torna-se civilizado e bondoso; outrora malvado e sinistro, ele é dota-se de atributos celestiais. Mas abandonado na sua condição natural, sem educação ou formação, é certo que ele se tornará mais depravado e cruel do que o animal... ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 309)
Se não houvesse um educador, todas as almas permaneceriam selvagens; e se não fosse o professor, as crianças seriam criaturas ignorantes. ('Abdu'l-Bahá, Selecção dos Escritos de 'Abdu'l-Bahá, nº 98)
Então, como é que vamos parar tamanha selvajaria? Os ensinamentos Bahá’ís vêem a solução para a violência e brutalidade humanas na aplicação da mensagem de Bahá'u'lláh para a humanidade:
Os santos Manifestantes de Deus vêm ao mundo para dissipar as trevas da natureza animal, ou física, do homem e purificá-lo das suas imperfeições, para despertar a sua natureza celestial e espiritual, despertar as suas qualidades divinas, para tornar visíveis as suas perfeições, para revelar as suas potencialidades e para trazer à existência todas as virtudes do mundo humano nele latentes. Estes santos Manifestantes de Deus são os Educadores e Instrutores do mundo da existência e Professores do mundo humano. Eles libertam o homem das trevas do mundo da natureza, salvam-no do desespero, do erro, da ignorância, das imperfeições e de todas as qualidades malignas. Eles vestem-no com o traje das perfeições e virtudes elevadas. (Abdu’l-Baha, The Promulgation of Universal Peace, pp. 465-466.)

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Texto original: Stopping Savagery and Revenge (bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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