sábado, 22 de novembro de 2014

Deus e os Cães - Os limites da emoção e da compreensão humana

Por David Langness.


Aquilo que imaginamos, não é a Realidade de Deus; Ele, o incognoscível, o Inconcebível, está para lá do mais elevado concepção humana ('Abdu’l-Baha, Paris Talks, p. 24)
Alguma vez conheceram um cão verdadeiramente esperto? Isto não é uma piada sem graça.

Cresci rodeado por animais, e ao longo da minha vida tive a sorte de receber a companhia e o amor de vários dos mais perfeitos e maravilhosos exemplares da espécie canina.

Hoje sei que nem todas as culturas no mundo apreciam os cães. Algumas pessoas acreditam que os cães são impuros e perversos. Outras até os comem. Mas eu cresci numa parte do mundo - o Noroeste do Pacífico - onde o “melhor amigo do homem” tem aspectos admiráveis de que as pessoas fazem bom uso.

Os cães que a minha família tinha enquanto cresci até nos ajudavam a pôr o jantar na mesa. Excelentes caçadores, pisteiros e observadores, todos colaboravam para alimentar os meus pais e os seus cinco filhos. Os nossos cães guardavam e tomavam conta das crianças mais pequenas, e os seus instintos protectores muitas vezes livravam os pequenitos de perigos. Podiam acompanhar um rebanho ou uma manada, avisar-nos ladrando às cobras venenosas, e até pressentiam ameaças iminentes de outros humanos. Mas o que eu recordo mais dos meus cães é o companheirismo - criaturas simpáticas e amorosas que pareciam perceber as minhas emoções e me confortavam retribuindo a atenção que eu lhes dava. Senti mesmo, num certo momento, quando tinha oito anos, que o meu cão Jinx me compreendia melhor do que qualquer pessoa.

Assim, quem já teve um cão sabe o quão forte e próximo se pode desenvolver a relação humano-canino.

Mas a verdade é que o cão mais esperto do mundo não se pode tornar uma pessoa, nem consegue fazer o que uma pessoa faz. Nenhum animal, nem mesmo o mais inteligente símio, golfinho, cavalo ou golden retriever, construiu uma cidade, inventou uma máquina, produziu uma obra de arte ou escreveu um livro. Nenhum animal poderá alguma vez fazer o que fazem as pessoas, porque os animais estão cativos do mundo natural, e os seres humanos conseguem - devido ao seu intelecto e ao seu espírito - transcender as leis da natureza.

Os ensinamentos Bahá’ís afirmam que essa comparação - entre o mundo dos animais inteligentes e o mundo das pessoas - pode ajudar-nos a compreender a condição da humanidade e a condição de Deus:
... a realidade da Divindade está fora do alcance da mente. Quando considerares cuidadosamente este assunto, verás que um plano inferior jamais poderá compreender um superior. O reino mineral, por exemplo, que é inferior, está impedido de compreender o reino vegetal; para o mineral, qualquer compreensão dessa natureza seria completamente impossível. Da mesma forma, não importa quanto o reino vegetal se possa desenvolver, jamais adquirirá qualquer conceito sobre o reino animal, e qualquer compreensão deste reino seria inconcebível ao seu nível, pois o animal ocupa plano mais elevado do que o do vegetal: esta árvore não pode entender os sentidos da audição e da visão. E o reino animal, por mais que evolua, jamais se tomará consciência da realidade do intelecto, o qual discerne a mais íntima essência de todas as coisas e compreende aquelas realidades que não podem ser vistas. O plano humano, em comparação com o do animal, é muito elevado. E embora os seres todos coexistam no mundo contingente, em cada caso a diferença entre os níveis impede a compreensão da totalidade; pois nenhum nível inferior pode compreender o seu superior; é impossível tal compreensão.

O plano superior, no entanto, entende o inferior. O animal, por exemplo, compreende o mineral e o vegetal; o ser humano entende os planos do animal, vegetal e mineral. Mas ao mineral, porém, é inteiramente impossível compreender os domínios do homem. E não obstante o facto de todos os seres coexistirem no mundo material, mesmo assim, nenhum nível inferior jamais compreenderá o superior.

Então, como seria possível a uma realidade contingente, ou seja, ao homem, compreender a natureza daquela essência pré-existente, o Ser Divino? A diferença de nível entre o homem e a Realidade Divina é milhões de vezes maior do que a diferença entre vegetal e animal. E aquilo que um ser humano poderia conjecturar na mente é apenas a imagem fantasiosa da sua condição humana; ela não abrange a realidade de Deus, pelo contrário, é abrangida por ela. Ou seja, o homem compreende as suas próprias concepções ilusórias, mas a Realidade da Divindade jamais poderá ser compreendida: Ela, em Si Própria, abarca todas as coisas criadas, e tudo o que foi criado está sob o Seu controle. (‘Abdu’l-Baha, Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, pp. 46-47)
Por outras palavras: o Deus que imaginamos apenas existe nas nossas mentes.

Podemos contemplar a enormidade e a complexidade do universo conhecido e tentar nas nossas mentes imaginar o seu Autor, mas inevitavelmente todas essas tentativas falharão. Para usar uma analogia das escrituras Bahá’ís, a obra de arte nunca consegue compreender o artista
Considerai a relação entre o artesão e a sua obra, entre o pintor e a sua pintura. Pode-se afirmar que a obra produzida pelas suas mãos seja idêntica a eles próprios? (Selecção dos Escritos de Bahá’u’lláh, CLX)
Usando esta percepção como um facto óbvio e axiomático - que a criatura não pode jamais compreender o Criador - como podemos pensar, aproximar-nos, ou mesmo adorar a Deus? Como podemos começar a procurar esse mistério divino? Se não podemos, devido à nossa própria natureza, perceber ou discernir o Grande Espírito, como podemos adorar o que não podemos sequer compreender? Como podemos imaginar Deus?

Vamos abordar este paradoxo essencial no próximo ensaio desta série.

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Texto Original: God and Dogs - The Limits of Human Emotion and Understanding (bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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