sábado, 20 de agosto de 2016

Religião e Política: podemos mantê-las separadas?

Por David Langness.


Sede as personificações da justiça e da equidade entre toda a criação. (Bahá'u'lláh, The Most Holy Book, p. 87)
... A religião não se deve preocupar com questões políticas. A religião preocupa-se com coisas do espírito, a política com as coisas do mundo. A religião tem de trabalhar com o mundo do pensamento, enquanto o campo da política está no mundo das condições externas. ('Abdu'l-Bahá, Paris Talks, pp 132-133)
Inicialmente, quando me tornei Bahá’í - tenho que admitir - debati-me com o princípio Bahá'í de não-envolvimento na política partidária, que facilmente se tornou para mim o novo conceito espiritual mais difícil entender e seguir.

Fui criado sem qualquer religião real e numa época de grande agitação social; quando era jovem comecei a acreditar que a forma de mudar o mundo para melhor incluía mudar a nossa liderança política. Afinal, pensei, se fossemos governados por políticos mais pacíficos e menos preconceituosos, eles poderiam levar-nos a uma nova e mais esclarecida sociedade. E seguidamente, vários líderes - o Presidente Kennedy, o seu irmão Robert, Malcolm X e Martin Luther King, Jr. - todos foram vítimas de balas de assassinos no espaço de meia década.

Após esses acontecimentos trágicos, quando, posteriormente, o meu país elegeu muitos líderes que continuaram as suas guerras, não conseguiram resolver adequadamente o problema do racismo e frustraram os esforços para construir a unidade internacional, comecei a perceber que os políticos só podem fazer o que a população em geral decide e permite que eles façam. Os líderes só podem liderar aqueles que os querem seguir. Qualquer líder que se coloque muito longe à frente das opiniões dos povos corre o risco de ver a sua carreira terminar abruptamente.

Quando estudei os ensinamentos Bahá’ís, descobri que a verdadeira mudança tem que vir de baixo e não pode ser imposta de cima - e a verdadeira mudança, tal como todos os profetas de Deus ensinaram, começa no coração e no espírito humano:
A religião diz respeito a assuntos do coração, do espírito e da moral.

A política ocupa-se com as coisas materiais da vida. Os professores religiosos não devem invadir o domínio da política; eles devem preocupar-se com a educação espiritual do povo; eles devem sempre dar bons conselhos aos homens, tentando servir Deus e a espécie humana; eles devem-se esforçar para despertar a ambição espiritual, e esforçar-se por ampliar a compreensão e o conhecimento da humanidade, por melhorar a moral, e por aumentar o amor pela justiça.

Isto está de acordo com os Ensinamentos de Bahá'u'lláh. No Evangelho também está escrito: "Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus." ('Abdu'l-Bahá, Paris Talks, pp 158-159)
Estas breves palavras de 'Abdu'l-Bahá resumem claramente os ensinamentos Bahá'ís sobre a separação entre religião e política. Os Bahá’ís acreditam que os dois não se misturam bem:
Sempre que os líderes da gloriosa religião de Deus e os pilares da Sua poderosa Lei intervieram nos assuntos políticos, concebendo esquemas e elaborando planos, isso, inevitavelmente destruiu a unidade dos crentes e dispersou as fileiras dos fiéis; a chama de sedição foi ateada e o fogo de hostilidade consumiu o mundo; o país foi pilhado e saqueado; e as pessoas caíram nas mãos dos medíocres. ('Abdu'l-Bahá, o Tratado sobre a Política, citado pela Casa Universal de Justiça, numa carta a um indivíduo Bahá'í, 18 de Abril de 2001)

A Comunidade Bahá'í é uma organização mundial que procura estabelecer a paz verdadeira e universal na terra. Se um Bahá’í trabalha para um partido político para superar outro, isso é uma negação do próprio espírito da Fé. Assim, a filiação em qualquer partido político, implica necessariamente o repúdio de alguns ou de todos os princípios de paz e unidade proclamados por Bahá'u'lláh. (Carta às Assembleias Espirituais Nacional Africanas, 08 de Fevereiro de 1970, The Universal House of Justice, Messages 1963 to 1986, p. 163)
Portanto, a fim de se tornarem, tal como pede Bahá'u'lláh, "a personificação da justiça e da equidade entre toda a criação", os Bahá’ís abstêm-se de participar na política partidária, aderir aos partidos políticos ou fazer campanha pelos candidatos. Os Bahá’ís são livres para tomar parte na vida cívica através do voto, defendendo causas humanitárias e até mesmo concorrendo e aceitando cargos não-partidários de serviço civil e público - mas não participando em debates, eleições e sistemas políticos divisivos.

Os Bahá’ís não rejeitam a liderança política correcta e honesta, nem se opõem a esses líderes - na verdade, os Bahá’ís aceitam e louvam os governantes justos, são fiéis aos seus governos e cumprem a lei. Em vez de tentar realizar mudanças através das velhas ferramentas do partidarismo e do seu divisionismo inerente, os Bahá’ís concentram os seus esforços no aperfeiçoamento do carácter interior humano, na promoção mundial da justiça social, e na construção de uma ordem administrativa Bahá'í diversificada, global e unificada, apresentando-a ao mundo como um modelo para uma futura sociedade internacional:
Que se abstenham de se associar, seja por palavras ou por actos, com as actividades políticas dos seus respectivos países, com as políticas dos seus governos e os esquemas e programas dos partidos e das facções... Que afirmem a sua firme determinação em manter-se, firmemente e sem reservas, no caminho de Bahá'u'lláh, para evitar os enredos e questiúnculas inseparáveis das actividades do político, e a tornarem-se agentes dignos desse Política Divina que encarna o propósito imutável de Deus para todos os homens... (Shoghi Effendi, Carta aos Bahá’ís dos Estados Unidos e Canadá, 21 de Março de 1932)
Os Bahá’ís trabalham pela unidade da raça humana, e não pela sua desunião:
A nossa esperança é que os líderes religiosos do mundo e os seus governantes se ergam unidos pela reforma desta era e pela reabilitação do seu destino. Que eles, depois de meditar sobre as suas necessidades, consultem em conjunto e, por deliberação inquieta e plena, administrem a um mundo doente e penosamente aflito o remédio que necessita... Queira Deus, que os povos do mundo possam ser levados, como resultado dos altos esforços exercidos pelos seus governantes e pelos sábios e eruditos entre os homens, a reconhecer os seus melhores interesses. Durante quanto tempo vai a humanidade persistir na sua obstinação? Durante quanto tempo continuará a injustiça? Durante quanto tempo reinarão o caos e confusão entre os homens? Durante quanto tempo vai a discórdia agitar a face da sociedade? (Bahá'u'lláh, SEB, CX)
A resposta a estas questões profundas, de acordo com os ensinamentos Bahá’ís, é a unidade.

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Texto original: Religion and Politics—Can We Keep them Apart? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

1 comentário:

Anónimo disse...

Maravilhoso texto. Estava precisando mesmo ler isso tudo. Agradeço a quem escreveu!
Regina Mota - Brasil