sábado, 9 de setembro de 2017

Podemos caçar e comer animais?

Por Derrick Stone.


Ser bondoso para com os animais significa não os comer?

Caçar animais pela carne tem uma longa tradição na história humana. No entanto, em muitas culturas, a caça tornou-se uma história do passado, à medida que a agricultura moderna foi afastando as famílias do processamento da carne, e as pessoas ficaram menos habituadas a abater e desmanchar animais. Consequentemente, os caçadores desenvolveram uma dupla imagem: tanto parecem figuras históricas nostálgicas como atormentadores de animais.

Os ensinamentos Bahá’ís pedem-nos para sermos bondosos para com os animais:
Não sobrecarregueis um animal com mais do que ele pode suportar. Em verdade, proibimos esse tratamento através da mais firme interdição registada no Livro. Sede as personificações da justiça e da equidade entre toda a criação. (Bahá’u’lláh, The Most Holy Book, ¶187)
Isto cria um sério dilema: podemos ser bondosos com os animais e, ainda assim, comê-los? Em várias cartas, 'Abdu'l-Bahá indicou que, se considerarmos o nosso aspecto físico, temos partes do corpo de herbívoros (não temos garras, por exemplo), e que a carne um dia desaparecerá das nossas dietas:
Qual será a alimentação do futuro? Frutas e grãos. Virá o tempo em que a carne já não será consumida. A ciência médica está apenas na sua infância, mas mostrou que a nossa dieta natural é aquela que cresce a partir do solo. As pessoas desenvolver-se-ão gradualmente até a condição deste alimento natural. (‘Abdu’l-Bahá, Bahá’í Scriptures, p. 453)
Será que isso implica que os Bahá’ís devem abandonar a prática da caça? Devem todos os Bahá’ís tornar-se vegetarianos? Talvez não. Bahá’u’lláh também estabeleceu orientação para os Bahá’ís em relação à caça:
Ao caçar com a ajuda de animais ou aves de rapina, invocai o Nome de Deus quando os enviares em perseguição da sua presa; pois o que quer que capturem ser-vos-á lícito, mesmo que a encontreis morta. Ele, verdadeiramente, é o Omnisciente, o Informado de Tudo. No entanto, acautelai-vos para não caçar em excesso. Trilhai o caminho da justiça e da equidade em todas as coisas. (The Most Holy Book, ¶60.)
Em resposta a uma pergunta sobre "o consumo de animais inocentes", ‘Abdu’l-Bahá escreveu:
Não te surpreendas com isso. Reflecte sobre as realidades interiores do universo, as sabedorias ocultas envolvidas, os enigmas, as inter-relações e as leis que governam tudo. Pois cada parte do universo está ligada a todas as outras por laços que são muito poderosos e não admitem qualquer desequilíbrio ou enfraquecimento. No reino físico da criação, todas as coisas se alimentam e são alimento: a planta absorve o mineral, o animal morde e engole a planta, o homem alimenta-se do animal e o mineral devora o corpo do homem. Os corpos físicos passam uma barreira após outra, de uma vida para outra, e todas as coisas estão sujeitas a transformação e mudança, salvo unicamente a essência da própria existência - pois esta é constante e imutável e nela baseia-se a vida de todas as espécies e raças, de toda a realidade contingente em toda a criação. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, #137)
Isso significa que os Bahá’ís devem caçar, ou que os Bahá’ís devem comer carne com prazer? (Este é um caso em que os ensinamentos Bahá’ís, à primeira vista, podem parecer contraditórios.) Numa palavra: não. Esses ensinamentos não são contraditórios na perspectiva dos princípios espirituais em causa. O princípio principal é: as pessoas devem ser saudáveis! Precisamos de uma dieta variada que nos forneça todos os componentes necessários ao corpo humano, incluindo vitaminas, minerais, proteínas, fibras e gorduras.

As pessoas em países materialmente prósperos podem ter acesso a uma grande variedade de alimentos que não contêm carne e que podem constituir uma dieta bem equilibrada; mas aqueles que vivem noutros países não podem. Os ensinamentos Bahá’ís, destinados a toda a raça humana, deixam bastante espaço para todos.

Então, sim, devemos praticar a bondade para com todas as coisas, incluindo animais. À medida que aprendemos mais sobre nutrição e agricultura eficiente, os humanos não precisarão de usar animais para alimentação nas quantidades que precisam hoje. Além disso, será mais barato produzir grandes quantidades de vegetais e grãos; um factor crítico a considerar se queremos evitar que a população mundial em rápido crescimento sofra fome.

Isto ilustra o poder crítico do pensamento espiritual ao considerar duas perspectivas de um problema que podem parecer contraditórias. Este entendimento fundamental dos ensinamentos Bahá'ís pode ajudar-nos a navegar no mundo dividido de hoje e evitar confrontos destrutivos que surgem em questões em que dois lados não encontram um espaço comum – incluindo a alimentação com carne. No entanto, com um entendimento espiritual elevado, uma perspectiva global que inclui todas as culturas e um foco na saúde humana, podemos resolver o conflito.

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Texto original: Should We Hunt and Eat Animals? (www.bahaiteachings.org)

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Derrick Stone é Bahá’í, marido, pai e dono de um cão. Trabalha na Universidade da Virgínia, onde é Director de Desenvolvimento de Software para o Sistema de Saúde, e professor do Departamento de Ciência da Computação.

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