sábado, 2 de dezembro de 2017

As zonas cinzentas de Deus

Por David Langness.


A investigação científica diz-nos que tudo tem graus e intensidades - que todas as coisas são relativas.

Podemos resumir esta perspectiva científica do mundo com uma frase: não existe preto ou branco; apenas tons de cinzento. A frase reflecte a perspectiva de que não existe uma verdade ou um erro absoluto no nosso mundo moralmente imperfeito - que não existem absolutos morais.

Ibn Sina (Avicena)
No debate sobre a existência de Deus, esta questão sobre a relatividade moral tornou-se o centro das atenções nos últimos mil anos ou mais.

Na verdade, começou muito mais cedo do que isso, com Aristóteles e o seu livro Metafísica, por volta do ano 300 AC. A perspectiva de Aristóteles sobre Deus e o mundo teve um enorme impacto em toda a filosofia ocidental e nos primeiros grandes pensadores islâmicos como Al-Kindi, Al-Farabi, Ibn Sina (Avicena) e Ibn Rushd (Averroes), através da escola do pensamento islâmico Falsafa (filosofia). Esses grandes pensadores, por seu lado, influenciaram São Tomás de Aquino e o seu famoso ensaio intitulado "As Cinco Vias", assim como o seu livro Summa Theologica, publicado no século XIII, e que ainda hoje causa discussão.

S. Tomás de Aquino acreditava que a fé só por si não era suficiente - os seres humanos precisavam de usar a razão para entender a verdade sobre Deus. No seu ensaio “As Cinco Vias” (Quinque Viae) da Summa Theologica, ele indica essas razões:

  • Movimento; e a noção de um Primeiro Movimentador.
  • Causa; e a noção de uma Primeira Causa.
  • A existência do necessário e desnecessário.
  • Gradação; ou a noção dos tons de cinzento.
  • Ordem na natureza; ou toda a natureza é governada por Deus para um fim.

Aqui está uma citação directa do argumento da Quarta Via de Aquino:
Pois encontramos maiores e menores graus de bondade, verdade, nobreza e outros. Mas "mais" ou "menos" são termos que expressam várias coisas que conduzem de diversas maneiras em direcção a algo que é o "maior", tal como no caso de "mais quente" que se aproxima do "maior" calor. Existe, portanto, algo "mais verdadeiro" e "melhor" e "mais nobre", o que, em consequência, é o maior "ser". Para essas coisas que são as maiores verdades existem os maiores seres... Além disso, aquilo que é o maior no seu modo, é, de outra forma, a causa de todas as coisas que lhe pertencem; assim, o fogo, que é o maior calor, é a causa de todo o calor, como é dito no mesmo livro. Portanto, há algo que é a causa da existência de todas as coisas, e da bondade, e de qualquer perfeição. A isso nós chamamos "Deus".
S. Tomás de Aquino
Por outras palavras - se posso tomar a liberdade de simplificar e resumir esse argumento subtil e sério - S. Tomás diz que os tons de cinzento só são possíveis devido à existência de preto e branco. Ou, dizendo de outra maneira, podemos deduzir a existência de Deus a partir da existência do bem moral humano.

Isto significa que um universo moral, segundo S. Tomás no seu primeiro princípio, só pode ter origem a partir de Primeiro Movimentador ou Movimentador Primordial; um ser que põe em movimento todo o conceito de moralidade. Aquilo que Aristóteles designou como movimentador inamovível, esse conceito de Deus como o principal motor do universo influenciou teologia e filosofia durante milhares de anos. Cientificamente, isso combina bem com a recentemente descoberta lei da conservação da energia, o princípio da física que afirma que a energia total de um sistema não pode variar.

Bahá’u’lláh refere-Se a este conceito desta forma:
Glorificado, imensamente glorificado sois Vós. Sois Aquele que desde a eternidade tem sido o Rei de toda a criação e o seu Primeiro Movimentador, e permanecereis até à eternidade o Senhor de todas as coisas criadas e o seu Ordenante. (Baha’i Prayers, p. 41)
Os Bahá'ís acreditam que tanto a perspectiva teológica como a científica validam igualmente a existência de Deus:
... entende-se que por um homem estar doente que deve haver alguém que esteja com saúde; pois, se não houvesse saúde, a sua doença não poderia ser comprovada. Portanto, torna-se evidente que existe um Omnipotente Eterno, Que é o possuidor de todas as perfeições, porque se não possuísse todas as perfeições, seria como a Sua criação.

Por todo o mundo da existência é o mesmo; a mais pequena coisa criada prova que existe um criador. Por exemplo, este pedaço de pão prova que ele tem um fabricante.

Louvado seja Deus! A menor mudança produzida na forma da mais pequena coisa prova a existência de um criador: então este grande universo, que é interminável, pode ter sido criado por si próprio e surgido pela acção da matéria e dos elementos? Quão evidente é o erro dessa suposição! (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, p. 6)
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Texto original: God’s Grey Areas (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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