sábado, 4 de agosto de 2018

Gentrificação, Justiça e Turismo

Por Maya Mansour.


Estou num café na Cidade do México, a escrever directamente num computador portátil que me ofereceram há alguns dias antes de ter saído de Chicago.

Quando planeava esta viagem, fiz muitas pesquisas com a minha amiga. Procurámos diversos locais, avaliando custo e possíveis barreiras linguísticas, o nosso entendimento cultural (ou a falta dele) e o clima político. Para cada cidade que pensámos visitar, fui ler as notícias locais para perceber o que estava a acontecer no terreno, e comparei o que lia com websites vocacionados para o turismo – que frequentemente apresentam uma perspectiva distorcida de um local para atrair turistas como eu.

A Cidade do México ajustava-se ao nosso orçamento; ambas falamos um pouco de espanhol, e sentimo-nos geralmente confortáveis ao visitar a cidade. Chegámos entusiasmadas por visitar a maior metrópole da América do Norte, provar a famosa comida de rua, apreciar a beleza dos diversos murais da cidade e diversas expressões artísticas de artistas e artesãos locais. Hoje, quando faltam dois dias para terminar a nossa viagem, posso dizer que cumprimos o propósito desta viagem. Fizemos novos amigos quando experimentámos a comida de rua, visitámos locais históricos, mercados movimentados e parques verdejantes. Perdi a conta à quantidade de magníficos murais coloridos que visitámos, tal com a quantidade de objectos de fabrico manual, úteis e decorativos, que tornam esta cultura conhecida por cultivar beleza que é normal para os locais e fascinante para estrangeiros como eu.

Suspeito que é esta beleza do dia-a-dia que atrai imensa gente a esta cidade, assim como os preços baixos, especialmente se comparados com os Estados Unidos. Enquanto aqui estivemos, andámos com um grupo de turistas americanos mas também fizemos compras em lojas americanas. Além dos restaurantes de fast-food como KFC e Dominos, também estivemos em lojas e restaurantes mais caros. Estes estabelecimentos são apoiados por investidores americanos e canadianos e sentem-se como tal. Em alguns locais senti-me como se estivesse nas zonas que estão na moda em Los Angeles, Chicago ou Nashville, a minha cidade natal, onde existem locais que são irreconhecíveis para mim. Estas empresas no México – além da já desequilibrada dinâmica de poder entre EUA e México que beneficia mais um país do que outro – criaram agitação aqui na cidade.

Cidade do México
As autoridades perseguem vendedores ambulantes, favorecendo as boutiques mais caras. Desconhecíamos a extensão desta tendência até que há alguns dias vimos pessoas a ocupar parte do passeio na rua onde nos encontrávamos. Há três dias atrás, regressávamos ao nosso alojamento, quando frente ao edifício vimos um acampamento improvisado. No início pareciam ser tendas com pessoas sem-abrigo, mas quando nos aproximámos vimos a polícia com equipamentos anti-motim, sentados a pouca distância das pessoas que nas tendas jogavam às cartas.

Ficámos curiosas para saber mais. Procuramos o nome da nossa rua no twitter e descobrimos fotos de pessoas a protestar. Apelavam ao fim da gentrificação da cidade e exigiam um tratamento mais justo para os artesãos locais. Quanto mais lia e questionava os amigos que falavam melhor espanhol do que eu, mais o meu coração se apertava. A gentrificação é um problema mundial, desde Nova Iorque e a Cidade do México até às grandes cidades de África. A colonização ainda acontece hoje disfarçada de renovação e revivalismo urbano. As pessoas de classes mais abastadas continuam a lucrar com a exploração de pessoas com menos posses, perpetuando um ciclo de pobreza e alargando o fosso entre ricos e pobres. Por exemplo, o salário mínimo no México é 5 USD por dia; nos Estados Unidos é 7.25 USD por hora. Este nível de injustiça económica, que os ensinamentos Bahá’ís denunciam, deve dar lugar, através de legislação e de meios espirituais, a um equilíbrio mais justo entre riqueza e pobreza: Devem existir leis especiais para lidar com estes extremos de riqueza e carência. Os membros do governo devem considerar as leis de Deus quando concebem planos para governar o povo. Os direitos gerais da humanidade devem ser salvaguardados e preservados.
Os governos dos países devem obedecer à Lei Divina que concede justiça igual para todos. Esta é a única forma pela qual a deplorável superabundância de riqueza imensa e a pobreza miserável, deprimente e degradante pode ser abolida. Só quando isto for feito é que se terá obedecido à Lei de Deus. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 153.)
Os ensinamentos Bahá’ís dizem que a justiça nos ajuda a ver com os nossos próprios olhos e a saber com o nosso próprio conhecimento:
Ó Filho do Espírito! A mais amada de todas as coisas, aos Meus olhos, é a Justiça; não te desvies dela, se Me desejas, nem a descures, para que Eu possa confiar em ti. Com a sua ajuda, verás com os teus próprios olhos e não com os olhos de outros; saberás pelo teu próprio conhecimento e não pelo conhecimento do teu próximo. Pondera isto no teu coração; como te incumbe ser. Em verdade, a justiça é a Minha dádiva para ti e o sinal da Minha misericórdia. Mantém-na, pois, diante dos teus olhos. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe, #2)
Lembrei-me destas palavras de Bahá’u’lláh sobre a justiça enquanto me debatia com o meu papel neste problema enorme e complexo, que apenas agora encontrei e tentei compreender. A gentrificação está a acontecer em todas as grandes cidades, mas torna-se muito específica quando acontece onde moramos.

Questiono o meu papel enquanto turista na gentrificação das cidades que visitei ou para onde pensei ir viver. Porque me identifico como uma cidadã do mundo, devido à mentalidade com que os meus pais me educaram e devido às origens geográficas da minha família: o meu pai é do Irão e a minha mãe da Indonésia.

Tive sorte ao viajar para outros países, experimentar a sua comida, conhecer a sua história, museus e os seus habitantes locais. Geralmente regresso a casa com a sensação que cresci num limbo, com todas as coisas que vi e todo o conhecimento que adquiri. Percebo que todos somos humanos, que todos estamos interligados e também que tenho a responsabilidade de agir como convidada nos locais que não conheço. Aprendi a ter cuidado quando falo em nome daqueles cujas experiências são completamente diferentes das minhas.

E enquanto termino este artigo, transferindo-o do computador para o telemóvel, percebo que nunca terei todas as respostas sobre como ser a viajante perfeita. Vou continuar a visitar novos locais porque acredito que conhecer estas situações em primeira mão é uma experiência preciosa. Sinto sorte de poder passar parte do meu tempo a pensar como criar um mundo mais justo para todos. E quando visito novos locais, tento ser humilde, disposta a aprender e a não julgar, na esperança de que este mundo cada vez mais pequeno e interligado tenha um pouco mais de sentido.

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Texto Original: Gentrification, Justice and Tourism (www.bahaiteachings.org)

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Maya Mansour estudou artes no The Evergreen State College e os seus trabalhos têm sido publicados em várias plataformas, incluindo Ebony, SoulPancake, and the Journal of Critical Scholarship on Higher Education and Student Affairs.

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