terça-feira, 8 de julho de 2025

O Martírio Impressionante do Báb


... os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, derrubaram os teus altares e assassinaram os teus profetas. Só eu escapei; mas também a mim me querem matar! (Elias, 1Reis 19:10)

Como todos sabemos, os profetas, têm muitas vezes uma vida curta. Cristo morreu na cruz com 33 anos, depois de ensinar a sua nova Fé durante apenas três anos. Por alguma razão que não compreendemos, os líderes da humanidade costumam reagir mal aos fundadores das grandes religiões do mundo e perseguem-nos terrivelmente. Abraão e Moisés enfrentaram a prisão, o exílio, o escárnio e a perseguição. Krishna e Buda sofreram desprezo e censura oficial. Os líderes da sociedade crucificaram Cristo; declararam guerra a Muhammad; torturaram, exilaram e aprisionaram Bahá'u'lláh; e executaram o Báb.

Já ouviu falar do Báb? Se não, talvez queira saber sobre a Sua mensagem e sobre o que aconteceu a este jovem profeta, que iniciou uma nova Fé progressista no meio de uma das sociedades mais corruptas e atrasadas do mundo. Como consequência, sofreu tremendamente, mas mesmo após a Sua morte trágica, a Fé do Báb abriu caminho para o surgimento global da Fé Bahá’í, tal como João Batista fez para a nova Fé de Jesus.

A sua história começou há menos de dois séculos. O Báb (que significa “Porta” em árabe) iniciou a sua nova Fé em 1844. Surgiu do misticismo profético sufi predominante na Pérsia do século XIX. A mensagem inspiradora do Báb — cujos ensinamentos anunciavam o futuro aparecimento de uma grande revelação mundial — rapidamente se consolidou naquela cultura muçulmana xiita, muito assente na tradição. A princípio, poucas pessoas souberam da existência do Báb, mas depois milhares e dezenas de milhares começaram a tornar-se Bábis, rompendo com as tradições e práticas islâmicas da sua sociedade e desafiando a autoridade dos seus líderes. O rápido crescimento da Fé Bábi abalou os alicerces da sociedade persa.

Os clérigos e os governantes da Pérsia reagiram mal a este novo desenvolvimento religioso, para dizer o mínimo.

Apenas seis anos após o anúncio da nova Fé do Báb, em 1844, o governo Qajar ordenou a execução deste jovem mensageiro profundamente carismático — que tinha então apenas trinta anos. O governo e os clérigos islâmicos já tinham torturado e assassinado cruelmente mais de 20.000 fervorosos seguidores do Báb durante os curtos e intensos seis anos de duração do movimento Bábi. Como o Báb exigia mudanças revolucionárias no sistema predominante de crença e governação religiosa, e porque pregava a unidade de todas as religiões, as autoridades temiam que este novo e dinâmico desafio e o seu crescente apoio os afastassem rapidamente do poder.

Apesar do massacre generalizado contra os Seus seguidores, cada vez mais pessoas continuavam a tornar-se Bábis. Em 1850, receosas da sua crescente influência e desesperadas por esmagar o movimento Bábi, as autoridades decidiram executar o Báb. Quando O acusaram de apostasia — a mesma acusação que os fariseus fizeram contra Jesus —, o Báb rejeitou arrepender-se ou refutar os Seus ensinamentos, aceitando calmamente as consequências.

Depois, a 9 de Julho de 1850, as autoridades Xiitas ordenaram que o Báb fosse executado por fuzilamento na praça de Tabriz, na Pérsia. Um dos jovens seguidores do Báb insistiu em acompanhá-lo na morte, e as autoridades consentiram de bom grado. Uma multidão de dez mil pessoas assistiu dos telhados dos quartéis e das casas junto à praça.

Sam Khan
Imediatamente, porém, surgiu um problema. Ao início dessa manhã, Sam Khan, o comandante do regimento de soldados arménios encarregado de executar o Báb, tinha implorado antecipadamente o Seu perdão. "Professo a fé cristã", disse o oficial ao Báb na Sua cela, "e não Lhe desejo mal. Se a Sua Causa for a Causa da Verdade, permita-me livrar-me da obrigação de derramar o Seu sangue."

"Segue as tuas instruções", disse o Báb gentilmente ao comandante. "E se a tua intenção for sincera, o Omnipotente poderá certamente livrar-te-á da tua perplexidade."

Quando Sam Khan deu ordem para disparar, os mosquetes deram um estrondo. Um jornalista ocidental que testemunhou o facto relatou que "o fumo dos disparos das setecentas e cinquenta espingardas era tal que transformou a luz do sol do meio-dia em escuridão".

Depois do fumo se ter dissipado, a multidão ficou estupefacta: o Báb tinha desaparecido. O seu jovem e dedicado seguidor permanecia completamente ileso junto ao muro, e as cordas que o prendiam a ele e ao Báb estavam despedaçadas. Incrédula, a multidão começou a gritar que tinha presenciado um milagre. Sam Khan, agora aliviado do seu dilema, ordenou imediatamente aos seus 750 soldados que se afastassem para longe, jurando que nunca mais obedeceria a uma nova ordem, mesmo que isso lhe custasse a própria vida.

Assim que as tropas de Khan abandonaram a praça, o coronel da guarnição de Tabriz ofereceu-se para proceder à execução. Depois de os guardas terem encontrado o Báb na Sua cela, terminando pacificamente uma conversa, levaram-no e amarraram-no mais uma vez, juntamente com o seu jovem seguidor. As Suas palavras finais foram as seguintes:

"Ó geração perversa! Se tivésseis acreditado em Mim, cada um de vós teria seguido o exemplo deste jovem cuja condição é superior à maioria de vós, e de bom grado se teria se sacrificado em Meu caminho. Dia virá em que Me tereis reconhecido; nesse dia, Eu terei deixado de estar convosco." (citado por Shoghi Effendi, God Passes By, p. 53.)

O segundo pelotão de fuzilamento apontou e disparou. Desta vez, a execução foi bem-sucedida.

Os corpos unidos e crivados de balas do Báb e do Seu fiel seguidor — chamado Anis, que significa companheiro próximo — repousam agora sob uma cúpula dourada no Monte Carmelo, em Haifa, Israel. Milhões de pessoas de todo o mundo visitam este local sagrado, e todos os dias o Santuário do Báb proclama a mensagem Bahá’í de unidade, paz, amor e altruísmo ao mundo.

Os Bahá'ís acreditam que o Báb, o Precursor e Arauto da Fé Bahá’í, deu início a um novo ciclo de revelação progressiva para a humanidade. Os Seus novos ensinamentos revolucionários abriram o caminho para a nova mensagem de Bahá’u’lláh, e o Seu sacrifício supremo deu-nos a todos uma nova visão de um mundo unificado.

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Texto original: The Shocking Martyrdom of the Bab (www.bahaiteachings.org)

sábado, 5 de julho de 2025

Desafiando a “Teoria do Grande Homem” da história

Por David Langness.


Aposto que quando o leitor era criança, aprendeu os nomes dos antigos governantes do seu país, as pessoas que foram reis, rainhas, presidentes ou primeiros-ministros.

Eu tive que aprender isso. Como rapaz americano, aprendi sobre George Washington, o homem que não conseguia mentir depois de cortar uma cerejeira, o primeiro presidente do jovem país, o herói militar da Revolução Americana. Todos os alunos do ensino básico nos Estados Unidos conhecem a vida de Washington. Poucos sabem, no entanto, que George Washington era também um agricultor abastado que escreveu que não acreditava na instituição da escravatura — mas era dono de 200 escravos.

E isto leva-me a uma boa pergunta, uma pergunta que fiz mais do que uma vez na escola primária: porque é que memorizamos os nomes dos nossos governantes do passado, enaltecemos o seu estatuto e estudamos as suas vidas? Porque é que a história enfatiza os famosos e os conhecidos, mas ignora todos os outros?

A razão deve-se, provavelmente, a Thomas Carlyle, escritor, filósofo e historiador escocês da década de 1840. Ele formulou a "Teoria do Grande Homem" no seu livro " Hero-Worship and the Heroic in History" [N.T. “Os Heróis”, na edição portuguesa de 2002], escrevendo que "A história do mundo é apenas a biografia de grandes homens". Carlyle acreditava que os indivíduos heroicos e imponentes moldam a história, não só pessoalmente através dos seus atributos de carácter e da força da sua vontade, mas também através da inspiração divina. No seu livro, enumerou poetas como Dante e Shakespeare, religiosos como Lutero, governantes como Cromwell e Napoleão, e até o profeta Muhammad, como os principais agentes de mudança no mundo.

Assim, a teoria do Grande Homem propõe o conceito de que os indivíduos ou pequenos grupos de pessoas, através do poder do seu carácter, do seu intelecto ou da força da sua vontade, determinam o curso da história.

Temos de admitir que é uma teoria fascinante: a de que alguns indivíduos alteraram fundamentalmente o rumo da história ao viverem as suas vidas de forma única e poderosa.

A teoria da primazia dos grandes homens de Carlyle dominou a era vitoriana, mas caiu em desuso no início do século XX por várias razões — nomeadamente, a exclusão das mulheres. Entretanto, aqui ficam algumas perguntas contemporâneas que os historiadores têm feito sobre a Teoria do Grande Homem: Será que os nossos líderes nacionais têm realmente muita influência a longo prazo? Têm alguma? Os grandes homens e as grandes mulheres fazem realmente história — ou será que a história os faz? Os nossos líderes políticos realmente lideram ou seguem?

Para responder a estas questões, podemos considerar Abraham Lincoln — o maior presidente americano por aclamação universal, que os historiadores e o público concordam que preservou o país, defendeu a democracia e libertou os escravos. As qualidades de liderança de Lincoln, as suas capacidades de negociação e de gestão de crises, e a integridade do seu carácter, fazem dele o líder mais venerado da história dos Estados Unidos.

Mas os historiadores também concordam que o legado de Lincoln não durou muito após a sua morte. Ainda no início do século XX, quatro décadas após o assassinato de Lincoln, o Congresso americano e os seus tribunais criaram e aplicaram as chamadas leis Jim Crow, que reinstituíram funcionalmente a escravatura, pelo menos economicamente. O racismo voltou em força. O Sul dos Estados Unidos, embora tecnicamente reunido com a sua mãe-pátria, continuou a revoltar-se, resistindo à integração com todas as suas forças. Um século depois de Lincoln nos ter deixado, ainda travávamos as mesmas batalhas. Lincoln teve impacto, mas foi um impacto limitado.

Os ensinamentos Bahá’ís dizem que o poder de um líder temporal não consegue persistir muito tempo depois da sua inevitável morte:

Todas as criaturas dependem de Deus, por maior que possa parecer o seu conhecimento, poder e independência.

Vejam os poderosos reis da Terra, pois eles têm todo o poder do mundo que o homem lhes pode dar, e, no entanto, quando a morte os chama, eles têm de obedecer, tal como os camponeses às suas portas. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, pags. 19-20)

Se quiser verificar este conceito, tente o seguinte: tente lembrar-se do nome do governante que, há algumas centenas de anos, governou a terra onde agora vive. Na minha cidade, na Califórnia, isso envolvia provavelmente um governador espanhol que concedia terras ou um chefe indígena tribal — e não faço ideia de quem eram. As pessoas podem ter-se curvado perante estes governantes na altura, ou até mesmo tê-los venerado como semideuses durante algum tempo, mas uma visão de longo prazo da história esquece-os e desconsidera-os completamente. O tempo sepulta todos — os fracos, os mansos e os fortes:

Sabei, em verdade, que as condições deste mundo mortal, mesmo que seja a realeza de toda a extensão deste globo, são efémeras. É uma ilusão. Termina em nada; nem têm quaisquer resultados, nem, aos olhos de Deus, se compara à asa de um mosquito.

Onde estão os reis e as rainhas? Onde estão os palácios e as suas amantes? Onde estão os tronos imperiais e as coroas adornadas com joias? Onde estão os poderosos governantes da Pérsia, da Grécia e de Roma? Na verdade, os seus palácios estão em ruínas e desolados, os seus tronos destruídos, e as suas coroas lançadas ao pó. (‘Abdu’l-Bahá, Star of the West, Volume 3, pags. 252-253)

Eis a questão central sobre a Teoria do Grande Homem: temos alguma evidência de que as pessoas mais influentes da nossa história colectiva causaram verdadeiras mudanças? Se acredita na causalidade, então sabe que cada grande homem ou mulher teve forças históricas significativas a actuar sobre eles, e eles próprios foram efeitos dessas forças.

Todo este conceito — o impacto e a influência duradoura de qualquer indivíduo sobre todos os outros — é fascinante e controverso. Voltaremos a ele no final desta série de artigos; e no próximo artigo, aprofundaremos um pouco mais os ensinamentos Bahá’ís para ver como a teoria da história do Grande Homem se apresenta quando vista de longe.

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Texto original: Challenging the “Great Man Theory” of History (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 28 de junho de 2025

A Solidão no Fim da Vida

Por Maya Pouryaghma.


Quando caminho ocasionalmente pelo lar de idosos onde vivo, noto sempre um dos sentimentos predominantes produzidos por estar nesta instituição e noutras semelhantes: a solidão.

Geralmente, quando pessoas idosas como eu são colocadas em lares de idosos, seja numa base voluntária como eu fiz, ou quando são forçadas a mudar-se para este tipo de instalações por membros da família que já não podem cuidar delas, o sentimento inicial pode ser de alívio – tanto para os idosos como para as suas famílias e cuidadores.

Seja como for, eu sei que foi assim para mim. Não queria ser um fardo para ninguém e, aqui no lar de idosos, sabia que teria os cuidados necessários 24 horas por dia.

Mas estas coisas têm um padrão previsível. No início, pelo menos durante algum tempo, dependendo do número de familiares e da distância que a família e os amigos têm de percorrer, ocorrem visitas frequentes e telefonemas frequentes. Depois, quando instalados e os familiares e amigos têm a certeza de que estamos bem tratados, a frequência das visitas e dos telefonemas pode diminuir, e até o tempo passado com os entes queridos no lar também se torna mais curto.

É então que surge a solidão.

Outras culturas podem não enfrentar este problema, uma vez que as suas tradições significam que tendem a manter os seus idosos por perto e podem até não ter lares de idosos para cuidar deles.

É claro que ninguém pode esperar que os entes queridos estejam constantemente conosco, ignorando as suas necessidades e as das suas famílias, colocando as suas próprias vidas em espera. Isto seria egoísmo por parte dos residentes de qualquer instituição de cuidados continuados.

Eis o melhor conselho que ouvi sobre este assunto dos ensinamentos Bahá’ís, apresentado por ‘Abdu’l-Bahá numa palestra que proferiu na cidade de Nova Iorque em 1912:

Todos deveríamos visitar os doentes. Quando estão tristes e em sofrimento, é uma verdadeira ajuda e benefício ter um amigo que visita. A felicidade é uma grande cura para aqueles que estão doentes. No Oriente é costume visitar frequentemente o doente, e fazê-lo individualmente. As pessoas do Oriente demonstram a maior bondade e compaixão pelos doentes e pelos que padecem. Isto tem um efeito maior do que o próprio medicamento. Deveis ter sempre este pensamento de amor e carinho ao visitar os doentes e os aflitos.

Posso dizer-vos, por experiência própria, que os residentes daqui, e provavelmente de todo o lado, tentam o seu melhor para pensar racionalmente sobre estas questões, mas muitas vezes têm a sensação de estar esquecidos e abandonados. Lembro-me que, quando fui voluntária numa residência para idosos durante alguns anos, antes de ficar doente, havia senhora em particular – uma veterana da Segunda Guerra Mundial – que dizia a todos para não a esquecerem. Era uma senhora maravilhosa, com grandes histórias para contar sobre a sua vida activa. Ela estava consciente da realidade da situação, mas ainda assim a sensação de solidão e o medo de ser esquecida era real e humana.

Eu própria tenho sentido isso. Com tudo o que me mantém ocupada diariamente, e apesar do sono, que agora ocupa uma boa parte da minha vida, por vezes a solidão ainda se manifesta.

Todos os residentes do lar de idosos sabem qual é a realidade, e sabemos que ninguém pode realmente fazer nada em relação à sua situação familiar, mas por vezes aflige-nos um sentimento de irrealidade ou de expectativa ilógica. É nesse momento que devo recorrer ao meu amigo mais próximo e verdadeiro, o Criador amoroso e misericordioso, e pedir a Deus força e pureza de coração. Também peço ajuda para ser paciente, em vez de continuar a perguntar-me quando poderei voltar para casa.

Nesta situação, devo, mais uma vez, repetir esta oração reconfortante atribuída a ‘Abdu’l-Bahá:

Ó Deus, refresca e alegra o meu espírito. Purifica o meu coração. Ilumina os meus poderes. Em Tuas mãos confio todos os meus interesses. És o meu Guia e o meu Refúgio. Não mais se apossarão de mim a tristeza e a ansiedade, mas sim, o contentamento e a alegria. Ó Deus, jamais me entregarei à aflição, nem permitirei que os desgostos me atormentem ou as coisas desagradáveis da vida me inquietem. Ó Deus, és mais meu amigo do que eu o sou de mim mesmo. Dedico-me a Ti, ó Senhor

O meu espírito, refrescado e alegre, ainda está a crescer – mas fisicamente estou a deteriorar-me gradualmente. Ainda tenho a sensação de estar viva e activa, mas a minha Síndrome de Raynaud está a agravar-se e isso, segundo o Dr. Google, pode ser uma das razões para os meus ataques isquémicos passageiros se tornarem mais frequentes – o que pode levar a um AVC. A Síndrome de Raynaud, pelo que percebi, significa que temporariamente não há fluxo de sangue suficiente para alguma parte do corpo e, no meu caso, pode ser uma parte do cérebro.

Isto preocupa-me porque se eu tiver um AVC e não morrer por causa dele, tornar-me-ei um fardo ainda maior para os outros – mas digo a mim mesmo: Então, o que acontece? Mais uma vez, entrego-me a Deus com o meu destino, repetindo: “Em Tuas mãos confio TODOS os meus interesses.” Isso acalma-me. E volto novamente a ser uma velha resmungona.

Eu ia dizer, para quê preocupar-me, a vida é demasiado curta. No entanto, parece que isto não se aplica a mim, uma vez que vivi muito mais tempo do que esperava devido a um cancro do qual já não estou a ser tratada, uma vez que o tratamento é claramente pior do que a doença. Como sempre digo, Deus tem um sentido de humor infinito.

Perceber isto mantém-me humilde, grata e alegre.

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Texto original: Loneliness at the End of This Life (www.bahaiteachings.org)


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Mahin Pouryaghma, tem quase 87 anos, e é iraniana. Desde 1964 que vive na América do Norte e actualmente vive em Marshallville, Geórgia. Mahin comprometeu-se com a Fé Bahá’í desde os seus 30 anos, com o objectivo de servir Deus servindo a humanidade.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Uma Peregrinação à Casa do Báb

Por Manijeh Khorshidi.


Aos doze anos, encontrei-me num espaço sagrado — o quarto onde o Profeta de Deus agraciou a existência em meados do século XIX. Quão prontamente, nos lugares sagrados, a alma se apercebe do amor de Deus e alcança o mistério do sacrifício. Quão facilmente a alma encantada inala o ar doce e perfumado com a fragrância das vestes do Amado e discerne a harmonia tranquila da criação.

No primeiro dia de primavera, ao alvorar do dia, um grupo de Bahá’ís — incluindo os meus pais e os seus filhos — iniciou uma peregrinação gloriosa e inesquecível àquele local santificado. O pequeno grupo, que teve a honra de ter o Sr. Afnan como guia, caminhou em silêncio e reverência em direcção à Casa do seu Amado — a Casa do Báb.

Shiraz, deslumbrante na primavera, com as suas colinas e jardins repletos de cores, onde o jasmim e as rosas competem para perfumar o ar, tornou-se o local escolhido na terra onde se ouviu o chamamento de Deus – em Maio de 1844. Uma cidade que viu nascer poetas como Saadi e Hafiz, foi favorecida por Deus como o lugar do José do Amor, o Seu jovem Profeta, Siyyid Ali Muhammad, o Báb.

A brisa da graça de Deus soprou sobre a terra dos rouxinóis e das flores, fazendo de Shiraz a anfitriã do Rouxinol Espiritual. Naquela noite espetacular e histórica, a Terra — jubilosa e expectante, a esfera celeste pronta a receber — testemunhou a revelação da condição do Profeta e ouviu a Sua mensagem. O manto da aceitação da poderosa Revelação de Deus através do Seu novo Mensageiro naquela noite posou sobre um jovem erudito, o primeiro crente, Mulla Husayn.

Ó tu que és o primeiro a acreditar em Mim! Em verdade Eu digo: Eu sou o Báb, a Porta de Deus. (The Dawnbreakers, p.57)

Mais de um século depois, nesse dia de primavera, o nosso pequeno grupo de peregrinos – à semelhança de milhares vindos de todo o mundo – viajou até à Casa sagrada onde o chamamento de Deus tinha rejuvenescido cada átomo da Terra. Ansiosa por ver a Casa do Profeta, esta criança com grandes expectativas imaginou uma casa palaciana rodeada de jardins grandiosos. No fundo, a mais preciosa dádiva de Deus à humanidade, o Seu Mensageiro – o construtor de uma nova civilização – vivera e caminhara naquele lugar.

No beco estreito não se viam casas ou jardins imponentes; apenas muros altos e portas de madeira fechadas emolduravam o caminho para a Casa do Báb. E então, surgiu uma casa modesta e pequena. Esta era a morada do Bem-Amado do mundo — um ponto brilhante no vasto universo que albergara o Ponto Mais Exaltado, o Ponto Primordial, o iniciador da era Bahá’í nos reinos da existência.

Como é grande o eco destas Palavras em cada coração receptivo, abrangendo o tempo e o espaço para a eternidade:

Eu sou o Ponto Primordial do qual foram geradas todas as coisas criadas. Eu sou o Semblante de Deus, cujo esplendor nunca poderá ser obscurecido, a Luz de Deus, cujo brilho nunca poderá apagar-se. Quem Me reconhece, estão-lhe reservados a segurança e todo o bem, e quem não Me reconhece, esperam-no o fogo infernal e todo o mal… (Epistle to Muhammad Shah)

Assim, cada tijolo daquela Casa tinha uma história para contar, pois “…o Semblante de Deus…, a Luz de Deus…” apareceram ali.

Entrámos no pátio e subimos à sala superior — a sala privilegiada que ouviu o chamamento do Divino, onde estas Palavras foram erguidas:

"Esta noite, esta própria hora, serão celebradas nos dias vindouros como um dos maiores e mais significativos festivais. Agradece a Deus por te ter ajudado graciosamente a alcançar o desejo do teu coração, e por teres sorvido do vinho selecto da Sua palavra." (The Dawn-Breakers, p.62)

As paredes brancas, com nichos para Livros Sagrados e objetos ornamentais, os vitrais, os tapetes persas e a lamparina a óleo ornamentada no centro compunham a beleza simples da sala. Ajoelhei-me no chão, seguindo os outros. Os meus pais, numa oração profunda com olhos fechados, pareciam livres deste mundo — até da relação entre pais e filhos. Recordo a harmonia das cores, o ambiente tranquilo, a forma como tudo pedia que a vida fosse celebrada.

Recitei orações em silêncio, mas elas ecoavam no meu coração. Como esta bela oração do Báb descreve o anseio de cada alma:

Ó meu Deus, meu Senhor e meu Mestre! Desprendi-me dos meus parentes e procurei, através de Ti, tornar-me independente de todos os que habitam a terra e sempre pronto a receber o que é louvável aos Teus olhos. Concede-me o bem que me torne independente de tudo, excepto de Ti, e concede-me uma parte mais ampla dos Teus favores ilimitados. Em verdade, Tu és o Senhor da graça abundante. (Bahá'í Prayers)

Extasiados e sentindo-nos próximos do nosso Senhor, descemos as escadas do lado oposto e regressámos ao pátio, onde se destacava como testemunha a laranjeira que o próprio Profeta tinha plantado. Ver aquela árvore transportou-nos para os dias alegres em que o jovem Profeta e a sua esposa se poderiam ter sentado debaixo dela, apreciando as suas flores e frutos.

A Casa evocava um reflexo luminoso daquela alegria — por mais breve que fosse — quando o Báb e a Sua esposa ali viveram. Transportava a mente para cenas onde os primeiros crentes, as Letras dos Viventes, frequentavam a Casa e levavam ao mundo a poderosa mensagem do Profeta de Deus.

Na profundeza das emoções despertadas naquela Casa Sagrada, era fácil recordar o significado do chamamento do jovem Profeta — que resgatou a Sua vida no altar da existência apenas seis anos após a Sua Declaração. O Seu chamamento preparou os corações dos Seus seguidores para o chamamento ainda maior de "Aquele Que Deus tornará manifesto" — Bahá'u'lláh.

Profeticamente, o Báb previu esse futuro com estas palavras:

... Sacrifiquei-me completamente por Ti; aceitei os insultos por amor a Ti; e por nada ansiei salvo o martírio no caminho do Teu amor.... (O Bab, citado por Bahá’u’lláh no Livro da Certeza, ¶258)

Eu tinha doze anos, não conseguia imaginar como a vida iria mudar para sempre por causa daquela experiência. Aquele lugar sagrado na Terra proporcionou momentos inesquecíveis, indescritíveis.

Estas palavras comoventes de ‘Abdu’l-Bahá vêm-me à mente:

Os lugares sagrados são, sem dúvida, centros de efusão da graça divina, porque ao entrar nos locais iluminados associados aos mártires e às almas santas, e ao observar a reverência, tanto física como espiritual, o coração é tocado com grande ternura. (Synopsis and Codification of the Kitáb-i-Aqdas, p. 61)

A destruição da Casa do Báb pelo regime islâmico no Irão em 1979 — após muitas tentativas anteriores — repercute o medo dos corações que se abrem à brisa da Primavera Divina. Revela o tormento que alguns sentem perante a novidade, o ar fresco da renovação espiritual que chama a humanidade à unidade:

Sois os frutos da mesma árvore e as folhas do mesmo ramo.

Hoje, as almas sedentas em todo o mundo estão privadas da oportunidade de contemplar este edifício sagrado. No entanto, a alma do universo e os mundos de Deus preservam este Lugar Sagrado — quer os seus tijolos e paredes permaneçam no mundo material ou não.

Estas palavras encantadoras de Bahá'u'lláh trazem consolo e esperança:

Bem-aventurado o lugar, a casa, o espaço, a cidade, o coração, a montanha, o refúgio, a gruta, o vale, a terra, o mar, a ilha e o prado onde foi feita a menção de Deus e o glorificado Seu louvor. (Bahá’u’lláh, Baha’i Prayers, p. iii)

Na Revelação de Bahá’u’lláh, nenhuma alma é privada da experiência de “…efusão da graça divina…

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Texto original: Where the Soul Remembers: A Pilgrimage to the House of the Bab (www.bahaiteachings.org)


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Manijeh Khorshidi nasceu e cresceu numa família Bahá'í em Teerão, no Irão. Licenciou-se em odontologia Infantil pela Universidade de Teerão. Em 1979, devido à perseguição sistemática e implacável dos Bahá’ís no Irão pela revolução islâmica, ela abandonou o Irão. Estabelecendo-se na Europa, viveu na Irlanda do Norte e em Londres. Posteriormente, foi para os Estados Unidos da América para prosseguir os seus estudos e a sua carreira. Trabalha como Médica Dentista Infantil há 28 anos em Wisconsin e lecciona no Waukesha Technical College como médica dentista supervisora há 16 anos. A sua paixão na vida, assim como a de milhões de pessoas, é trabalhar pela "Unidade da Humanidade", o princípio fundamental da Fé Bahá'í. O seu livro "Prompts of the Heart, Prose and Poetry" foi publicado em 2023. Alguns dos seus escritos foram publicados em reedsy.com e medium.com. Vive com o marido, Robert Malouf, um poeta, em Brookfield, Wisconsin.

sábado, 14 de junho de 2025

A sociedade humana progride?

Por David Langness.

Acredita na causa e efeito? Actualmente, é difícil encontrar alguém que rejeite esta ideia — por isso, a maioria de nós aceita o conceito de causalidade.


Só para verificarem, aqui fica a premissa: um processo (a causa) interage com outro processo e produz o efeito. Os seus pais uniram-se e você nasceu — eles eram as causas, e você é o efeito. A água corrente de um rio flui para baixo devido à lei da gravidade; construímos uma barragem com turbinas; as turbinas produzem eletricidade; a eletricidade alimenta o aparelho que você está a usar agora para ler este texto. Causa e efeito: a causa é responsável e o efeito depende dessa causa.

Actualmente, a causalidade parece-nos elementar porque é a base de todo o método científico. Mas pensemos na causalidade em termos de história por um momento. Se a história é cíclica, como muitos gregos antigos acreditavam, isso negaria a lei da causalidade, porque num universo cíclico causas diferentes resultariam sempre no mesmo efeito básico. Foi assim que surgiu a Teoria Linear da história, e a própria ideia de progresso — os primeiros filósofos e cientistas observaram causas e os seus efeitos e depois aplicaram essa teoria linear à própria história.

Até os filósofos pré-platónicos tinham algumas teorias de causalidade, mas Platão provavelmente disse-o melhor: “…tudo o que existe ou muda deve-o a alguma causa; pois nada pode existir sem uma causa.” – Timeu, 28a.

Aristóteles expandiu esta ideia de causalidade, e os filósofos estoicos, com a sua firme crença na derradeira coerência do universo, levaram-na ainda mais longe:

Os acontecimentos anteriores são causas daqueles que os seguem, e desta forma todas as coisas estão interligadas, e assim nada acontece no mundo que não seja inteiramente consequência disso e a ele ligado como causa. […] De tudo o que acontece segue-se algo mais, dependendo disso por necessidade como causa. (Um filósofo estoico desconhecido)

Faz sentido, certo? A Teoria Linear diz que a própria história se baseia na causa e no efeito, o que significa que o mundo progride constantemente, avançando para um objetivo final.

Na Teoria Linear, a história não se repete, embora alguns acontecimentos possam parecer semelhantes a outros do passado. Mark Twain disse a famosa frase: "A história não se repete, mas rima". Em vez disso, uma visão linear da história reflecte a regra da causalidade — uma coisa acontece, depois outra, e depois outra — tudo a partir da causa original do que quer que tenha acontecido primeiro. Na escola, respondíamos àquelas perguntas de causalidade em todos os testes ou composições de História: "O que causou a Guerra Civil Americana?" ou "Enuncie cinco factores que causaram o colapso da União Soviética".

Dadas as nossas crenças modernas na ciência e no método científico, é difícil argumentar contra a causalidade. Mas eis o principal argumento contra a sua aplicação à história: só porque a causalidade é verdadeira, não significa que a civilização humana progrida realmente. Como o progresso implica melhoria, e o século XX testemunhou tamanha barbárie e guerras globais destrutivas, muitos historiadores argumentam agora contra a própria ideia do progresso humano, chamando-lhe mito. O progresso, dizem, é na verdade uma invenção da era do Iluminismo, posteriormente avançada por Darwin e Spencer, que afirma que a evolução humana tende sempre a tornar a vida melhor. A Primeira Guerra Mundial praticamente acabou com a teoria do progresso de Spencer, chamada "darwinismo social", porque a humanidade viu como os avanços na tecnologia e na guerra nos poderiam levar a regredir em vez de progredir.

Os ensinamentos Bahá’ís apontavam esta dura realidade muito antes da Primeira Guerra Mundial:

Consequentemente, quando observares o padrão ordenado dos reinos, cidades e aldeias, com o encanto dos seus adornos, a frescura dos seus recursos naturais, o refinamento dos seus utensílios, a facilidade dos seus meios de transporte, a extensão do conhecimento disponível sobre o mundo natural, as grandes invenções, os empreendimentos colossais, as nobres descobertas e as pesquisas científicas, concluirás que a civilização conduz à felicidade e ao progresso do mundo humano. Contudo, se voltares o teu olhar para a descoberta de máquinas destrutivas e infernais, para o desenvolvimento de forças de demolição e para a invenção de instrumentos de fogo, que despedaçam a árvore da vida, tornar-se-á evidente e manifesto para ti que a civilização está conjugada com a barbárie. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, nº 225)

A teoria linear da história caiu em desuso no mundo moderno, principalmente por causa deste problema do progresso levantado por ‘Abdu’l-Bahá. Vimos, vezes sem conta, como os avanços materiais e tecnológicos tornaram a vida melhor para uns e muito pior para muitos outros. Os ensinamentos Bahá’ís dizem que isto será sempre assim — até encontrarmos formas de incutir ideais espirituais nas nossas civilizações:

O progresso e a barbárie andam de mãos dadas, a não ser que a civilização material seja confirmada pela Orientação Divina, pelas revelações do Todo-Misericordioso e pelas virtudes piedosas, e seja reforçada pela conduta espiritual, pelos ideais do Reino e pelas efusões do Reino do Poder. (Idem)

No próximo artigo desta série, veremos se conseguimos encontrar uma forma de compreender como estas virtudes individuais e ideais espirituais encontram o seu caminho nas nossas civilizações, examinando a Teoria do Grande Homem da história.

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Texto original: Does Human Society Progress? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 7 de junho de 2025

Procurar a Verdade num Mundo Polarizado

Por Ingo Hofmann.


A pensadora e filósofa judaico-alemã Hannah Arendt, que imigrou para os EUA após a tomada do poder pelos nazis, escreveu em 1957 um artigo intitulado “Verdade e Política” para a revista a New Yorker onde afirmava:

Nunca ninguém duvidou que a verdade e a política se desentendem, e ninguém, que eu saiba, considerou alguma vez a veracidade como uma virtude política. As mentiras sempre foram consideradas ferramentas necessárias e justificáveis, não só do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista.

Esta análise crítica da época da Guerra do Vietname também é aplicável às guerras do século XXI.

Infelizmente, as mentiras, os fanatismos e os preconceitos iniciam guerras.

Então, como é que lidamos com a busca da verdade quando os países e as facções em guerra têm versões completamente diferentes daquilo que consideram ser a verdade? Hoje, o discurso público é ainda mais perturbado pela desinformação e pela propaganda, tornando-se ainda mais difícil procurar e encontrar a verdade.

Numa perspetiva Bahá'í, o encontro de diferentes opiniões marca sempre o início de um processo de busca da verdade, seja em esferas pessoais, fóruns inter-religiosos ou em qualquer outro lugar. De facto, este princípio — a investigação independente da verdade — é uma das crenças fundamentais da Fé Bahá’í. ‘Abdu’l-Bahá, num discurso proferido em Washington, D.C., em 1912, afirmou:

O primeiro ensinamento de Bahá’u’lláh é o dever de todos de investigar a realidade. O que significa investigar a realidade? Significa que o homem deve esquecer todos os rumores e examinar a verdade por si mesmo, pois não sabe se as declarações que ouve estão de acordo com a realidade ou não. Onde quer que encontre a verdade ou a realidade, deve agarrar-se a ela, abandonando e descartando tudo o resto; pois fora da realidade não há senão superstição e imaginação.

Em termos práticos, isto significa que só o caminho, muitas vezes árduo, da consulta — a que podemos alternativamente chamar discussão ou diálogo — conduz, passo a passo, à descoberta da verdade. 'Abdu'l-Bahá disse ainda: "A faísca brilhante da verdade surge apenas após o choque de opiniões divergentes."

Assim sendo, tornou-se crucial que, numa atitude de respeito mútuo, todas as alternativas ou opiniões apresentadas sejam permitidas, e que todos os participantes em qualquer discurso se sintam livres para expressar as suas opiniões. Só a capacidade de encontrar a verdade, apesar da ampla diversidade de opiniões, nos pode ajudar em tempos de crise a evitar a polarização e a divisão. Devemos ouvir todos.

Isto levanta a seguinte questão: como é que a falta de veracidade política lamentada por Arendt contribui para a incerteza, a desconfiança e a polarização? A perda de consenso em questões sociais importantes — nomeadamente, a perda da capacidade para tomar decisões que possam ser igualmente apoiadas pela maioria da população — pode pôr em perigo democracias que dependem da verdade para a sua sobrevivência.

Paz - A  Principal Preocupação da Humanidade


As guerras dos séculos XX e XXI falam-nos agora em termos claros: ninguém “ganhou”. Só houve vencidos. Com a globalização e a crescente divisão do mundo em blocos geopolíticos cada vez mais alienados, esta tendência pode agravar-se. Mais armamento não traz solução. Antes destes dois séculos repletos de guerras sem esperança, Bahá’u’lláh, o fundador da Fé Bahá’í, escreveu sobre uma necessária paz mundial:

Tal paz exige que as Grandes Potências resolvam, para tranquilidade dos povos da terra, reconciliar-se plenamente entre si. Se algum rei pegar em armas contra outro, todos unidos, deverão levantar-se e impedi-lo. Se isto for feito, as nações do mundo não mais precisarão de armamentos, excepto a fim de preservar a segurança dos seus domínios e manter a ordem interna dentro dos seus territórios. (Epístola a Maqsud, ¶8)

Garantir a paz como uma tarefa conjunta de todas as nações do mundo é, por isso, uma tarefa inevitável e necessária para o bem-estar futuro da humanidade.

Com a criação da Sociedade das Nações na década de 1920 e das Nações Unidas na década de 1940, foram dados os primeiros passos nesta caminhada global rumo à segurança colectiva de toda a humanidade. Estes pequenos passos, por mais imperfeitos que fossem, impulsionaram a nossa família humana para o objectivo da unidade e da paz.

Estes primeiros passos reconheceram implicitamente – como os ensinamentos Bahá’ís têm afirmado desde meados do século XIX – que devemos agora considerar toda a raça humana como uma única família, ultrapassando todas as fronteiras, sejam elas nacionais, religiosas ou étnicas. Numa oração que revelou na Igreja de Todas as Almas em Chicago, em 1912, ‘Abdu’l-Bahá pediu ao Criador:

Une todos. Permite que as religiões concordem e faz com que as nações sejam uma só, para que se vejam como uma só família e toda a Terra como um único lar. Que todos vivam juntos em perfeita harmonia.

Embora a humanidade ainda pareça longe de alcançar a justiça social, a harmonia perfeita pareça um objectivo impossível e o desmantelamento de fronteiras continue a ser um desafio em todo o lado, a nossa compaixão por todas as pessoas que sofrem com guerras e aflições deve ser abrangente. Acima de tudo, a compaixão unilateral não deve conduzir ao ódio; o ódio pode facilmente ser utilizado para justificar mais guerras.

Antes da Primeira Guerra Mundial, em 1911, durante um discurso em Paris, 'Abdu'l-Bahá apelou aos seus ouvintes para "mostrarem compaixão e boa vontade para com toda a humanidade". Podemos alcançar melhor este elevado objectivo fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar guerras futuras.

Como? É evidente que a crescente polarização nas nossas sociedades e no mundo em geral é, em grande medida, uma herança do passado. Os ensinamentos Bahá’ís incentivam-nos a alinhar a nossa bússola interior com o futuro, concentrando os nossos pensamentos, discursos e acções no bem-estar de toda a raça humana. Podemos trabalhar para um futuro pacífico se centrarmos os nossos pensamentos e acções ao serviço dos outros — no nosso ambiente pessoal, na nossa região do mundo e, de preferência, à escala global.

Uma versão anterior deste artigo apareceu pela primeira vez em alemão neste link:

https://www.perspektivenwechsel-blog.de/bahai-artikel/diskurs-mitreden

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Texto original: Seeking Truth in a Polarized World (www.bahaiteachings.org)


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Ingo Hofmann é doutorado em física pela universidade de Munique e professor na Goethe-University, em Frankfurt (Alemanha). Nos anos mais recentes trabalho como representante para assuntos externos da Comunidade Bahá'í da Alemanha É autor do livro Apokalypse im Umbruch der Zeit (BoD, 2019) onde apresenta e desenvolve o tema deste artigo.

sábado, 31 de maio de 2025

Einstein acreditava num Criador?

Por Vahid Houston Ranjbar.


Há pessoas que adoptam um conceito muito abstrato de Deus, conceito esse que é referido como o Deus de Einstein.

Einstein referiu-se a si próprio como um crente “panteísta” no “Deus de Espinosa” — um Ser Supremo abstrato e impessoal. Sentia também que o problema de Deus era “o mais difícil do mundo” e considerava-o “demasiado vasto para as nossas mentes limitadas”. Ele disse:

Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia jurídica do mundo, e não num Deus que se preocupa com o destino e as ações da humanidade. (Albert Einstein, entrevista com George Sylvester Viereck, Glimpses of the Great, p. 375)

Embora possa discordar dos detalhes do panteísmo de Einstein, ainda me sinto filosoficamente muito próximo desta abordagem, tal como muitos cientistas modernos. Na verdade, o Deus de Einstein pode ser aplicado ao que eu chamo de “Deus na sua essência”.

Como Bahá'í, negaria qualquer conhecimento pessoal directo de Deus. No entanto, acredito que existe um Criador real manifesto no universo, abstraído sob este "Deus na sua essência", que está consciente, é pessoal, e que tem sido descrito através de mensageiros ao longo da história humana — o mesmo Deus teísta descrito pelos profetas e fundadores das principais religiões. Os ensinamentos Bahá’ís referem-se a este Criador como uma “Essência” incompreensível e incognoscível:

Sabei que a realidade da Divindade e a natureza da Essência divina é a sacralidade inefável e a santidade absoluta; isto é, está exaltado acima e santificado para além de todo o louvor. Todos os atributos conferidos aos mais elevados graus da existência são, em relação a esta condição, mera imaginação. O Invisível e o Inacessível nunca poderão ser conhecidos; a Essência absoluta nunca poderá ser descrita. Pois a Essência divina é uma realidade abrangente, e todas as coisas criadas são abrangidas. O que tudo abrange deve ser certamente maior do que aquilo que é abrangido, e assim este último não pode de modo algum descobrir o primeiro ou compreender a sua realidade. Por muito que as mentes humanas possam evoluir, mesmo que alcancem o mais elevado grau da compreensão humana, o limite máximo desta compreensão é contemplar os sinais e os atributos de Deus no mundo da criação e não no reino da divindade. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, p. 165)

Compare-se esta perspectiva, originalmente expressa por ‘Abdu’l-Bahá em 1904, com a de Einstein, numa entrevista que deu em 1930:

A mente humana, por muito bem treinada que esteja, não consegue compreender o universo. Estamos na condição de uma criança pequena, a entrar numa enorme biblioteca cujas paredes estão cobertas até ao tecto com livros em muitas línguas diferentes. A criança sabe que alguém deve ter escrito aqueles livros. Não sabe quem, nem como. Ele não compreende as línguas em que estão escritos. A criança nota um plano definido na disposição dos livros, uma ordem misteriosa, que não compreende, mas apenas suspeita vagamente. Esta, parece-me, é a atitude da mente humana, mesmo a mais grandiosa e culta, em relação a Deus. Vemos um universo maravilhosamente organizado, obedecendo a determinadas leis, mas compreendemos essas leis apenas vagamente. As nossas mentes limitadas não conseguem compreender a força misteriosa que influencia as constelações. (Albert Einstein, entrevista com George Sylvester Viereck, Glimpses of the Great, pp. 372-373)

Apesar destas visões sofisticadas de um Motor Imóvel no universo, a religião, em particular grande parte do teísmo tradicional, parece estar em total declínio na cultura mais ampla. Cada vez menos pessoas, sobretudo os jovens, querem ter qualquer relação com a fé religiosa tradicional. Na minha experiência, os ataques ao teísmo parecem estar a crescer na natureza da sua crueldade, no ridículo e no escárnio, espalhando-se para além da classe intelectual tradicional e atingindo todas as classes sociais. À medida que este tipo de descrença se espalha, o antagonismo dirigido à religião parece crescer, alimentado por um sentimento de traição e pela raiva de se sentir enganado.

Muitos observadores atribuem esta tendência ao assassinato em massa, à tirania, à corrupção e à celebração da ignorância perpetrados em nome da religião, tanto no passado como no presente. Por vezes, porém, a rejeição do teísmo tornou-se tão dogmática e irrefletida que reflete a mentalidade do literalista ultrarreligioso — sendo qualquer indício de teísmo considerado uma espécie de ilusão anticientífica e tirânica, rejeitado sem qualquer consideração. Por outro lado, aqueles que ainda se agarram às crenças tradicionais literalistas, embora em declínio, tornaram-se agora mais incisivos na sua rejeição da ciência e do intelectualismo.

É claro que muitos teístas aceitam a racionalidade e a autoridade da ciência moderna, mas as suas vozes parecem mais fracas e os argumentos para a crença mais vagos, e por vezes a ciência parece opor-se à sua posição.

Em apoio desta posição — uma fé firme num Criador coerente e coexistente com uma aceitação racional das verdades exemplificadas pela ciência — quero expor as minhas razões lógicas para a crença no segundo ensaio desta série de três partes.

Devo dizer em primeiro lugar, porém, que tenho outras razões mais importantes baseadas na minha experiência pessoal com as Escrituras de Bahá’u’lláh, a oração e a meditação, mas estas podem não ser facilmente compreendidas por outros — pelo que, no próximo ensaio, vou cingir-me à razão, à lógica e à ciência, tal como Einstein fez.

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Texto original: Did Einstein Believe in a Creator? (www.bahaiteachings.org)


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Vahid Houston Ranjbar é um físico que trabalha no Relativistic Heavy Ion Collider no Brookhaven National Labs.