sábado, 1 de agosto de 2015

A graça de Deus é uma só

Por Christopher Buck.


Quem acredita num Deus único, é monoteísta. Mas que tipo de monoteísta?

No seu artigo "Notas para uma Tipologia do Monoteísmo" (1957, em italiano), o ilustre académico italiano Alessandro Bausani apresentou e expôs o seu conceito de monoteísmos primários e secundários.

No texto anterior, descrevemos os "monoteísmos primários" (Judaísmo e Islão) que nasceram em ambientes politeístas (que Bausani designa como "naturalismo pagão") e os "monoteísmos secundários" (Cristianismo e Fé Bahá'í) que surgiram em ambientes monoteístas.

Portanto, de acordo com Bausani, historicamente o Judaísmo e o Islão foram mais agressivos na disseminação da sua Fé, uma vez que cada uma teve que lutar contra as sociedades idólatras prevalecentes. Judaísmo e Islão, além disso, começaram inicialmente por enfatizar os atributos divinos dos tremenda majestas (a tendência para causar enorme medo ou horror). Os monoteísmos secundários (Cristianismo e a Fé Bahá'í), em geral, foram menos agressivos e salientavam os atributos divinos dos fascinans (a tendência de atrair ou fascinar). Por outras palavras, o Judaísmo e o Islão salientam a natureza omnipotente de Deus, enquanto o Cristianismo e a Fé Bahá'í destacam a natureza mística de Deus.

No Judaísmo e no Islão, Deus ocupa a posição central. No Cristianismo e na Fé Bahá'í, a atenção desloca-se um pouco, e está centrada nos seus Fundadores (isto é, Jesus Cristo e Bahá'u'lláh).

Os monoteísmos secundários (Cristianismo e a Fé Bahá'í) atribuem um significado especial à dor e ao sofrimento, especialmente no caso do seu Fundador ou de personagens especiais, como, por exemplo, o "filho sacrificado de Deus" (Jesus Cristo) no Cristianismo, e o martírio do Bab na história Bahá'í (o Báb foi o arauto de Bahá'u'lláh, tal como João Baptista preparou o caminho para o advento de Jesus Cristo).

Os monoteísmos secundários concentram o divino - e a graça da salvação - na pessoa do fundador da religião. Portanto, quem afirma “Cristo é o Senhor" ou "Bahá'u'lláh é o manifestante de Deus” encontra a regeneração espiritual nessa mesma crença, e torna-se uma parte da comunidade universal dos crentes.

Poderia escrever muito mais sobre este assunto. Mas penso que já identificámos vários pontos-chave, e gostaria de acrescentar outros igualmente importantes. Quando Bausani analisa o Cristianismo e a Fé Bahá'í, ele diz que existe aqui uma "vasta semelhança entre estes dois monoteísmos". Vejamos porquê:

  • Em primeiro lugar, no que toca às suas origens históricas, Bausani assinala que "ambos surgem como o cumprimento de uma «expectativa escatológica»”. Por outras palavras, Jesus Cristo e Bahá'u'lláh apareceram cumprindo as profecias das suas religiões-mãe, o Judaísmo e o Islão.
  • Em segundo lugar, Bausani explica ainda que "ambos surgem em áreas espirituais dos monoteísmos primários" e nota "a influência de outras culturas". O Cristianismo nasceu de uma "cultura helenística-neoplatónica: o Judaísmo do tempo de Cristo”. Da mesma forma, a Fé Bahá'í surgiu a partir de uma "cultura maniqueísta-gnóstica iraniana”: o Irão xiita. "Assim o Cristianismo e a Fé Bahá'í surgiram cada uma sob a influência de uma forma especial de religiosidade monoteísta especialmente propícia ao nascimento de um «monoteísmo secundário»", afirma Bausani.
  • Em terceiro lugar, afirma Bausani, "em ambos a ideia de Deus estava psicologicamente, se não teoricamente, subordinada à ideia do Fundador". Isso não significa que Jesus Cristo e Bahá'u'lláh, como fundadores do Cristianismo e da Fé Bahá'í, eram mais importantes do que Deus. Deus nos livre! Bausani simplesmente nota que, numa cultura onde a crença num Deus supremo existe há muito tempo, o advento de um novo profeta ou mensageiro de Deus atrairia naturalmente mais atenção.
  • Em quarto lugar, continua Bausani, o Judaísmo e o Islão enfatizam a majestade e poder de Deus, enquanto o Cristianismo e a Fé Bahá'í dão mais importância à natureza misteriosa e amorosa de Deus. 
  • Em quinto lugar, prossegue Bausani, “em ambos os monoteísmos secundários, os martírios e os sofrimentos do Fundador e dos seus seguidores assumem uma importância vital, em nítido contraste com o que acontece nos monoteísmos primários". Salientando a importância da crucificação de Cristo, o martírio do Báb e os sofrimentos de Bahá'u'lláh, Bausani sugere: "Estes martírios e sofrimentos vão ao ponto de assumir um valor redentor no Cristianismo e uma importância mais genericamente purificadora e redentora no Babi-Bahaismo”. E destaca que, no caso de a crucificação de Cristo e do martírio do Báb (co-fundador da Fé Bahá'í), "a maior intensidade sagrada da pessoa do fundador" deve-se ao facto de que "os profetas não são mortos por pagãos, mas por pessoas que, para o bem e para o mal, são os representantes do Deus Uno, o povo de Deus."
  • Em sexto lugar, Bausani observa que “ambos os monoteísmos secundários fundam instituições sagradas", apontando a "Igreja Carismática no Cristianismo" e "a «Ordem Administrativa», a Arca Redentora, Safina Hamra ["Arca Carmesim"], no Bahaismo”. Em português: a Igreja é uma instituição importante no Cristianismo. Também, na Fé Bahá'í, a "Ordem Administrativa" - uma série de conselhos locais, nacionais e internacionais eleitos pelos Bahá'ís em todo o mundo - é o centra da vida da comunidade Baha'i.

Para os Cristãos que exploram os ensinamentos Bahá'ís, ou para os Bahá'ís que vêm de origens cristãs, esses paralelismos fascinantes podem explicar muita coisa sobre a relação entre as duas religiões, e fazer eco dos apelos de Cristo e Bahá'u'lláh para o amor e a unidade:
Agora é o momento para os que amam Deus erguerem bem alto os estandartes da unidade, de entoarem, nas congregações do mundo, os versículos da amizade e do amor e para demonstrar a todos que a graça de Deus é uma só. Assim os tabernáculos da santidade serão erguidos nos pontos mais altos da terra, reunindo todos os povos à sombra protectora da Palavra da Unidade. (‘Abdu'l-Bahá, Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, #7).
Os meus agradecimentos ao investigador Baha'i Julio Savi pela sua tradução do segundo artigo de Bausani, a partir da qual foram obtidas as citações anteriores.

Espero que estes textos sobre os dois artigos de Alessandro Bausani lancem uma nova luz sobre as religiões monoteístas, sobre os seus diferentes tipos, e sobre a sua ligação orgânica entre si.

A graça de Deus é uma só.

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Texto original: The Grace of God is One (bahaiteachings.org)

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Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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