sábado, 26 de abril de 2025

As profecias provam alguma coisa?

Por Christopher Buck.


Todos nós já ouvimos falar de falsas profecias; mas, e as verdadeiras? As profecias verdadeiras são profecias genuínas — aquelas que realmente cumprem uma visão real do futuro.

É claro que as profecias podem ser cumpridas por várias pessoas e podem ser cumpridas mais do que uma vez. É preciso fé e discernimento para distinguir entre afirmações verdadeiras e falsas sobre o cumprimento das profecias.

As falsas profecias que analisámos até agora nesta série de artigos foram muitas vezes escritas após os factos. De um modo geral, as verdadeiras profecias são de natureza mais genérica. Regra geral, quanto mais detalhada e específica for a profecia, mais duvidosa poderá ser e, por conseguinte, exigirá uma verificação mais minuciosa.

As verdadeiras profecias realizam-se quando um verdadeiro profeta, que fala a verdade ao poder, proclama que a profecia se cumpriu. Os estudiosos da religião designam essa declaração como afirmação da verdade. A verdade ou falsidade de uma dada afirmação de verdade não pode ser determinada objectivamente, em termos gerais. Em vez disso, se uma afirmação é amplamente aceite pelos seguidores de uma fé, então é geralmente considerada verdadeira.

Algumas profecias - sobretudo as militantes - serviram até de carne para canhão para os líderes revolucionários e para as revoluções que lideraram.

Para evitar interpretações erradas, devemos primeiro determinar se uma profecia é literal ou figurada (i.e., simbólica).

Um discurso pode ser literal, ou figurado, ou ambos. Normalmente estas duas características combinam-se no discurso. O discurso literal - quando o falante pretende que as suas palavras sejam interpretadas literalmente - significa que não há necessidade de interpretação envolvida. No discurso literal, as palavras significam o que dizem e as palavras dizem o que significam.

O discurso figurado é diferente. Mais uma vez, as palavras significam o que dizem, mas nem sempre dizem o que querem dizer. Por exemplo, considere-se as seguintes palavras de Jesus:

Mas Jesus respondeu: «Vão lá dizer a essa raposa que eu expulso espíritos maus e faço curas hoje e amanhã, mas ao terceiro dia termino. (Lc 13:32)

Aqui, Jesus está a falar do Rei Herodes, e chama-lhe “raposa”. Obviamente, Jesus não o quis dizer literalmente. Os leitores compreendem intuitivamente que Jesus está a falar metaforicamente. Por outras palavras, Jesus usa uma metáfora.

Quando aplicado ao Rei Herodes, a palavra “raposa” é entendida como referindo-se ao carácter do Rei, que entendemos como astuto, esperto, manhoso, trapaceiro, evasivo, tortuoso, evasivo, dúbio, falso, enganoso, dissimulado, indigno de confiança, desonesto e traiçoeiro. Esta interpretação, no entanto, pode estar errada. Como diz um estudioso:

Ao tentar compreender o que Jesus disse, a questão crítica para o tradutor é que ideia ele [Jesus] transmitiu aos seus ouvintes através do uso da metáfora “Herodes é uma raposa”. Em particular, qual era o ponto de semelhança que Jesus estava a estabelecer entre uma raposa e Herodes? …

Jesus não pretendia que os seus ouvintes compreendessem que Herodes era astuto quando respondeu lhe disseram de que Herodes o queria matar. Em vez disso, estava a comentar a inépcia ou incapacidade de Herodes para cumprir a sua ameaça. Jesus questionou a linhagem, a estatura moral e a liderança de Herodes, rebaixando-o e colocando-o no seu devido lugar. …

Esta conclusão está de acordo com a compreensão da metáfora conhecida como teoria da metáfora conceptual, onde a metáfora “Herodes é uma raposa” é vista como uma extensão de uma metáfora mais básica, “As pessoas são animais”. No Antigo Testamento há outra extensão da metáfora básica “As pessoas são animais”, ou seja, “O rei é um leão” (ver, por exemplo, 2 Sam 17.10; Pv 19.12; 20.2; 28.15), mostrando que esta é uma metáfora reconhecida no hebreu bíblico.

Assim sendo, é muito provável que quando Jesus se referiu a Herodes como "essa raposa", aqueles com quem estava a falar tivessem em mente a metáfora básica habitual para um rei e reconheceriam imediatamente que, ao utilizar a metáfora "Herodes (o rei) é uma raposa", Jesus pretendesse transmitir que Herodes estava em extremo contraste com alguém que se conformava com o seu conceito normal de rei: "O rei é um leão". (E.A. Hermanson, “Kings are Lions, but Herod is a Fox: Translating the Metaphor in Luke 13.32,” The Bible Translator, pp. 235, 237)

Bahá’u’lláh afirmou que as profecias são um “teste”, de tal modo que só os puros de coração podem verdadeiramente perceber a natureza da profecia em si e a verdade do seu cumprimento. No Livro da Certeza, Ele escreveu:

Sabe tu, em verdade, que o propósito subjacente a todos estes termos simbólicos e alusões abstrusas que emanam da Causa sagrada dos Reveladores de Deus tem sido testar e provar os povos do mundo, para que a terra dos corações puros e iluminados se distinga do solo árido e perecível. Desde os tempos imemoriais esse tem sido o caminho de Deus entre as Suas criaturas e disto dão testemunho os registos dos livros sagrados. (¶53)

Assim, em vez de provarem verdadeiras ou falsas, as profecias provam se o entendimento do leitor é verdadeiro ou não. Ou seja, o propósito das verdadeiras profecias, segundo Bahá’u’lláh, “tem sido testar e provar os povos do mundo”.

Isto leva-nos a uma questão importante: por que razão são utilizadas metáforas nas Escrituras? Segundo Hermanson, “a metáfora é frequentemente utilizada porque é a forma mais precisa pela qual o autor pode expressar o que quer dizer, e não apenas para efeito retórico”.

Com estes princípios interpretativos em mente, o próximo artigo considerará o regresso de Jesus. O que “regresso” realmente significa é mais bem compreendido pelo que não significa, como ‘Abdu’l-Bahá explicou:

Mas voltemos ao nosso tema original. Nos Livros Sagrados e nas Sagradas Escrituras é mencionado de um “regresso”, mas os ignorantes não conseguiram compreender os seus significados e imaginaram que se referia à reencarnação. Pois o que os Profetas de Deus queriam dizer com “regresso” não é o retorno da essência, mas dos atributos; não é o regresso do próprio Manifestante, mas das Suas perfeições.

No Evangelho é dito que João, filho de Zacarias, é Elias. Com estas palavras não se quer dizer o regresso da alma racional e da personalidade de Elias no corpo de João, mas sim que as perfeições e os atributos de Elias se tornaram claros e manifestos nele. (Some Answered Questions, newly revised edition, p. 333)

Portanto, regresso não é reencarnação. No próximo artigo desta série, exploraremos o que significa realmente o regresso.

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Texto original: Do Prophecies Prove Anything? (www.bahaiteachings.org)


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Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuiu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

domingo, 20 de abril de 2025

Na Páscoa, consideremos a pergunta de Cristo: "E vocês, quem acham que eu sou?"

Por Christopher Buck.
 

Lembram-se quando Jesus fez a famosa pergunta: “Quem diz o povo que eu sou?” no Evangelho de Marcos, seguido da pergunta seguinte: “E vocês, quem acham que eu sou?

É claro que nenhum de nós testemunhou Jesus a fazer realmente estas perguntas - mas Jesus fez estas duas perguntas não só em Marcos 8:27-29, mas também nas suas passagens paralelas, em Mateus 16:13-16 e Lucas 9:18-20.

Na verdade, na sua essência, estas duas questões são a mesma questão, mas de uma perspectiva social (“as pessoas dizem”) e pessoal (“vocês dizem”).

Hoje, no Domingo de Páscoa, a pergunta convida à nossa reflexão mais profunda, como se Jesus a tivesse feito de novo a cada um de nós directamente.

O dia 30 de Março de 1997 foi um Domingo de Páscoa que nunca esquecerei. Poucos dias antes, um jornalista, editor de religião do The Ottawa Citizen, ligou-me e disse que estava a escrever um artigo de destaque para ser publicado no Domingo de Páscoa com o título: “Domingo de Páscoa: Como os outros o vêem: Jesus pergunta a todas as pessoas: ‘Quem é que as pessoas dizem que eu sou?’ Eis as respostas de vários não-cristãos.

Porque é que o jornalistra me ligou? Provavelmente porque, nessa época, eu era professor auxiliar na Universidade Carleton, em Ottawa, e era conhecido como membro da Comunidade Bahá’í, que não tem clero. Durante este período, eu era também estudante de doutoramento na Universidade de Toronto, mas tinha-me mudado para Ottawa, onde a minha querida esposa, Nahzy Abadi Buck, conseguiu um emprego como analista de informações.

Assim, escrevi o texto abaixo, que foi publicado no The Ottawa Citizen sob o título “Bahá’í e Jesus” (o título é do editor de religião, não é meu):

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Bahá'í e Jesus

O Dr. Christopher Buck é Bahá'í e professor de Religião na Universidade de Carleton. Ele escreve:

...Bahá’u’lláh, que fundou a Fé Bahá’í na Pérsia no século XIX e sofreu prisão e exílio pelas suas crenças [escreveu]:

“Sabei que quando o Filho do Homem entregou o espírito a Deus, toda a criação chorou num grande pranto. Ao sacrificar-Se, porém, uma nova capacidade infundiu-se em todas as coisas criadas. As suas evidências, como se testemunha em todos os povos da terra, estão agora manifestas diante de vós. A sabedoria mais profunda que os sábios proferiram, o conhecimento mais vasto que qualquer mente desvendou, as artes que as mãos mais hábeis produziram, a influência exercida pelo mais poderoso dos governantes, são apenas manifestações do poder vivificador libertado pelo Seu Espírito transcendente, omnipresente e resplandecente.

Testemunhamos que quando Ele veio ao mundo, derramou o esplendor da Sua glória sobre todas as coisas criadas. Através d’Ele, o leproso recuperou da lepra de perversidade e da ignorância. Através d'Ele o ímpio e rebelde foram curados. Através do Seu poder, nascido do Deus Todo-Poderoso, os olhos dos cegos abriram-se e a alma do pecador santificou-se.

A lepra pode ser interpretada como qualquer véu que se interpõe entre o homem e o reconhecimento do Senhor, seu Deus. Aquele que se deixa afastar d’Ele é de facto um leproso, que não será lembrado no Reino de Deus, o Poderoso, o Todo-Louvado. Testemunhamos que através do poder do Verbo de Deus todo o leproso foi purificado, toda a enfermidade foi curada, toda a debilidade humana foi banida. Ele é Quem purificou o mundo. Bem-aventurado o homem que, com um rosto radiante de luz, se volveu para Ele.

Esta afirmação é notável pois Bahá’u’lláh atribui a ascensão da civilização ocidental ao poder espiritual libertado pela paixão de Cristo na Cruz. As obras-primas da arte, as grandes obras da filosofia, as descobertas da ciência e até a ascensão das grandes potências na Europa do século XIX são atribuídas à influência de Cristo. Isto faz parte da teoria de Bahá’u’lláh sobre a civilização e do papel que Jesus Cristo desempenhou nela.

Em termos comparativos, esta parece-me ser uma cristologia bastante singular. Bahá'u'lláh tem uma cristologia muito elevada. Nas suas características básicas, difere pouco de uma perspetiva cristã, excepto que os Bahá’ís veem Cristo como Deus na natureza, mas não na essência. (Bahá'u'lláh propôs uma doutrina de Manifestação no lugar da doutrina cristã da Encarnação). Há ainda o facto de a cristologia de Bahá'u'lláh não ser exclusiva, pois reconhece a autenticidade e a grandeza de Muhammad, Zoroastro, Krishna e também do Buda. Ainda assim, Bahá’u’lláh atribui claramente uma enorme importância ao acontecimento de Cristo.

A Cruz é vista como um acontecimento cósmico, e a pessoa e a obra de Cristo são vistas como um ponto de viragem na história humana. A ligação de Bahá’u’lláh entre o acontecimento de Cristo e a história da civilização ocidental vai muito para além de qualquer noção de salvação pessoal no sentido tradicional, de tal modo que, no meu próprio entendimento, Bahá’u’lláh estende aquilo a que os teólogos sistemáticos chamam a ordem da salvação à própria civilização. Os Bahá'ís estão bastante preocupados com aquilo a que os teólogos chamam salvação mútua, que os Bahá'ís vêem como um complemento à salvação pessoal.

Falando pessoalmente, e não como académico, como ex-Cristão, descobri que fui capaz de levar a minha crença e amor por Cristo para a minha fé como Bahá’í. Os Bahá’ís consideram Bahá’u’lláh como aquele que foi predito por Cristo, pelo que não há realmente nenhuma razão para um Bahá’í desejar diminuir a grandeza de Cristo. Fazê-lo seria diminuir a grandeza de Bahá’u’lláh e violar a doutrina de Bahá’u’lláh da fraternidade das grandes figuras religiosas da história e a natureza acumulativa dos seus ensinamentos, a que os Bahá’ís chamam “revelação progressiva”.

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Olhando para trás, muitos anos mais tarde, hoje, a minha resposta ao convite do editor de religião do The Ottawa Citizen para apresentar uma perspetiva Bahá'í sobre a questão histórica, mas intemporal e perene de Jesus, seria provavelmente a mesma de antes, com esta reflexão pessoal adicional sobre uma profecia de Jesus no “Discurso da Despedida” (João, capítulos 14-17).

Todavia, digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for, enviar-vo-lo-ei. E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo. Do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais; e do juízo, porque já o príncipe deste mundo está julgado.

Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito da Verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar. (Jo:16:7-14)

Na passagem citada no artigo em destaque no The Ottawa Citizen no Domingo de Páscoa, Bahá’u’lláh fala do impacto espiritual fortalecedor de Jesus, que deu origem à civilização ocidental (acreditando que li as palavras de Bahá’u’lláh e as entendi correctamente). Não há forma de Jesus ter sequer dado a entender este desenvolvimento futuro, que teria sido incompreensível para os discípulos imediatos de Cristo naquela época. Ao fazê-lo, Bahá’u’lláh cumpriu a profecia de Cristo: “Ele me glorificará”.

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Texto original: On Easter, Consider Christ’s Question: “Who Do You Say I Am”? (www.bahaiteachings.org)


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Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

sábado, 12 de abril de 2025

A Ressurreição – Através dos Olhos de Cristo

Por Alex Gottdank.


Alguém consegue imaginar um evento mais incrível e inspirador do que ver um ente querido ser trazido de volta à vida?

Considere-se, por exemplo, o quão espantadas devem ter ficado as pessoas no tempo de Cristo ao testemunhar alguns dos seus entes queridos regressarem à vida no exacto momento da crucificação de Cristo: “Então, o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo. A terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos corpos de santos, que estavam mortos, ressuscitaram; e, saindo dos túmulos depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos.” (Mt 27:50-53)

A emoção e o interesse gerados por este incrível acontecimento terão tido um impacto profundo, não só nos judeus, mas também nos seus contemporâneos. No entanto, estranhamente, nenhuma fonte fora da Bíblia regista este fenómeno surpreendente, embora os santos que ressuscitaram tenham tido muito a dizer sobre a experiência da morte, com inúmeras pessoas ansiosas por ouvir e registar os seus relatos. No mínimo, os membros da família teriam passado histórias orais às gerações futuras, mas tais relatos não existem. Uma vez que não o fizeram, talvez devêssemos considerar a possibilidade de, em vez de detalhar uma ressurreição física, a Escritura descrever em linguagem figurada uma ressurreição espiritual — uma ressurreição em que os corações de alguns judeus santos foram influenciados pela mensagem e crucificação de Cristo para se levantarem dos túmulos da “morte espiritual” (descrença) para “renascer espiritualmente” ou serem “ressuscitados” como crentes n’Ele.

Além disso, se entendermos esta ressurreição como tendo uma natureza simbólica, o que significa isto sobre a natureza da própria ressurreição de Cristo?

Cristo profetizou: “Assim como Jonas esteve no ventre da baleia, três dias e três noites, assim o Filho do Homem estará no seio da terra, três dias e três noites.” (Mt 12:40)

Estranhamente, o corpo físico de Cristo não passou “três noites no seio da terra”, pois a Bíblia diz que Cristo foi crucificado na sexta-feira e ressuscitou no domingo. Então, estaria Cristo a sugerir que o seu “corpo metafórico” seria ressuscitado? Se sim, o que poderá ser esse corpo?

O apóstolo Paulo equipara “o corpo de Cristo” aos crentes em Cristo:

Os muitos que somos formamos um só corpo em Cristo…” (Rm 12:5)

Vós sois o corpo de Cristo e cada um, pela sua parte, é um membro.” (1 Cor 12:27)

Se o corpo ressuscitado de Cristo for realmente o conjunto dos crentes ressuscitados, então a profecia sobre a ressurreição de Cristo após três dias faz sentido, pois parece que os discípulos perderam a fé na quinta-feira à noite no Jardim do Getsémani e a recuperaram-na domingo - exactamente três dias e três noites depois. Por outras palavras, os crentes (o corpo de Cristo) estavam no seio da terra (espiritualmente mortos) durante aquele período de três dias, como exemplificado pela traição de Judas, a negação de Pedro e os discípulos fugindo com medo no momento da prisão e crucificação de Cristo. George Townshend, arcediago da Igreja Anglicana, explica a extensão do desânimo dos discípulos:

A crucificação lançou-os no… desespero profundo… Durante três dias, a causa e a realidade de Cristo (os Seus Ensinamentos, bençãos, perfeições e poder espiritual) permaneceram nos seus corações, mortos e sepultados. Quando, passados três dias, os discípulos se tornaram seguros e firmes, e começaram a servir a causa de Cristo, e decidiram espalhar os ensinamentos divinos... a Realidade de Cristo tornou-se resplandecente e encontrou vida. (The Heart of the Gospel, pp. 140-141)

Assim, a narrativa da ressurreição de Cristo não descreve literalmente o que aconteceu, mas mostra que o corpo de Cristo, os crentes, perderam brevemente a sua fé e depois recuperaram-na, tornando-se tão fiéis e comprometidos que espalharam a mensagem de Cristo por todo o mundo. Os ensinamentos Bahá’ís deixam claro este importante ponto simbólico:

A Causa de Cristo era como um corpo sem vida; e quando, passados três dias, os discípulos se tornaram seguros e firmes, e começaram a servir a Causa de Cristo, e decidiram espalhar os ensinamentos divinos, pondo em prática os Seus conselhos e levantando-se para servi-Lo, a Realidade de Cristo tornou-se resplandecente e a Sua generosidade apareceu; a sua religião encontrou vida; os Seus ensinamentos e as Suas advertências tornaram-se evidentes e visíveis. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, p. 104)

O Homem Rico e Lázaro, por Frans Francken d. J. (1581 - 1642)

Alguns poderão argumentar que este entendimento enfraquece a base da fé cristã, que se baseia na crença de que Cristo ressuscitou fisicamente. Em resposta, considere-se uma das parábolas mais desafiadoras, onde Cristo diz que a ressurreição física não serve de base para a fé.

A parábola de Cristo descreve o destino de um homem rico e de um mendigo depois de morrerem. O mendigo, Lázaro, obtém conforto de Abraão no céu, enquanto o homem rico lamenta a sua condição no inferno, implorando a Abraão que envie um Lázaro ressuscitado aos seus irmãos, para que não acabem no inferno como ele. Abraão responde: “Têm Moisés e os profetas; que eles [os irmãos] os ouçam”. O homem rico replica: “Não, pai Abraão; mas se alguém dentre os mortos for ter com eles, irão arrepender-se”. Abraão responde: “Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos.” (Lc 16:19-31)

Em resumo, o homem rico deseja que os seus irmãos alcancem a fé e evitem o tormento do inferno. Acredita que uma visita do ressuscitado Lázaro garantiria a sua fé. Cristo, porém, explica que se os irmãos do homem rico não foram persuadidos pela Palavra de Deus, a ressurreição dos mortos não teria poder para produzir tal influência. Na sua essência, Cristo realça que a “fé” deve repousar seguramente e somente na Palavra de Deus, e descarta o poder das ressurreições físicas milagrosas.

Assim, no essencial, a realidade da ressurreição de Cristo é espiritual, e as Escrituras transmitem-na usando linguagem figurada. Claramente os discípulos perderam a fé em Cristo durante três dias, mas posteriormente esta reacendeu-se, e transformou-se numa chama de fogo que nunca poderia ser apagada. Depois, os seguidores de Cristo espalharam a Sua mensagem redentora, a Sua Palavra transformadora, por todo o mundo, abençoando todos os que a abraçaram.

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Texto original em inglês: The Resurrection–Through Christ’s Eyes (www.bahaiteachings.org)


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Alex Gottdank é um Bahá’í de origem judaica e cristã, autor do livro Preparing for Christ’s New Name, uma análise da natureza do regresso de Cristo. Como pioneiro bahá'í, ele foi membro da Assembleia Espiritual Nacional das Western Caroline Islands entre 1988 e 2000. Actualmente é professor de história em San Juan Capistrano, na Califórnia.

sábado, 5 de abril de 2025

Porque é que a Fé Bahá'í proíbe a queima de livros?

Por David Langness.


Como sinal da graça de Deus, o Revelador deste Mais Grandioso Anúncio, removemos das Sagradas Escrituras e Epístolas a lei que prescrevia a destruição de livros. (Tablets of Baha’u’llah, p. 25)

Há alguns anos, militantes do Estado Islâmico (ISIS) saquearam e queimaram a biblioteca central de Mossul, destruindo cerca de 100.000 livros, incluindo uma rara coleção de manuscritos da era otomana. A destruição prosseguiu atingindo bibliotecas de várias universidades da cidade do norte do Iraque.

Irina Bokova, Directora-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) reagiu chamando-lhe “um dos actos mais devastadores de destruição de coleçcões de bibliotecas na história da humanidade. Esta destruição”, disse ela, “marca uma nova fase na limpeza cultural perpetrada nas regiões controladas por extremistas armados no Iraque. A isto junta-se a destruição sistemática do património e a perseguição de minorias que pretende acabar com a diversidade cultural que é a alma do povo iraquiano.

Na sua interpretação fanática do Islão, o ISIS acreditava que a queima de livros iria de alguma forma eliminar os pensamentos “não islâmicos” da sociedade. Este tipo de censura pelo fogo e de “limpeza cultural” tem uma longa história, não só entre os muçulmanos, mas também nas culturas cristã, judaica, hindu e em algumas culturas chinesas. A queima de livros foi utilizada pelas legiões romanas quando queimaram a Biblioteca de Alexandria; pelo imperador cristão Constantino na sua supressão de crenças não trinitárias; pelos conquistadores espanhóis no Iucatão Maia e Azteca; e pelos nazis antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Na Guerra de 1812, as tropas inglesas empilharam todos os 3.000 livros da Biblioteca do Congresso junto aos muros de pedra do Capitólio dos EUA para os queimar, com a intenção de humilhar e degradar os americanos rebeldes. A queima de livros também costuma acompanhar o genocídio — resultante da oposição cultural, religiosa ou política a uma etnia, raça ou civilização inteira — e tenta destruir a memória e a herança cultural de um povo.

Em muitas religiões antigas tolerava-se a queima de livros, mas os ensinamentos Bahá’ís proíbem-na completamente:

Nas religiões antigas, mandamentos como a guerra santa, a destruição de livros, a proibição de associação e a convivência com outros povos ou de leitura de certos livros foram estabelecidas e afirmadas de acordo com as exigências da época; no entanto, nesta poderosa Revelação, neste importante Proclamação, as múltiplas dádivas e favores de Deus ofuscaram todos os homens, e do horizonte da Vontade do Senhor Sempiterno, o Seu decreto infalível prescreveu aquilo que estabelecemos acima. (Idem, p.28)

Os descrentes e os infiéis fixaram o seu pensamento em quatro coisas: primeiro, o derramamento de sangue; segundo, a queima de livros; terceiro, evitar os seguidores de outras religiões; quarto, o extermínio de outras comunidades e grupos. Agora, porém, através da graça fortalecedora e da potência da Palavra de Deus, estas quatro barreiras foram demolidas, estas ordens claras foram obliteradas da Epístola, e mandamentos brutais foram convertidos em atributos espirituais. (Tablets of Bahá’u’lláh, p. 91)

Porque é que continuamos a ver queimas de livros? Os ensinamentos Bahá’ís dizem que isto deve-se à superstição e à ignorância:

A verdadeira religião é a fonte de amor e da concórdia entre os homens, a causa do desenvolvimento das qualidades louváveis; mas o povo agarra-se à simulação e à imitação, negligenciando a realidade que unifica; e assim, ficam despojados e privados do esplendor da religião. Seguem superstições herdadas dos seus pais e antepassados. Isto prevaleceu a tal ponto que eles fizeram desaparecer a luz celestial da verdade divina, e ficaram na escuridão das imitações e imaginações. Aquilo que deveria ser conducente à vida tornou-se a causa da morte; o que deveria ser uma evidência de conhecimento é agora uma prova de ignorância; aquilo que era um factor na sublimidade da natureza humana revelou-se ser a sua degradação. Por isso, o mundo do crente estreitou-se e escureceu gradualmente, e o campo do materialista ampliou-se e avançou; pois o crente agarrou-se à imitação e à simulação, negligenciando e descartando a santidade e a realidade sagrada da religião. ('Abdu'l-Bahá, Foundations of World Unity, p. 71)

Para os Bahá’ís, nenhuma religião legítima é estrangeira ou questionável, porque os ensinamentos Bahá’ís dizem que “a verdadeira religião é a fonte de amor e da concórdia…” De facto, os Bahá’ís acreditam que a destruição dos livros, especialmente das Escrituras Sagradas de qualquer sistema de crenças, destrói os próprios alicerces da civilização humana:

Pelo Senhor Deus - e não há Deus senão Ele! Até os mais ínfimos pormenores da vida civilizada derivam da graça dos Profetas de Deus. Que coisa de valor para a humanidade já surgiu e que não tenha sido primeiramente apresentada, directa ou implicitamente, nas Sagradas Escrituras? (‘Abdu’l-Bahá, The Secret of Divine Civilization, p. 96)

Todos os Livros Sagrados foram escritos para conduzir e encaminhar o homem nos caminhos do amor e da unidade… (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 107)

Numa perspectiva Bahá’í, destruir livros seria como destruir uma parte de nós próprios. Como todas as religiões provêm da mesma fonte, e como todas as Escrituras Sagradas são capítulos do mesmo livro, e como o progresso final da humanidade vem de um Deus, os Bahá’ís trabalham para unir um mundo dividido, e travar pacificamente a destruição deliberada de livros, povos e culturas.

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Texto original: Why the Baha’i Faith Prohibits Book-Burning (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA

sábado, 29 de março de 2025

Com a morte a aproximar-se, porque não divertirmo-nos?

Por Mahin Pouryaghma.


Sou uma terapeuta reformada com 87 anos de idade. Tenho cancro terminal e estou num lar de idosos, mas o meu apetite é enorme e estou o mais activa que posso. Que melhor altura, imagino, para um pouco de diversão na vida?

Todos os dias, faço caminhadas lentas pelo lar com a ajuda do meu andarilho. Durante estas deambulações, anunciei a todos, em termos inequívocos, que sou a Inspetora-Geral – e é melhor que se portem bem!

O que posso dizer? Sou uma vigilante da igualdade de oportunidades. A minha principal missão é provocar as pessoas de forma gentil e bem-humorada, e essas pessoas deixam-me fazer todos os meus disparates. Estou a fazer amizade com os outros residentes do lar, embora seja difícil comunicar com a maioria deles devido à demência ou doença física.

Fiquei bastante interessada em saber onde estão na sua fase da vida e o quanto vivem no passado, e tento comunicar com eles de acordo com a fase em que se encontram. Na minha vida profissional como terapeuta, nunca tinha lidado com pessoas afectadas pela demência, e agora tenho a oportunidade de aprender sobre isso, estando com elas. É triste ver o quanto mudaram ou regrediram, mas também é delicioso ouvir as suas histórias, e, por assim dizer, as suas ilusões. São pessoas muito simpáticas e é óbvio que muitos têm diplomas universitários, e alguns deles foram professores, escritores e assim por diante. Estou a tentar desenvolver amizades com todos, mesmo com aqueles que não respondem devido à demência, dizendo olá e fazendo contacto com eles, mesmo fisicamente, tocando e acariciando suavemente as suas mãos.

Há alguns dias, fez-se luz na minha mente. Era no final da tarde e eu estava a fazer o meu passeio habitual, a conversar e a brincar com a equipa, e a provocar toda a gente, como é meu hábito normal. De repente, percebi que adoro este lugar – adoro a equipa e adoro os residentes do lar.

Percebi que sou eu quem mais beneficia destas ações – como salientam os ensinamentos Bahá’ís, exemplificados por estas palavras de uma palestra que 'Abdu'l-Bahá proferiu no Maine em 1912:

Bahá’u’lláh proclamou a promessa da unidade da humanidade. Por isso, devemos ter o maior amor uns pelos outros. Devemos ser afectuosos com todas as pessoas do mundo. Devemos … conhecer e reconhecer todos como servos do Deus único. ... o doente não deve ser odiado por estar doente, a criança não deve ser evitada por ser criança, o ignorante não deve ser desprezado por lhe faltar conhecimento. Todos eles devem ser tratados, educados, instruídos e assistidos com amor. Tudo deve ser feito para que a humanidade possa viver à sombra de Deus na maior segurança, desfrutando do mais alto grau de felicidade.

Estou a vivenciar pessoalmente que posso ser muitíssimo feliz, independentemente das minhas circunstâncias. Aprendi a amar estas pessoas e sei que algumas das que cuidam de mim realmente me amam – ou pelo menos oferecem-me acções amorosas. Assim, sinto as bênçãos de Deus e, neste momento da minha vida, não quero estar em mais lado nenhum a não ser aqui – salvo o reino espiritual, mas isso será Deus a decidir o momento e o local. Um dos motivos da minha felicidade é esta maravilhosa oportunidade de transmitir e ensinar aos outros o amor de Deus. Deixa-me tão feliz que é quase inebriante.

Mas, por favor, não me ponham uma auréola à volta da cabeça! Confesso que, por vezes, sinto falta das alegrias da minha existência anterior, mas tudo isso parece muito insignificante agora, em comparação com as bênçãos espirituais que o Senhor derrama sobre mim continuamente.

Quero aproveitar estas bênçãos, por isso estou a trabalhar arduamente para estar presente no presente, sem ansiedade antecipada sobre possíveis experiências futuras da dor oncológica. Mas, por vezes e por um momento, entrego-me às minhas fantasias ociosas e imaginações vãs – por isso tenho de me lembrar que não sou Deus. Não sei absolutamente nada sobre o que vai acontecer daqui a alguns instantes, ou depois disso, por isso trabalho para estar presente aqui e agora, e para expressar amor àqueles que me rodeiam. O que mais temos?

Na semana passada tivemos uma celebração aqui no lar de idosos, e a equipa fez o melhor que pôde para proporcionar entretenimento a todos nós – trabalharam realmente muito nisso. A celebração durou vários dias, e o último dia terminou com a fotografia individual de cada residente. Foi servido gelado, e os residentes esperaram ansiosamente pelo seu gelado. Observei algo interessante: o mundo dos habitantes locais tornou-se tão pequeno que houve uma concentração colectiva em obter aquele gelado. Eu também me tornei parte dessa concentração colectiva. Não é interessante e surpreendente que alguém se possa contentar com uma bênção ou recompensa tão pequena? A questão é que o nosso foco pode diminuir tanto que uma bola de gelado se torna o centro da nossa existência.

Quando me apercebi disso, alguns sentimentos conflituosos tomaram conta de mim. Por um lado, sentia-me muito pequena e sem importância, uma daquelas “pessoas” que não deveria ter julgado quando entrei para um lar de idosos – e por outro lado, talvez sentisse que esta é a fase natural da contínua desintegração do ego, da minha importância ilusória enquanto profissional que se tornou agora um ser humano idoso.

Durante alguns dias depois de tudo isto, tive sentimentos de depressão e tristeza, bem como muita ansiedade. Cheguei ao ponto de não querer comer, não fazer a minha caminhada diária habitual e ficar na cama. Senti tristeza e pesar, bem como resignação perante o fenómeno natural do envelhecimento e da morte iminente.

Mas agora, recuperei daquela depressão. Estou a reaprender, ou a ser confirmada no meu conhecimento, de que não posso ter a certeza sobre nada, seja positivo ou negativo, e isso inclui a estabilidade do meu humor. A única coisa de que tenho a certeza é que Deus me ama e me acompanhará, sempre. Uma das coisas que me sustenta na minha luta é esta oração reconfortante atribuída a ‘Abdu’l-Bahá:

Ó Deus, refresca e alegra o meu espírito. Purifica o meu coração. Ilumina os meus poderes. Em Tuas mãos confio todos os meus interesses. És o meu Guia e o meu Refúgio. Não mais se apossarão de mim a tristeza e a ansiedade, mas sim, o contentamento e a alegria. Ó Deus, jamais me entregarei à aflição, nem permitirei que os desgostos me atormentem ou as coisas desagradáveis da vida me inquietem. Ó Deus, és mais meu amigo do que eu o sou de mim mesmo. Dedico-me a Ti, ó Senhor

Quando recito esta oração, sinto muita afinidade com os outros residentes aqui, tanto na secção de Cuidados Especiais - que significa que precisam de cuidados parciais, como eu - como na secção de Acompanhamento a Tempo Inteiro, onde estão as pessoas acamadas. Todos eles estão a tornar-se o meu povo. Conheço os seus rostos, e essa afinidade estende-se aos funcionários e à administração, que tanto aprecio. Aqueles que dedicam a sua vida a cuidar dos outros são anjos na terra.

Consigo ver a tristeza nos rostos e no tom da equipa quando um residente morre. Uma das funcionárias disse-me que quando um residente morre, sente que parte dela também morre. Muitos destes doentes estão aqui há muito tempo, e tanto a equipa como os doentes desenvolveram algum tipo de ligação — e essa ligação é quebrada com a morte dos residentes. Então, pergunto-me: quando isso acontecer na minha viagem, será que também se sentirão tristes?

Espero que se lembrem da Inspetora-Geral com boas memórias e saibam o quanto os adoro. Espero o mesmo de todos vós.

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Texto original: As Death Approaches, Why Not Have Some Fun? (www.bahaiteachings.org)

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Mahin Pouryaghma, tem quase 87 anos, e é iraniana. Desde 1964 que vive na América do Norte e actualmente vive em Marshallville, Geórgia. Mahin comprometeu-se com a Fé Bahá’í desde os seus 30 anos, com o objectivo de servir Deus servindo a humanidade.

sábado, 22 de março de 2025

O Deus das Cores e a Cor de Deus

Por Necati Alkan.


Consegue imaginar o nosso mundo sem cores?

Quase tudo na criação tem uma cor. Ficamos felizes quando vemos determinadas cores, e outras podem deixar-nos tristes e preocupados. O facto de as cores terem efeito sobre os seres humanos é provavelmente tão antigo como a filosofia.

Na sua Teoria das Cores, Goethe diz: “As cores são o sofrimento e a alegria da luz”. As cores podem encantar-nos e refletir o princípio Bahá'í da “unidade na diversidade”, como as cores das flores num jardim, imagem que 'Abdu'l-Bahá utilizou frequentemente. Mas também enfatizou, sobretudo nas Suas palestras sobre o racismo nos Estados Unidos, que as cores podem causar preconceito:

Não existem brancos e negros perante Deus. Todas as cores são uma só, e essa é a cor da submissão a Deus. O perfume e a cor não são importantes. O coração é importante. Se o coração é puro, branco, preto ou qualquer cor não faz diferença. Deus não olha para as cores; Ele olha para os corações. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 44)

Aqui chegamos a um reino onde todas as cores se fundem numa só: a “cor da submissão a Deus”. Se ignorarmos as diferenças exteriores, servirmos a Deus e adorarmos a Deus com um coração puro, cumpriremos o propósito da criação. Neste sentido, submergimo-nos na cor de Deus.

As cores também nos podem distrair do nosso propósito principal neste mundo, o que significa que, se mergulharmos nos prazeres materialistas, podemos esquecer-nos de Deus. Nas palavras de Bahá’u’lláh:

Ó Filhos da Vanglória! Por uma soberania efémera, abandonastes o Meu domínio imperecível e adornastes-vos com os trajes alegres do mundo, fazendo deles a vossa ostentação. Pela minha beleza! Reunirei tudo sob a cobertura de pó de uma só cor, e apagarei todas estas cores diversas, salvo aqueles que escolherem a Minha, e esta está expurgada de todas as cores. (As Palavras Ocultas, do persa, #74)

Na teoria das cores de Bahá'u'lláh, por assim dizer, o reino de Deus tem uma cor transcendente e unificadora, que representa o desapego do mundo físico e o apego ao espiritual:

Ó servo de Deus! Aquele que é o Mestre da expressão e do significado, e que dá cor a todas as coisas criadas, diz: Meditai naquilo que revelamos anteriormente: “[A nossa vida recebe] a cor de Deus, e quem é melhor do que Deus para colorir?” (Alcorão 2:138) O propósito desta cor não foi nem será cores de pigmentos metálicos. Pelo contrário, é a coloração dos corações puros com a cor de Deus, e esta é a santificação de todos os homens entre as diversas cores do mundo. Esforçai-vos para vos poderes destacar nesta arte e adornar os homens com a cor divina. (de uma Epístola de Bahá’u’lláh, tradução provisória do autor)

O Alcorão, no versículo 2:138 (citado acima), também apela à humanidade para usar “a cor de Deus”. Isto ocorre no contexto da religião do profeta Abraão, chamada a primordial ou imaculada religião de Deus — o arquétipo da fé original da humanidade num Deus único. De facto, todo o mensageiro de Deus apela a esta imersão na cor unificadora de Deus. Bahá’u’lláh veio unir a humanidade numa “fé comum” e transformar a humanidade numa nova criação com um novo batismo espiritual:

Ó Pena da Revelação! Lembra-te d’Aquele que Baptizava [lit. “o Tintureiro”, i.e. João Batista]. Dize: Chegou o dia do baptismo. Bem-aventurado aquele que se baptizou com o baptismo de Deus. Em verdade, é o seu desprendimento de tudo menos d’Ele. Assim vos ordena a Pena do Todo-Glorioso, tal como foi decretado pelo vosso Senhor, o Omnipotente, o Sapientíssimo. (de uma Epístola de Bahá’u’lláh, tradução provisória do autor)

Os textos cristãos da Antiguidade tardia também relacionam o baptismo com a coloração, e enfatizam os aspectos transformadores e curativos do baptismo na purificação dos seres humanos. Basta ler esta impressionante passagem onde Deus é chamado “o Tintureiro”, a mesma expressão que Bahá’u’lláh utiliza:

Deus é um tintureiro. Assim como os bons corantes — chamados “verdadeiros” (corantes) — morrem com aquelas (coisas) que neles foram tingidas, assim acontece com aqueles que Deus tingiu. Como os Seus corantes são imortais, tornam-se imortais através dos Seus remédios. Mas Deus mergulha/baptiza na água aqueles que Ele mergulha/batiza. (Evangelho de Filipe, 61.12-20)

Por outras palavras, tal como as cores/tinturas boas e verdadeiras se tornam uma só ou “morrem com” os itens tingidos, também as cores/tinturas imortais de Deus imbuem aqueles a quem Deus tinge de imortalidade durante o baptismo. Bahá’u’lláh chama a este acto “arte” e faz eco de uma ideia antiga em que a arte de tingir é vista como divina e literalmente como a arte da transformação.

O reino de Deus é uma cor unificadora, um domínio onde morremos em Deus e Deus nos tinge!

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Texto original: God’s Colors and the Color of God (www.bahaiteachings.org)


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Necati Alkan é um historiador turco-alemão, especialista no período final da história do Império Otomano. É investigador na Universidade de Bamberg (Alemanha) e trabalha com temas relacionados com minorias religiosas. Entre os seus livros contam-se: “The eternal enemy of Islam’: Abdullah Cevdet and the Baha’i religion” (2005); “Süleyman Nazif's 'Open Letter to Jesus': An Anti-Christian Polemic in the Early Turkish Republic” (2008); "Fighting for the Nuṣayrī Soul: State, Protestant Missionaries and the ʿAlawīs in the Late Ottoman Empire" (2012); "Divide and Rule: The Creation of the Alawi State after World War I (2013)