sábado, 14 de setembro de 2024

Outros Quatro Significados da Primeira Revelação de Bahá'u'lláh

Por Nader Saiedi.


Neste segundo artigo sobre a primeira experiência de revelação do Criador a Bahá’u’lláh, vamos ver mais quatro significados inerentes àquelas primeiras palavras do Criador.

No Seu sonho revelador na prisão do Poço Negro, Bahá’u’lláh ouviu esta mensagem de Deus: “Em verdade, far-Te-emos vitorioso por Ti próprio e pela Tua Pena.” (Epístola ao Filho do Lobo)

Esta promessa do Criador garantiu a Bahá’u’lláh que nenhuma das antigas formas de espalhar a religião – guerra, coação ou violência – seria empregue durante a revelação de Bahá’í. Nem, dizem os ensinamentos Bahá’ís, a religião seria imposta pela força através dos mecanismos coercivos da própria sociedade. Estas palavras dotam os ensinamentos Bahá’ís com o princípio da separação entre a igreja e o Estado:

1. Separação entre Igreja e Estado

O domínio da religião é o domínio do espírito, e por essa razão Bahá’u’lláh afirmou que o único meio legítimo de promover a religião é o amor, a persuasão racional e a transformação dos corações do povo através do estudo independente das palavras de Deus.

Esta eliminação da coação e restrição do domínio da religião assevera a separação institucional entre igreja e Estado.

Nas Suas Escrituras, Bahá’u’lláh aprofundou o significado deste conceito - tornando a Causa de Deus vitoriosa através do Profeta e da Sua pena - afirmando que isto significa que o domínio do Estado pertence ao reino da Terra, enquanto o domínio da religião pertence ao reino do coração.

Bahá'u'lláh escreveu que Deus investiu instituições políticas seculares com a autoridade sobre a Terra, e Ele destacou o coração do povo para o Seu domínio:

O Deus uno e verdadeiro, exaltada seja a Sua glória, sempre considerou, e continuará a considerar os corações dos homens como a Sua propriedade exclusiva. Tudo o resto, quer se refira à terra ou o mar, sejam elas riquezas ou glórias, Ele legou-as aos reis e aos governantes da terra. (Bahá’u’lláh, Gleanings, CII)

É claro que é importante notar que esta separação não é a mesma que a concepção ocidental predominante de separação entre a igreja e o Estado. Bahá’u’lláh quer transformar todos os aspetos da civilização, para que tudo o que nela se torne espiritual.

Ser espiritual significa gerar uma cultura que vê todas as pessoas e todos os seres como sagrados e dotados de direitos. Por isso, os ensinamentos Bahá’ís dizem que a arte, a economia global, a política das nações e outras instituições sociais devem também ser transformadas à luz de uma atitude espiritual e moral que afirma a dignidade e a igualdade de todos os seres humanos. Mas nos ensinamentos Bahá’ís, esta reconstrução moral e espiritual do mundo não é acompanhada por uma identidade institucional que preenche o aparelho coercivo do Estado com uma religião.

2. A Unidade de Todas as Religiões e dos Seus Profetas

Um dos principais ensinamentos da Fé Bahá’í presente na primeira palavra de Bahá’u’lláh é a unidade de todas as religiões e a unidade de todos os profetas de Deus.

Os ensinamentos Bahá’ís dizem que a ênfase nessa unidade é uma das mais significativas pré-condições de realização da paz no mundo. A religião deve ser uma causa de unidade e concórdia; e se a religião for entendida como a legitimação da violência e do ódio, é melhor não ter religião.

Bahá’u’lláh realçou a unidade de todas as religiões e de todos os profetas e mensageiros de Deus. A verdade de todas as religiões é a mesma, proclamou, embora a mesma verdade tenha sido transmitida à humanidade sob a forma de algumas leis sociais que são expressões da época e do espaço em que a religião aparece.

Os Bahá’ís acreditam que a humanidade deve reconhecer a verdade espiritual comum de todas as religiões, em vez de reduzir a religião às suas leis sociais historicamente específicas, e avançar para a harmonia e a unidade de toda a religião.

Uma das formas como a primeira palavra de Bahá’u’lláh manifesta o princípio da unidade de todas as religiões é esta parte dessa afirmação: “Não Te lamentes por aquilo que Te sucedeu, nem tenhas medo, pois estás em segurança.” A última parte desta afirmação “nem tenhas medo, pois estás em segurança” são exactamente as palavras que Deus falou a Moisés. De acordo com o Alcorão (28:31), quando Deus pediu a Moisés que colocasse o seu bordão no chão, e este se transformou numa serpente gigantesca. Moisés ficou com medo e recuou. Então Deus dirigiu-se a Moisés e disse exatamente o que disse a Bahá’u’lláh. Isto significa que Bahá’u’lláh tem a mesma condição que Moisés – e também implica que o bordão de Moisés se transformou na pena de Bahá’u’lláh. O símbolo do triunfo milagroso de Deus sobre as forças do ódio e da injustiça é agora a pena do profeta, cujos movimentos transformam a palavra e dão razão à verdade espiritual.

A entrada do Siyah-Chal (Poço Negro) onde Baha’u’llah esteve preso em Teerão, em 1852.

 3. O Conceito Dialogal da Religião

Isto leva-nos a outro ensinamento de Bahá’u’lláh implícito nesta primeira revelação divina – a concepção dialogal da religião. Aqui são definidas três realidades em termos do mesmo atributo, nomeadamente auxiliando e tornando a Causa de Deus vitoriosa.

Em primeiro lugar, é Deus que torna a causa de Bahá’u’lláh vitoriosa, conforme mencionado na promessa feita por Deus a Bahá’u’lláh de que Ele o ajudará. Mas a forma como Deus torna Bahá’u’lláh vitorioso é através do próprio ser e das palavras de Bahá’u’lláh. Por outras palavras, todo o ser de Bahá’u’lláh representa o processo de tornar a Causa divina vitoriosa.

Mas depois o resto da frase implica a promessa divina de que “Em breve Deus levantará os tesouros da terra - homens que Te ajudarão através de Ti mesmo e através do Teu Nome…” É de salientar que a palavra que é aqui traduzida como “ajudarão”, é a mesma palavra que é traduzida anteriormente como sendo “vitorioso” (nusrat). Por outras palavras, a humanidade também se envolve na mesma missão, através da proclamação da palavra e do nome de Bahá’u’lláh.

Podemos ver aqui que Deus, o seu profeta e a humanidade participam neste processo de nusrat, a própria essência da verdade religiosa. Isto significa que os humanos aparecem na imagem de Deus, participando na regeneração espiritual do mundo. Essa aliança divina mostra-nos a dignidade de todos os seres humanos. Os humanos tornam-se agora seres espirituais, com consciência, que devem abordar a verdade espiritual através da sua busca independente e do seu percurso espiritual.

A liberdade de consciência, a igualdade de direitos, a dignidade de todos os seres humanos, a democracia e uma cultura global de paz são tudo reflexos lógicos e manifestações desta nova definição de seres humanos - conceitos que Bahá’u’lláh revelou gradualmente nas Suas Escrituras.

4. A Humanidade: uma mina rica em maravilhosas pedras preciosas

A implicação final destas primeiras palavras de Bahá’u’lláh enfatiza o propósito dinâmico e glorioso da vida humana. Na sua declaração, Bahá’u’lláh define os seres humanos espirituais como “tesouros da terra”. O contexto desta afirmação emerge de várias profecias xiitas, indicando que na altura da vinda do prometido 12º Imam, os tesouros da Terra seriam descobertos. Mas para Bahá’u’lláh o tesouro supremo da Terra está nas potencialidades espirituais dos seres humanos, e não várias formas de ouro e prata.

Outras Escrituras posteriores de Bahá’u’lláh definem os seres humanos como uma mina rica em joias maravilhosas, e que é através da educação espiritual que estes tesouros podem ser revelados.

Assim, para os Bahá'ís, a vida é um processo dinâmico da realização da riqueza do potencial humano e do percurso para a concretizar. As Escrituras Bahá'ís definem o paraíso como a realização deste potencial espiritual. O processo da vida representa a própria dinâmica da construção do paraíso nesta Terra.

Outra expressão do mesmo ponto é a definição destes seres humanos como os homens (em árabe, rijal). Aqui as pessoas que se irão levantar para ajudar a causa de Deus são definidas como homens. Mas estes homens não são homens biológicos, mas sim todos aqueles que assumem o papel activo e público, que apenas os homens costumavam fazer.

Como Bahá’u’lláh deixa claro em muitos das Suas Escrituras, as almas que se levantam para ajudar a Sua causa são homens e mulheres. Bahá’u’lláh designa estas pessoas como homens (rijal) – não para excluir as mulheres, mas para convidar toda a humanidade, homens e mulheres, a assumir o papel social que já esteve confinado aos homens.

Esta mensagem Bahá'í define tanto os homens como as mulheres não em termos biológicos, mas sim através da sua identidade espiritual. Todos são homens, todos são seres sociais e activos, pois todos são seres espirituais. O uso da palavra rijal por Bahá’u’lláh, aqui que significa o papel social dos homens e não do homem biológico, é a continuação da definição mística de rijal tanto como homens como mulheres.

No seu livro “As Revelações de Meca”, Ibn al-Arabi, o famoso místico do Islão, interpretando a referência do Alcorão aos homens (rijal) que não são impedidos pelo comércio de se lembrarem de Deus (24:37), explicou que estes homens são seres nobres – que são homens e mulheres. É de salientar que o próprio Bahá’u’lláh se refere frequentemente a esta mesma afirmação do Alcorão sobre o rijal e define-os como “mãos da causa”, aqueles que dedicam as suas vidas a tornar a Causa de Deus vitoriosa. Como sabemos, na Fé Bahá’í, o título de Mãos da Causa aplica-se a homens e mulheres. É por isso que Bahá’u’lláh muitas vezes afirmou que todas as mulheres Bahá’ís são consideradas como rijal, tal como os homens, no papel social activo de um ser humano espiritual.

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Texto original: Four More Meanings of Baha’u’llah’s Initial Revelation (www.bahaiteachings.org)


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Nader Saieddi é professor de Estudos Bahá’ís na UCLA (Los Angeles, EUA). É autor de diversos livros, incluindo Logos and Civilization: Spirit, History and Order in the Writings of Baha’u’llah; e Gate of the Heart: Understanding the Writings of the Bab. Nasceu em Teerão (Irão) e tem um mestrado em economia pela Universidade Pahlavi (Siraz) e doutoramento em sociologia pela Universidade de Wisconsin.

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