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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Os Bahá'ís, o 25 de Abril e a Democracia

Como é que os Bahá’ís receberam o 25 de Abril?
Como tem sido a relação com o estado português desde o 25 de Abril?
O que dizem os ensinamentos Bahá’ís sobre a Democracia?

sábado, 13 de março de 2021

O que fazer quando a nossa democracia vacila?

Por V. M. Gopaul.

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Hoje, podemos sentir as pressões de conflitos irrompendo por todos os lados. Como podemos impedir que as forças da corrupção, da injustiça e da desunião destruam a nossa democracia?

Embora reconheçam que a democracia não é necessariamente um sistema ideal, as Escrituras Bahá’ís elogiam-na fortemente como sistema de governação, afirmando: 

Sob um governo autocrático, as opiniões dos homens não são livres e o desenvolvimento é sufocado, enquanto que na democracia, porque o pensamento e o discurso não são reprimidos, testemunha-se o maior progresso. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 197.)

Também afirmam que a democracia “será capaz de a concretizar [a paz mundial] e o estandarte da concórdia internacional será desfraldado.

Durante anos, não participei em eleições. Olhando para trás, eu não acompanhava as questões cívicas a sério. Além disso, a apatia pode ter contribuído para o não cumprimento do meu dever cívico. Vivo no Canadá e, na última década, prestei muita atenção às políticas e ao rumo que gostaria que o país seguisse. E estando ciente do princípio Bahá’í de examinar o carácter de um candidato, e não considerar a política partidária, agora participo das eleições nacionais, provinciais e municipais.

A democracia como sistema de governação apareceu pela primeira vez no século V a.C. nas cidades-estado gregas, especialmente em Atenas; significa "governo do povo", uma ideia que contrasta com o governo da aristocracia. A democracia expandiu-se após a Segunda Guerra Mundial. Em 1950, havia apenas um punhado de países democráticos, mas em 2007 existiam 123 países com democracias eleitorais. Embora a democracia liberal tenha começado nos países ocidentais, ela tem-se espalhado pelo mundo. Hoje, a democracia está profundamente enraizada tanto nas ilhas Maurício, onde nasci, como no Canadá, onde moro.

Hoje, as eleições livres e justas tornaram-se a base da vida moderna - tanto que, muitas vezes as consideramos garantidas. Embora nossas democracias estejam longe de ser perfeitas, e a injustiça e a corrupção ainda prevaleçam em muitos sistemas eleitorais, há um foco maior nos cidadãos que participam activamente das escolhas para o seu país, protegendo os direitos humanos e tornando esses direitos iguais para todos.

Mas a democracia é bem-sucedida através do funcionamento correcto das instituições, como o sistema judicial, a polícia e os direitos humanos - como a liberdade de expressão, igualdade racial e de género, liberdade de religião, de casamento, de educação e outras. Esses edifícios da modernidade são cruciais e a sua relevância não pode ser subestimada. Os activistas sociais em todo o mundo têm dedicado as suas vidas e os seus recursos à preservação da integridade desses pilares.

Os alarmes soam quando os políticos tentam destruir essas instituições para ganhar, ou manter, o poder. Algumas pessoas declaram guerra aos males da sociedade prometendo proteger os direitos dos trabalhadores, cobrar impostos às grandes empresas, garantir a segurança ou ajudar os pobres - mas muitas vezes, depois de obter a simpatia da maioria, surgem abusos. Segundo a Freedom House, “a partir de 2005, houve onze anos consecutivos em que os declínios nos direitos políticos e liberdades civis em todo o mundo superaram as melhorias, à medida que forças políticas populistas e nacionalistas ganharam terreno em toda a parte”.

Temos de reconhecer que as instituições sozinhas não podem construir democracias. São os valores fortes gravados na consciência das pessoas que fazem a verdadeira democracia acontecer.

O que protege a integridade destas instituições são os valores consagrados nas constituições de cada país. A lei fundamental de cada país é uma construção única que reflecte rumo nacional, histórico e cultural de cada país. Mas, de uma forma geral, as pessoas de todos os países têm valores e desejos comuns para si e para as suas famílias.

O sucesso da modernidade baseia-se em certos conceitos, como o respeito pelo Estado de Direito e pelos processos institucionais. Bahá’u’lláh, o fundador e profeta da Fé Bahá’í, escreveu a carta régia para instituições administrativas que Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá’í, descreveu como "instituições necessárias apenas através das quais a integridade e unidade de Sua fé pode ser salvaguardada.”

Bahá’u’lláh decretou que os membros destas instituições fossem eleitos democraticamente e definiu muitas regras e directrizes rigorosas sobre como deveriam servir os assuntos de uma comunidade. Desta forma, a comunidade mais ampla pode vir a confiar e contar com as suas instituições para proteger os seus interesses, sabendo que as instituições são guiadas por valores espirituais. Então, afirmou Ele, as pessoas deveriam ter uma atitude de “lealdade, honestidade e veracidade” para com essas instituições.

Quando se estabelece a confiança nas autoridades, os resultados - sejam eleitorais ou judiciais - são respeitados e todos acatam as decisões, mesmo que parte da população não concorde. Esse tipo de respeito mostra a maturidade de um país. Apesar de antigamente as disputas pelo poder terem provocado guerras longas e sangrentas, estamos a começar a encontrar maneiras de resolver os conflitos. Apesar de estar longe de ser perfeito, isto é um sinal de uma nova consciência.

A Fé Bahá'í enfatiza que o funcionamento adequado das instituições, seja a nível local ou global, é essencial para alcançar o nosso glorioso futuro colectivo. As escrituras Bahá'ís afirmam que:

A humanidade deve manter-se no estado de companheirismo e amor, seguindo as instituições de Deus e afastando-se dos impulsos satânicos, pois as dádivas divinas trazem unidade e acordo, enquanto as tendências satânicas induzem ao ódio e à guerra. (‘Abdu’l-Bahá, Bahá’í World Faith, p.233)

Os “impulsos satânicos” referidos nesta frase referem-se aos desejos egoístas e oportunistas das pessoas que frequentemente levam ao sofrimento de outros.

Para fazer o meu papel, salvar o mundo dos oportunistas e defender o ideal de Bahá'u'lláh de "lealdade, honestidade e veracidade", fiz duas coisas: acabei com a minha apatia e votei no candidato que acreditava ser o melhor apto para o cargo. Nos últimos cinco anos, votei em todas as eleições municipais, provinciais e federais. Não pertenço a nenhum partido político; não voto em candidatos devido aos seus partidos políticos, mas sim devido ao seu carácter.

Quando se trata da unidade da humanidade, é essencial construir as instituições certas. Inclusão, harmonia, justiça e prosperidade espalhar-se-ão lenta, mas inevitavelmente, pelo mundo.

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Texto original: What Do We Do When Our Democracy Falters? (www.bahaiteachings.org)


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Gopaul é especialista em software e bases de dados, tendo escrito vários livros para profissionais de TI. É casado, pai de duas crianças, e vive no Canadá. Para mais informação ver: www.vmgopaul.com.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Política, Religião e Tirania

Por David Langness.


Os ensinamentos Bahá’ís opõem-se de forma determinada e veemente ao despotismo e à tirania.

Durante os últimos quarenta anos da Sua vida, Bahá'u'lláh sofreu a tortura, o exílio e a prisão; tudo isso foi decretado e executado por tiranos e déspotas dos governos persa e otomano. Ele manifestou-Se repetidamente contra esses déspotas e seus regimes opressivos; chegou mesmo a enviar de uma série de cartas e epístolas aos Reis, governantes e líderes religiosos do mundo, anunciando a revelação que Ele tinha recebido e convocando-os para a paz universal, unidade e cooperação internacional.

Bahá'u'lláh pediu aos líderes políticos do mundo que estabelecessem a paz com outras nações, tratassem dos seus assuntos com justiça, reduzissem a impostos injustos destinados a financiar armas e guerras, e enfrentassem a terrível pobreza entre os seus povos. Além da forte oposição de Bahá'u'lláh ao poder dos governos tirânicos, as escrituras Bahá'ís defendem um modelo de federação de nações numa ordem mundial unida. 'Abdu'l-Bahá expressou este princípio Bahá'í fundamental a um alto funcionário do governo dos Estados Unidos, dizendo:
Podeis melhor servir o vosso país se, na vossa capacidade de cidadão do mundo, envidardes todos os esforços que contribuam para a aplicação futura do princípio do federalismo subjacente ao governo do vosso próprio país nas relações já existentes entre os povos e nações do mundo. (The World Order of Baha’u’llah, p. 37)
Assim, considerando este sólido conceito Bahá'í de uma federação descentralizada de nações sem tirania ou despotismo, podem os Bahá'ís participar na actividade política?

Não. Os Bahá'ís evitam a política partidária, e vêem a sua fé como essencialmente não-política.

Então como é que os Bahá'ís concebem uma futura ordem mundial, se não como uma organização política? E muitas pessoas perguntam como pode mesmo existir uma ordem mundial sem algum tipo de embate e envolvimento político? Não é o sistema político partidário algo inevitável? E quanto ao princípio Bahá'í da unidade mundial: se isso acontecer, não irão os Bahá'ís querer participar na governação do mundo?

Para começar a responder a essas perguntas, vamos começar por analisar como os ensinamentos Bahá'ís concebem uma futura ordem mundial, a partir dos escritos de Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í:
A unidade da raça humana, tal como previsto por Bahá'u'lláh, implica o estabelecimento de uma comunidade mundial em que todas as nações, raças, credos e classes estão íntima e permanentemente unidas, e em que a autonomia dos seus Estados membros, e a liberdade e iniciativa pessoais dos indivíduos que as compõem estão definitiva e completamente salvaguardadas. Esta comunidade deve, tanto quanto a podemos visualizar, incluir um parlamento mundial, cujos membros, enquanto fideicomissários de toda a humanidade, irão, em última análise, controlar todos os recursos de todas as nações que o constituem, e promulgar leis que sejam necessárias para regular a vida, satisfazer as necessidades e organizar as relações entre todas as raças e povos. Um executivo mundial, apoiado por uma força internacional, executará as decisões e aplicará as leis promulgadas por este parlamento mundial, e protegerá a unidade orgânica de toda a comunidade mundial. Um tribunal mundial julgará e emitirá o seu veredicto vinculativo e final em todas e quaisquer disputas que possam surgir entre os vários elementos que constituam este sistema universal. (The World Order of Baha’u’llah, p. 202)

Montesquieu
A visão Bahá'í de uma nova comunidade mundial das nações inclui os três elementos clássicos - um órgão legislativo mundial democraticamente eleito; um executivo mundial; e um tribunal mundial. A ideia destes componentes governamentais equilibrados é familiar para os cidadãos de muitos países soberanos do mundo; foi proposta pela primeira vez por Aristóteles, usada pelos gregos e romanos nas suas incipientes democracias, e, posteriormente, desenvolvida em 1748, por Montesquieu, o filósofo político francês do Iluminismo. Designado sistema tripartite, esta separação interna de poder político entre os três ramos do governo - legislativo, executivo e judicial - evita a excessiva centralização e a potencial tirania de uma oligarquia ou ditadura. Os governos democráticos mais avançados de hoje usam este sistema, e os ensinamentos Bahá'ís recomendam a sua aplicação numa escala mundial.

As escrituras Bahá'ís afirmam que esta visão de uma comunidade mundial, o sonho de poetas, filósofos e profetas durante milénios, só pode acontecer quando:
... um certo número de seus soberanos ilustres e magnânimos ... deve, para o bem e a felicidade de toda a humanidade, erguer-se, com firme determinação e visão clara, para estabelecer a causa da Paz Universal. Eles devem fazer da Causa da Paz o objecto de consulta geral, e procurar, por todos os meios ao seu alcance, estabelecer uma União das nações do mundo. Eles devem criar um tratado vinculativo e estabelecer uma aliança cujas cláusulas sejam sólidas, invioláveis e bem claras. Devem proclamá-la a todo o mundo e conseguir para ela a sanção de toda a raça humana. Este empreendimento supremo e nobre - a verdadeira fonte de paz e bem-estar de todo o mundo - deve ser considerado sagrado por todos os que habitam na terra. Todas as forças da humanidade devem ser mobilizadas para garantir a estabilidade e permanência dessa Mais Grandiosa Aliança. Neste Pacto abrangente, os limites e fronteiras de cada nação devem ser claramente fixados, os princípios subjacentes às relações entre governos devem ser definitivamente estabelecidos, e todos os acordos e obrigações internacionais devem ser averiguados. De igual modo, a dimensão dos armamentos de cada governo deve ser estritamente limitada, pois se fosse permitido aumentar os preparativos para a guerra e as forças militares de qualquer nação, isso despertaria a suspeita das outras. (Abdu'l-Bahá, The Secret of Divine Civilization, p. 64)

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Texto original: Politics, Religion and Tyranny (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 11 de julho de 2015

Democratização e Agitação Civil

Por Rodney Richards.


Durante as últimas duas décadas, os povos do mundo propagaram e experimentaram uma vaga de fundo de agitação civil devido a múltiplos motivos.

Revista Time, 2011
Há um motivo que se destaca: a desobediência civil usada para derrubar os líderes perversos e governos corruptos que esmagam os direitos humanos. Este tipo de agitação civil - por vezes designada como “Primavera” - tenta instalar a democracia onde a autocracia ou teocracia governaram há muito tempo. Ao longo do processo, perdem-se vidas em defesa dos direitos humanos, e perdem-se vidas a tentar suprimi-los. Estas batalhas são travadas internamente, dentro de fronteiras nacionais, com o objectivo de estabelecer repúblicas democráticas. Algumas dessas batalhas já deram resultados, e provavelmente outras também darão, criando um modelo de federalismo democrático que os ensinamentos Bahá'ís recomendam fortemente:
Podeis servir melhor o vosso país - foi a resposta de ‘Abdu'l-Bahá a um alto funcionário do governo federal dos Estados Unidos da América, que o tinha questionado sobre a melhor maneira como poderia promover os interesses do seu Governo e do povo - se vos empenhardes, na vossa qualidade de cidadão do mundo, para ajudar na derradeira aplicação do princípio do federalismo que existe no governo do vosso país às relações agora existentes entre os povos e nações do mundo. (Shoghi Effendi, The World Order of Baha’u'llah, p. 37)
A federação de Estados (inicialmente, colónias) na América tornou-se um modelo de organização que muitas outras nações adoptaram posteriormente. No mundo do século XVIII, enquanto reis, rainhas e governantes autoritários lutavam para expandir os seus territórios e fronteiras, a ascensão da democracia na América e em França surpreendeu o mundo. Hoje, esses autocratas desapareceram, tal como Bahá'u'lláh prometeu que aconteceria se eles resistissem ao espírito da época. Desde então, o crescimento das democracias representativas superou qualquer outra forma de governo. Na imagem seguinte vemos como a democracia cresceu durante o século XX:



Além revelar a ascensão meteórica de nações democráticas, este gráfico também mostra, de forma clara, a crescente agitação, anarquia e guerras civis nos países sem representação democrática.

No fundo, a democratização tornou-se o processo genérico padrão que todas as nações e povos acabam por atravessar. O choque de opiniões fortes e a agitação civil parecem inevitáveis, a menos que os governantes autoritários abdiquem voluntariamente do seu poder e permitam que o povo governe. Este tipo de revoluções pacíficas já aconteceu em vários países: Filipinas, Polónia, Checoslováquia, Equador, etc. Mesmo depois de uma revolução não-violenta, porém, é difícil alcançar a democracia, leva-se anos para estabilizar o país, surgem conflitos (por vezes, sangrentos), e é necessário criar meios políticos para implementar as decisões sensatas de qualquer novo governo.

Mas as recompensas, quando alcançadas, são demasiado significativas para serem ignoradas. Igualdade de tratamento perante a lei, liberdade de expressão, liberdade de reunião, direito à propriedade, fim da escravidão e direito ao trabalho. Muitas pessoas morreram por estes direitos desde muito antes da Revolução Americana.

Num discurso público a uma congregação de uma igreja americana em 1912, 'Abdu'l-Bahá disse:
Considerai a grande diferença existente entre democracia moderna e as velhas formas de despotismo. Sob um governo autocrático as opiniões dos homens não são livres e o desenvolvimento é asfixiado, enquanto que na democracia, porque o pensamento e a expressão não são restringidos, testemunha-se o maior progresso. O mesmo acontece no mundo da religião. Quando a liberdade de consciência, a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão prevalecem - isto é, quando cada pessoa segundo a sua própria idealização pode expressar as suas crenças - o desenvolvimento e o crescimento são inevitáveis. (The Promulgation of Universal Peace, p. 197)
A plena democratização de todos os 196 (ou mais) países do mundo de hoje ainda não foi plenamente realizada, mas a tendência é clara. Como 'Abdu'l-Bahá predisse nos Estados Unidos em 1912, o século XX "este século de luz" e as décadas iniciais do século XXI, criaram o cenário e colocaram em movimento as forças necessárias para realizar essa tarefa gigantesca .

A agitação civil, com o objectivo de criar nações totalmente independentes, totalmente soberanas democraticamente eleitas, conforme evidenciam os surtos globais de movimentos de protestos, está agora a atingir o seu clímax.

Este clímax físico, infelizmente, deu origem ao terrorismo nos nossos tempos.

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Texto original: A Democratic Upsurge: Wars of Civil Unrest (bahaiteachings.org)

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Rodney Richards é escritor técnico de profissão e trabalhou durante 39 anos para o Governo Estadual de New Jersey. Reformou-se em 2009 e dedicou-se à escrita (prosa e poesia),tendo publicado o seu primeiro livro de memórias Episodes: A poetic memoir. É casado, orgulha-se dos seus filhos adultos, e permanece um elemento activo na sua comunidade.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O que significa a eleição de Hassan Rouhani

No passado sábado, depois dos iranianos terem comparecido em massa para votar nas eleições presidenciais, a contagem dos votos deu a vitória a Hassan Rouhani, um político com longo curriculum, advogado e clérigo. Os media internacionais têm descrito Rouhani como "reformista" e as suas políticas como alternativas como "moderadas" em relação às políticas de linha dura de Ahmadinajed. Os festejos de apoio ao presidente eleito inundaram Teerão, de acordo com relatos dos media, e os eleitores liberais do Irão consideram Rouhani como um novo ciclo da política iraniana.

Vai ser difícil para o presidente eleito instituir uma verdadeira mudança sob o olhar do Líder Supremo Ali Khamenei, que comanda a sua própria unidade da Guarda Revolucionária e tem poder para anular os decretos presidenciais. Os problemas que perpetuam a discriminação e perseguição contra as minorias étnicas e religiosas no Irão estão enraizados e será difícil para Rouhani ultrapassá-los, especialmente porque os conservadores e a linha-dura controlam todos os sectores religiosos, parlamentares e governamentais. Rouhani vai ter muita dificuldade para impor a sua agenda "moderada".

Recordemos que foi sob a liderança de Ahmadinejed que o Irão testemunhou um aumento da repressão contra grupos minoritários e ataques contra activistas, jornalistas e académicos, em particular os Bahá’ís. Os próximos anos de Rouhani serão interessantes, mesmo que sejam ineficazes, e vale a pena estudar a sua postura para com as minorias étnicas e religiosas. O problema, porém, é que Rouhani não disse muito sobre o tema, com excepção do seguinte:
"Eu não estabeleço diferenças entre os artigos 3,15, 19 e 22 da Constituição Iraniana. A nação iraniana é um povo e quem estabelece diferenças entre curdos, turcos, baluchis, turcomanos, árabes e persas não é um iraniano "
É uma observação vaga, uma tímida afirmação diplomática. É provável que os Bahá'ís do Irão - ou qualquer das minorias iranianas - não vejam qualquer acção forte de Rouhani em sua defesa; mas talvez possam ver uma redução da perseguição contra as suas comunidades. O Irão pode ter eleições, mas isso não significa que seja democrático - o teste decisivo para a democracia é a igualdade de direitos de todos os cidadãos, incluindo as minorias.

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FONTE: What Does Hassan Rouhani, Iran’s New Reformist Leader, Mean For Baha’is in Iran? (MNBR) 

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A Oposição Católica ao Estado Novo (1958-1974)



Uma das minhas leituras recentes foi "A Oposição Católica ao Estado Novo (1958-1974)". Trata-se de uma obra João Miguel Almeida (investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade da Universidade Nova de Lisboa) onde se analisam os diferentes momentos e episódios em que grupos de católicos progressistas afirmaram abertamente a sua oposição à ditadura portuguesa.

O livro descreve as circunstâncias e consequências de eventos marcantes, como o exílio do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes (1959); o concílio do Vaticano II (1962-1965) e a encíclica Pacem Terris (1963); a suspensão e excomunhão do Padre Felicidade Alves (1968); as diversas publicações clandestinas (ou semi-clandestinas) onde católicos progressistas davam a conhecer os seus pontos de vista e faziam eco da imprensa europeia; o relacionamento conturbado com a Santa Sé (Paulo VI visitou Fátima(1967) e mais tarde recebeu os lideres dos movimentos de libertação africanos (1970)); e a vigília na capela do Rato (1972).

A oposição católica não era uma força organizada; seria mais correcto afirmar que se tratava de um estado de espírito que animou diversos homens e mulheres a partir de 1958. Trabalhando à revelia da hierarquia da Igreja Católica (que apesar de não fazer política, abençoava e legitimava moralmente a ditadura), as suas acções e iniciativas mostraram uma cada vez maior oposição à guerra colonial, e um empenho crescente na defesa da liberdade e da democracia.

O livro merece, portanto, uma leitura atenta, sobre tudo de quem tem um interesse sobre o relacionamento da Igreja Católica com o Estado Português durante o antigo regime.

NOTA: Se algum dos visitantes brasileiros deste blogue puder recomendar um livro equivalente sobre a oposição católica à ditadura no Brasil, ficaria muito agradecido.

terça-feira, 25 de março de 2008

Fareed Zakaria: podemos exportar a democracia?




Esta opinião de Fareed Zakaria sobre a exportação da democracia, lembra-me as palavras de 'Abdu'l-Bahá - no livro O Segredo da Civilização Divina - sobre a possibilidade de levar a democracia a povos que não têm tradições democráticas.
Pois tem-se testemunhado directamente em certos países estrangeiros que após o estabelecimento de parlamentos, aqueles corpos na verdade afligiram e confundiram o povo, e as suas bem intencionadas reformas produziram resultados maléficos. Embora a formação de parlamentos, a organização de assembleias consultivas, constitua o próprio base e a pedra angular do governo, existem diversos requisitos essenciais que estas instituições devem cumprir...

Porém, se os membros destas assembleias consultivas forem inferiores, ignorantes, mal informados das leis da governação e administração, insensatos, mal intencionados, indiferentes, indolentes, egoístas, nenhum benefício advirá da organização de tais corpos. Quando, no passado, um homem pobre, queria valer os seus direitos tinha apenas que fazer uma oferta a um indivíduo, agora ele teria que renunciar a toda esperança de justiça ou então satisfazer todos os membros.
Se pensarmos que este texto foi escrito em 1875 (quantos regimes democráticos existiam nessa época?) então a actualidade e a visão de 'Abdu'l-Bahá não podem deixar de nos surpreender.

quarta-feira, 14 de março de 2007

A Democracia nas Escrituras Bahá’ís

Na sequência do post sobre Democracia e Direitos Humanos, aqui fica um breve apontamento sobre a forma como a Democracia é abordada nas Escrituras Bahá'ís.
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Na Epístola dirigida à Rainha Vitória (1868-1869), Bahá'u'lláh elogia a monarca por ter entregue “as rédeas do conselho nas mãos dos representantes do povo”; muito provavelmente, trata-se de uma alusão ao Reform Act (1867). E acrescentou: “Em verdade, fizeste bem pois assim os alicerces do edifício de tuas actividades serão fortalecidos, e os corações de todos os que se acham abrigados à tua sombra, sejam de alta ou de baixa condição, serão tranquilizados.” Nessa época, tanto no Império Otomano como na Pérsia estes ideais eram considerados subversivos pelo Estado e eram estritamente proibidos. A proclamação de Bahá'u'lláh em apoio de um governo representativo foi um acto radical para um prisioneiro indefeso encarcerado numa fortaleza esquecida na Palestina Otomana. Era também um desafio político e uma mensagem de advertência: “A duas classes de homens foi retirado o poder: monarcas e eclesiásticos[1].

O sistema parlamentar britânico é elogiado nas escrituras Bahá'ís

Em 1873, Bahá'u'lláh voltou a referir a soberania popular no Kitab-i-Aqdas, ao mencionar o Irão, prevendo que os seus interesses atravessariam uma revolução e que este país viria a ser governado por uma democracia que expressasse a vontade popular[2]. Nesse mesmo livro, o fundador da religião baha'i expressa o Seu desejo de que as Republicas da América governem com justiça. Anos mais tarde, Bahá'u'lláh clarificaria a Sua preferência pela monarquia constitucional: "Apesar da forma de governo republicano ser proveitosa a todos os povos do mundo, no entanto a majestade da realeza é um sinal de Deus. Não desejamos que os países do mundo fiquem privados deste. Se os sábios combinarem as duas formas numa, grande será a sua recompensa na presença de Deus"[3]. Note-se que Bahá'u'lláh não rejeita a ideia do republicanismo, nem a proíbe; pelo contrário, elogia-a. Ele apenas acrescenta que a República carece um símbolo unificador na forma de monarca.

Em 1891, na Epístola do Mundo, (Law-i-Dunya), o fundador da religião bahá'í afirma mais uma vez o sistema parlamentar britânico e a monarquia constitucional, como a melhor forma de governo, defendendo que se deveria constituir um parlamento iraniano à semelhança "do sistema de governo que o povo britânico adoptou em Londres"[4]. Acrescenta ainda que sem um governo estabelecido por consulta popular, o Irão cairá no caos.

Também 'Abdu'l-Bahá promoveu os ideais democráticos desde 1875. Notando que os Xá da Pérsia tinha concedido parte do seu poder absoluto a alguns conselhos estatais nomeados, 'Abdu'l-Bahá escreveu: "Na actual perspectiva do escritor, seria preferível se a eleição de membros não-permanentes de assembleias consultivas em Estados soberanos fosse dependente da vontade e escolha do povo. Pois, por conta disso, os representantes eleitos estarão um tanto inclinados a exercer justiça a fim de que sua reputação não sofra e eles não caiam em desgraça perante o público"[5]. Umas páginas mais à frente, o Mestre defende mais uma vez o sistema de governo parlamentar como um ideal, citando em apoio deste conceito versículos do Alcorão: "...cujos assuntos são governado por conselho mutuo"(42:36) e "...consultai-os sobre o assunto"(3:153).

'Abdu'l-Bahá conclui "Tendo isto em vista, como pode a questão da consulta mutua estar em conflito com a lei religiosa? As grandes vantagens da consulta também se podem apresentar através de argumento lógicos"[6]. Durante a revolução constitucional no Irão, 'Abdu'l-Bahá escreveu a um baha'i nos Estados Unidos afirmando que “um governo constitucional , segundo o texto irrefutável da Religião de Deus, é motivo de glória e prosperidade da nação, da civilização e da liberdade do povo[7]. No contexto desta carta, a palavra “constitucional” deve ser entendida como sinónimo de “democrático” ou “parlamentar”

A Porta Sublime (a corte Otomana) é referida nas escrituras Baha'is
como sinónimo de tirania e repressão.

Em 1912, durante a Sua visita aos Estados Unidos, ao falar perante numa reunião de afro-americanos em Washington D.C., o filho de Bahá'u'lláh afirmou: “Louvado seja Deus! Vós viveis no grande continente do Ocidente, gozando de perfeita liberdade, segurança e paz deste governo justo. Não há motivo para amargura ou tristeza em qualquer lugar; todos os meios de alegria e regozijo estão aí para vós, pois neste mundo humano não há bênção maior do que a liberdade. Vocês não sabem; mas eu sei, pois durante quarenta anos fui prisioneiro. Eu conheço o valor e a benção da liberdade. Mas vós estais aqui, tendes vivido em liberdade e não tendes medo de nada. Haverá bênção maior que esta? Liberdade! Segurança! Estas são as grandes dádivas de Deus. Por isso louvado seja Deus![8]

Os afro-americanos daquele tempo tinham muitos motivos de queixa relativamente às desigualdades na sociedade americana; mas 'Abdu'l-Bahá lembrou-lhe que deviam considerar as liberdades positivas que usufruíam, e acrescentou que uma democracia imperfeita era superior ao despotismo Otomano sob o qual Ele vivera a maior parte da Sua vida.

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NOTAS
[1] - Citado em God Passes By, pag.230
[2] - Kitab-i-Aqdas, pag. 54
[3] - Epístolas de Bahá'u'lláh, Bisharat, pag 36 (Ed.1983)
[4] - Epístolas de Bahá'u'lláh, Epístola do Mundo, parágrafo 31
[5] - The Secret of Divine Civilization, pag. 24
[6] - The Secret of Divine Civilization, pag. 100
[7] - Tablets of 'Abdu'l-Bahá, 3:492
[8] - The Promulgation of Universal Peace, pag. 52

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Um Estado Laico numa Sociedade Confessional

O meu artigo publicado no jornal "Público" no passado domingo(18-Dezembro).
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No mesmo fim-de-semana em que surgiu a “polémica dos crucifixos”, a Comissão de Liberdade Religiosa realizava o primeiro colóquio “A Religião no Estado Democrático”. O objectivo deste colóquio era fazer um balanço da aplicação da Lei da Liberdade Religiosa e fazer algumas comparações com lei equivalentes de outros países, nomeadamente, Alemanha, Reino Unido e Espanha.

Um denominador comum às intervenções de todos os oradores (maioritariamente cristãos), foi a defesa de um Estado laico e de uma Sociedade confessional. Pareceu claro que o Estado laico é aquele que não favorece, nem discrimina, as confissões religiosas; também consensual para todos os oradores era o facto das sociedades humanas serem confessionais. Sendo a religião um factor de identificação pessoal para a enorme maioria das pessoas, aliado ao factos dos seres humanos sentirem necessidade de se associar com aqueles com quem partilham os mesmos valores religiosos leva-nos a pensar que é utópico acreditar que as sociedades alguma vez deixarão de ser confessionais.

A história recente da humanidade mostra-nos casos diversas posturas dos Estados em relação ao fenómeno religioso. Assim poderíamos apontar exemplos de Estados Teocráticos (o actual regime iraniano, em que a lei religiosa é apresentada como legitimação da autoridade do Estado), os Estados Confessionais (as ditaduras portuguesa e espanhola, em que existia uma grande cumplicidade entre o Estado e a Religião Oficial), os Estados Ateus (o regime soviético, em que a religião era considerada um fenómeno obscurantista, e ferozmente perseguida).

Entre aqueles Estados que designamos como democráticos as atitudes em relação ao fenómeno religioso também são diversas. Nos Estados Unidos, o Governo adoptou um modelo de cooperação com as confissões religiosas; em França, existe uma indiferença (que assume, por vezes, um carácter de hostilidade) em relação à religião. E noutros países europeus, nomeadamente a Grécia, o Reino Unido, a Alemanha, a Finlândia e a Dinamarca, existem dispositivos legais que favorecem uma, ou mais, confissões dominantes.

Em Portugal, o Estado assumiu uma postura de cooperação com as Confissões Religiosas com a publicação da Lei da Liberdade Religiosa (16/2001). Esta lei proclama o princípio da não confessionalidade do Estado, afirma explicitamente que “o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes religiosas” e assume uma postura de colaboração com as diferentes confissões religiosas ao abrir o ensino da religião nas escolas públicas e os serviços públicos de televisão e radiodifusão às diversas confissões religiosas. A mesma lei estabeleceu a possibilidade de celebrações de acordos entre o Estado e as comunidades religiosas em matérias de interesse comum.

A acção do Estado deve caracterizar-se pela justiça e pela isenção; e é assim que deve ser entendido o recente “caso dos crucifixos”. Desta forma, não posso deixar de concordar com as palavras do Dr. Menéres Pimentel, presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, que ao referir-se a este assunto declarou representar “uma interferência da religião na esfera pública, intolerável, pouco consentânea com o princípio da separação entre o Estado e as confissões religiosas, com a liberdade religiosa dos membros de outras confissões religiosas e com a liberdade de consciência daqueles que não professem qualquer religião

Sabemos que o Estado coopera com diversos agentes culturais, políticos, financeiros desportivos e outros. A cooperação baseia-se sempre num princípio de equidistância, não discriminação e não favorecimento de nenhum desses agentes. Nas instalações dos organismos estatais (ou instituições dependentes do Estado) devem reflectir esse princípio de equidade. Que pensaria um contribuinte, ou um representante de qualquer empresa se ao entrar numa repartição de finanças encontrasse sempre afixado um cartaz de uma qualquer instituição financeira? Como reagiria um cidadão se ao entrar nas instalações de um organismo estatal responsável pelo desporto em Portugal visse constantemente afixado um símbolo de um clube desportivo? E o que dizer se nas instalações dos organismos governamentais estivessem continuamente afixados símbolos de uma mesma força política?

É, pois, à luz da Lei da Liberdade Religiosa que o recente “caso dos crucifixos” pode ser analisado com maior objectividade. Infelizmente a tentativa de aproveitamento político deste episódio e o teor claramente desinformado (quando não insultuoso) de alguns comentários que vieram a público, em nada contribuíram para uma análise serena desta questão.

Num momento em que esta polémica parece perder a intensidade retenho duas ideias essenciais:
  • "Ninguém é mais ou menos cristão por existirem, ou não, crucifixos nas salas de aula". Foi uma frase que ouvi de alguns amigos cristãos mais esclarecidos. Era importante que a maioria dos católicos também percebesse isso.
  • A retirada dos crucifixos surgiu aos olhos da opinião pública como resultado de uma iniciativa da Associação Republica e Laicidade (fazendo com isso despertar o fantasma jacobino e anti-religioso da Primeira República). Teria sido preferível que a Comissão da Liberdade Religiosa tivesse sido ouvida sobre a matéria. Talvez este episódio sirva para relembrar o Governo da importância desta Comissão e remediar a tremenda falta de meios com que esta trabalha.

segunda-feira, 28 de novembro de 2005

A Religião no Estado Democrático

Não obstante uma considerável falta de meios humanos e materiais, a Comissão da Liberdade Religiosa realizou o colóquio "A Religião no Estado Democrático". Uma iniciativa louvável, que permitiu a todos que se interessam por estas questões ouvir opiniões, perceber diferentes perspectivas e debater vários aspectos relacionados com esta matéria. Para quem se exalta com a questão dos crucifixos na Escolas Públicas, teria sido bom assistido às sessões deste colóquio; católicos, evangélicos, ortodoxos, muçulmanos, judeus, baha’is e ateus estiveram presentes e debateram serena e abertamente estes assuntos. Uma boa lição de convivência.

Não obstante as virtudes e o interesse despertado por este colóquio, sinto-me na obrigação de deixar algumas sugestões, que acredito poderem melhorar de alguma forma um próximo evento deste tipo.
  • Seria enriquecedor poder contar com a presença de alguém que conhecesse a situação de Liberdade Religiosa em países com história de relacionamento Estado-Religião é bem diferentes da nossa, nomeadamente França, Estados Unidos e Turquia.
  • Seria importante contar com a intervenção de alguns representantes das minorias religiosas (os principais oradores deste colóquio eram cristãos).
  • Seria importante contar com a intervenção de mulheres (Esther Mucznik apenas falou na qualidade de coordenadora de uma das sessões).
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Algumas notas pessoais: o que se seguem são algumas notas que tomei durante as intervenções de alguns dos palestrantes; pode não ser o essencial das suas intervenções, mas são os tópicos que despertaram a minha atenção.

Vera Jardim:
Defendeu a importância da Lei de Liberdade Religiosa (LLR) pela necessidade de regulamentar a relação do estado com as diferentes confissões religiosas. Salientou que não era contra a Concordata, mas que teria sido preferível que esta tivesse sido substituída por um acordo regulamentar, abrangido em parte pela LLR. Recordou ainda que parte da Concordata ainda está por regulamentar, e notou que existe algum receio em debater a LLR e a Concordata

Jorge Bacelar Gouveia:
Ao longo da sua intervenção (cujas partes mais importantes já transcrevi neste blog) chamou a atenção para o facto do edifício legislativo da Liberdade Religiosa estar praticamente concluído. Para quem defende que o Estado se deve alhear totalmente das comunidades religiosas, deixou uma resposta em tom de pergunta: “Se o Estado coopera com fenómeno desportivo, cultural, e financeiro, porque não coopera com as religiões?”

Esther Mucznik:
Salientou a importância da LLR como um quadro legal para o exercício da prática religiosa. O exercício da prática religiosa não pode depender da boa vontade dos actores sociais. Como exemplo, recordou que os seus pais tinham sempre de pedir aos professores para não lhe marcarem exames para os sábados.
A prática religiosa faz parte da identificação pessoal de um indivíduo. Ser judeu, muçulmano ou outra coisa qualquer é outra maneira de ser português. A separação Estado-Religião é uma condição essencial para a democracia.

Stephen Dix:
Na Alemanha existe uma separação “coxa” entre Estado e Religião. O Estado não é verdadeiramente laico, pois Católicos e Protestantes têm direitos especiais nomeadamente no pagamento de impostos. O facto de alguns católicos e evangélicos se terem oposto ao nazismo pode ser visto como a raiz dos actuais privilégios. No entanto, na Baviera já se leccionam aulas sobre o Islão (em turco e em alemão) com o objectivo de dar aos alunos informação sobre esta religião (não se trata de ensino religioso).

Sousa Brito:
Os símbolos religiosos têm diferentes forças m diferentes sociedades; um véu na Turquia tem uma força e um significado muito diferente de uma cruz na lapela, em Portugal. Quanto à LLR, devemos ter presente que não existem sistemas perfeitos. Cada país tem um sistema de liberdade religiosa que é fruto de um percurso histórico.

Paul Beaumont:
A Escócia e a Inglaterra têm diferentes histórias de liberdade religiosa. Em Inglaterra, a Igreja está “estabelecida”, tem privilégios e os bispos têm visibilidade em actos públicos. Na Escócia, a Igreja está estabelecida, os bispos aparecem em actos públicos, mas a Igreja não tem privilégios.
No Reino Unido não existem problemas com o véu. É considerado uma forma tranquila de expressão da identidade pessoal. Também não existe nenhum processo de registo de Comunidades Religiosas; são associações cívicas (como clubes filantropos ou desportivos)
Só num passado recente se enfatizou a Liberdade Religiosa, porque a teologia não compreendia a correctamente a natureza de Deus. A religião não pode ser obrigatória. Infelizmente a história e a tradição religiosas não são aquilo que gostaríamos que fossem. Stº Agostinho defendeu a perseguição dos hereges para que surgissem os verdadeiros crentes. A própria Reforma não foi um acto gerador de liberdade religiosa pois não gerou Estados onde existisse liberdade religiosa.
Foram os reformistas radicais que introduziram a noção de Liberdade Religiosa ao rejeitarem a coerção religiosa, para eles os hereges apenas podiam ser expulsos da igreja (não podiam ser perseguidos).

Alberto de la Hera:
Em 1967 foi publicada a primeira lei de liberdade religiosa (ainda muito limitativa). Mas a Espanha foi um Estado confessional até 1978 (com excepções em breves períodos de tempo). O Estado não é confessional mas a sociedade espanhola é confessional. Existem muitos modelos de laicidade, mas devem-se evitar estados ateus e confessionais. As comunidades religiosas devem contribuir para o bem público para que o estado possa colaborar com elas. A LLR portuguesa é melhor que a espanhola.

domingo, 27 de novembro de 2005

Problemas do Direito Português da Religião

O texto seguinte é um pequeno da parte final da intervenção do Dr. Jorge Bacelar Gouveia, no 1º Colóquio Religião no Estado Democrático, que decorreu nos dias 25 e 26 de Novembro em Lisboa, e foi promovido pela Comissão da Liberdade Religiosa.
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Questões controversas no Direito Português da Religião

O primeiro problema diz respeito às intervenções médicas que sejam proibidas pela confissão religiosa do doente em causa, havendo certas religiões que proíbem a adopção de certos tratamentos médicos, como as transfusões de sangue.

Evidentemente que aqui se enfrente uma colisão de dois deveres: o dever de respeitar a liberdade religiosa e o dever de salvar a vida do doente.

A lei da Liberdade Religiosa tem o preceito, que é o art. 11º, que esclarece a autodeterminação dos menores a partir dos 16 anos, em matéria de religião: “Os menores, a partir dos 16 anos de idade, têm o direito de realizar por si as escolhas relativas à liberdade de consciência, de religião e de culto”.

A verdade, porém, é que por aqui não vamos lá. O que interessa é verificar se há consentimento consistente por parte do doente: se houver, devendo ser actual, a sua vontade deve ser respeitada, mesmo conduzindo à morte; se não houver, deve prevalecer o direito de o salvar, mesmo que isso signifique a violação de um preceito religioso.

Pode por vezes suceder que um certo consentimento não seja relevante, e não tanto por causa da idade; aí, deve o profissional de saúde ter a sabedoria de discernir um consentimento consistente e maduro, que deve respeitar, e um consentimento inconsistente, imaturo, que não tem de respeitar, com a consequente salvação do doente.

O segundo problema é o do conceito legal de religião, sem o qual não é possível saber o que seja uma confissão religiosa, condição prévia para a aplicação de todos os direitos que são especificamente concedidos em função dessa realidade de cunho religioso.

Todos temos a noção, por mais empírica que seja, embora também haja dados científicos estatísticos, de que a recente explosão das religiões, em acelerada multiplicação, bastando pensar no caso português, nem sempre tem por detrás de si verdadeiras manifestações de religiosidade.
Efectivamente, pensando nos benefícios fiscais que são aplicados à actividade religiosa, não custa muito admitir a hipótese de que pode haver actividades económicas lucrativas camufladas de actividades religiosas, mas cujo fim é fazer comércio, não exercer uma religião.

Problema ainda mais complicado é o da fluidez do conceito da religião em razão das fronteiras que se vão esbatendo, como sucede com a distinção entre religião e movimentos espiritualistas “new age”, ou mesmo entre religião e os cultos satânicos, estes como se compreende não procurando propriamente prosseguir o bem moral, antes prestando culto às forças malignas...

São estas actividades das religiões? Não o sendo, como discernir, em cada caso, as que são das que não são? Pode o Estado recusar-lhes estatuto de religião? Uma vez reconhecidas como tal, pode o Estado retirar-lhe esse estatuto, com base na falta superveniente dos respectivos pressupostos?

Tudo respostas nada fáceis, mas em que a Comissão da Liberdade Religiosa terá um papel decisivo, para o que nada contribui o laconismo da Lei da Liberdade Religiosa, neste ponto estranhamente omissa.

O terceiro problema está directamente relacionado com as religiões que praticam sacrifícios de animais como actos de culto, hipótese em que a Lei da Liberdade Religiosa estabelece um preceito numa forma vaga, em que se afirma o seguinte no respectivo art. 26º: “O abate religioso de animais deve respeitar as disposições legais aplicáveis em matéria de protecção dos animais”

É assim evidente que este preceito, sozinho, não diz grande coisa, pelo que se impõe que seja compaginado com a legislação portuguesa em matéria de direitos dos animais, em que Portugal vai progredindo, não só normativamente falando, mas também no plano da consciência social, sendo até recentes os activos movimentos de defesa dos animais.

Pergunta-se: havendo o sacrifício dos animais como acto religioso, é essa prática considerada ilegal, ao abrigo da legislação protectora das animais?

Tudo depende do modo como forem realizados os sacrifícios dos animais, na certeza de que este é bem um caso em que este preceito da Lei da Liberdade Religiosa, ao remeter para a legislação protectora dos animais está a dar primazia às normas protectoras dos animais sobre as normas de protecção das confissões religiosas

O quarto problema indicado é de teor organizatório, mas situa-se no âmago de uma das maiores inovações que a LLR introduziu no Direito Português da Religião.

Trata-se da possibilidade que é conferida às confissões religiosas não católicas de poderem celebrar com o Estado Português acordos legislativos, que são propostos pelo Governo e são aprovados por acto legislativo da Assembleia da República.

Mas são várias as dúvidas que ficam no ar, pensando-se no facto de a disciplina contratual da Igreja Católica ser feita por esquema diverso, como é a da via concordatária, que tem a natureza de tratado internacional celebrado entre Portugal e a Santa Sé.

A primeira delas é a seguinte: como o Direito Internacional Público prevalece sobre o Direito Legal interno, não ficam as confissões religiosas não católicas prejudicadas por verem o seu regime contratualizado com o Estado através de uma via normativa com menos força hierárquica?

Outras porém, podem ser apresentadas: até que ponto os acordos celebrados entre o Estado e as confissões religiosas são válidos através de acto legislativo que pode ser unilateralmente alterado pelo Estado e sem o concurso da vontade dessas mesmas confissões religiosas?

A Relação entre Estado e Religião

O texto seguinte é um pequeno excerto da intervenção do Dr. Jorge Bacelar Gouveia, no 1º Colóquio Religião no Estado Democrático (que decorreu nos dias 25 e 26 de Novembro em Lisboa), promovido pela Comissão da Liberdade Religiosa.
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Alguns problemas recentes na relação entre o Estado e a Religião

Contudo, a aceitação genérica da laicidade do Estado no contexto do Estado Constitucional - tendo sido, de resto, esta matéria uma das razões para o seu aparecimento, e que amadureceu e se estabilizou neste modelo - não se pode considerar ainda de aplicação universal, já que são várias as situações concretas que se vivem de desvios, mais ou menos acentuados, mesmo que exprimindo realidades concretas e, por vezes, a singularidade histórico-social dos países envolvidos.

Não me parece ser aceitável, desde logo, a adopção de um modelo de laicismo - não confundir com modelo de laicidade - em que o Estado, o poder político em geral e o Direito, assumem que as religiões não existem, caindo eles próprios numa religião negativa, que é anti-religião.

Sem dúvida que a França é um Estado que perigosamente se aproxima deste modelo, em cujo ordenamento jurídico certas leis - como a lei do uso dos símbolos religiosos - pretendem erradicar qualquer manifestação de religiosidade no espaço público, neste caso das escola públicas, numa óbvia violação da liberdade religiosa mais elementar

Ou de certa sorte nalguns Estados que ainda têm uma inspiração marxista-leninista e onde se verificam limitações graves ao exercício da liberdade religiosa, não tanto no plano individual, quanto no plano institucional, no qual cada confissão religiosa, de âmbito nacional ou internacional, tem o direito de livremente se organizar.

Também me parece ser condenável que noutros Estados, como sucede nalguns Estados com fusão ou identificação religiosa, religiões não dominantes não seja toleradas, quando não mesmo reprimidas, limitando-se o culto ao espaço privado de algumas embaixadas...

A questão da liberdade religiosa nestes Estados, bem como da confessionalidade do Estado, acabam por ser mais complexos do que se julga, uma vez que os pressupostos culturais desses Estados são substancialmente diferentes dos quadros conceptuais em que se formaram os Estados europeus.

Não se pode ainda esquecer daquilo que sucede nalguns dos Estados mais avançados da Europa e cuja democraticidade do respectivo sistema político não oferece dúvidas a ninguém, sendo de referir, na Europa comunitária, os seguintes exemplos:

  • no Reino Unido, além de o monarca dever pertencer à Igreja Anglicana, a Câmara dos Lordes integra arcebispos e bispos daquela confissão religiosa, sendo os respectivos clérigos inclusivamente nomeados pelo monarca;
  • na Dinamarca, o art. 4º da Constituição afirma que “A Igreja Evangélica Luterana é a Igreja nacional dinamarquesa e goza, como tal, do apoio do Estado” e o respectivo art. 6º diz ainda que o “... Rei deve pertencer à Igreja Evangélica Luterana”;
  • na Finlândia, o art. 83 da Constituição dispõe que “A legislação eclesiástica estabelecerá a organização e a administração da Igreja Evangélica Luterana”;
  • na Grécia, o art. 4º da Constituição prescreve que “A religião dominante na Grécia é a da Igreja Ortodoxa Oriental de Cristo”, dizendo-se também nesse mesmo preceito que “O texto das Sagradas Escrituras é inalterável” e que “É proibida a sua tradução oficial para outra forma de linguagem sem a aprovação da Igreja Autocéfala da Grécia e da Grande Igreja Cristã de Constantinopla”, tudo isto sem falar do regime de imunidade soberana do Monte Athos, que tem um estatuto de impenetrabilidade do poder estadual, reconhecido pelo art. 105º da Constituição da Grécia.
É evidente que nestes Estados - ou noutros Estados com este idêntico problema - a afirmação de certa religião como oficial não está associada a qualquer monismo religioso, visto que a liberdade de religião e de consciência existe e é livremente praticada.

Mas não deixa de ser estranha a conivência destes Estados avançados do 1º Mundo com uma única religião, que por vezes já nem sequer é a sociologicamente dominante, numa condenável mistura entre o factor religioso e o factor político.

sábado, 26 de novembro de 2005

Modelos de Laicidade

O texto seguinte é um pequeno excerto da intervenção do Dr. Jorge Bacelar Gouveia, no 1º Colóquio Religião no Estado Democrático (a decorrer nos dias 25 e 26 de Novembro em Lisboa), promovido pela Comissão da Liberdade Religiosa.
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O Predomínio do Modelo da Laicidade Republicana

Só com a Idade Contemporânea é que se estabeleceriam as bases da laicidade, em que vigora a separação entre o Estado e as Igrejas, o genericamente entre o Direito e a Religião.

Mas o período da Idade Contemporânea está longe de ser linear, pois que são diversas as experiências que a atravessam:

  • a experiência da laicidade norte-americana, em que o Estado, em clima de pluralismo religioso, sociologicamente provocado pela diversidade vivida nas antigas colónias da América do Norte, coopera com as religiões e as reconhece e as aceita no espaço público;
  • a experiência da laicidade francesa, em que o Estado se erige a “inimigo” da religião, pretendendo eliminar os seus vestígios, numa luta essencialmente política com a religião dominante, a Igreja Católica;
  • a experiência da laicidade soviética em que o Estado persegue a religião como manifestação “obscurantista” – o ópio do povo, no dizer de Karl Marx – e a vê como aliada da burguesia, contrariando o caminho rumo à sociedade e ao homem comunistas.
É assim que hoje se vai propagando o modelo de separação entre o Estado e as Igrejas, e também entre o Direito e a Religião, ainda que sejam diversos os esquemas em que isso sucede:

  • a separação cooperativa, em que o Estado colabora com as actividades desenvolvidas pelas confissões religiosas, havendo um identidade de fins;
  • a separação neutral, em que o Estado não intervém em actividades conjuntamente com as confissões religiosas.
São inegáveis as vantagens que se associam ao modelo da separação entre o Estado e a Religião, dado que dele decorrem alguns princípios e linhas de orientação que a todos beneficiam:

  • a liberdade de religião e de consciência, uma vez que cada indivíduo e grupo, se o Estado nada diz sobre a matéria, tem a liberdade de escolher a sua religião, de a praticar, de dela sair e para ela voltar a entrar, dentro dos critérios de cada religião em causa;
  • o princípio de igualdade no tratamento das religiões, pois se não há religião oficial, não há tratamento de desfavor, mas apenas o reconhecimento de uma realidade social e humana com a qual o Estado pode colaborar para certos efeitos;
  • o princípio democrático, na medida em que a separação entre o Estado e as confissões religiosas não faz do poder político presa de nenhuma religião, sendo legítimo a todos os grupos politico-partidários, independentemente da sua conexão religiosa, ganharem e exercerem o poder político.