domingo, 27 de novembro de 2005

A Relação entre Estado e Religião

O texto seguinte é um pequeno excerto da intervenção do Dr. Jorge Bacelar Gouveia, no 1º Colóquio Religião no Estado Democrático (que decorreu nos dias 25 e 26 de Novembro em Lisboa), promovido pela Comissão da Liberdade Religiosa.
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Alguns problemas recentes na relação entre o Estado e a Religião

Contudo, a aceitação genérica da laicidade do Estado no contexto do Estado Constitucional - tendo sido, de resto, esta matéria uma das razões para o seu aparecimento, e que amadureceu e se estabilizou neste modelo - não se pode considerar ainda de aplicação universal, já que são várias as situações concretas que se vivem de desvios, mais ou menos acentuados, mesmo que exprimindo realidades concretas e, por vezes, a singularidade histórico-social dos países envolvidos.

Não me parece ser aceitável, desde logo, a adopção de um modelo de laicismo - não confundir com modelo de laicidade - em que o Estado, o poder político em geral e o Direito, assumem que as religiões não existem, caindo eles próprios numa religião negativa, que é anti-religião.

Sem dúvida que a França é um Estado que perigosamente se aproxima deste modelo, em cujo ordenamento jurídico certas leis - como a lei do uso dos símbolos religiosos - pretendem erradicar qualquer manifestação de religiosidade no espaço público, neste caso das escola públicas, numa óbvia violação da liberdade religiosa mais elementar

Ou de certa sorte nalguns Estados que ainda têm uma inspiração marxista-leninista e onde se verificam limitações graves ao exercício da liberdade religiosa, não tanto no plano individual, quanto no plano institucional, no qual cada confissão religiosa, de âmbito nacional ou internacional, tem o direito de livremente se organizar.

Também me parece ser condenável que noutros Estados, como sucede nalguns Estados com fusão ou identificação religiosa, religiões não dominantes não seja toleradas, quando não mesmo reprimidas, limitando-se o culto ao espaço privado de algumas embaixadas...

A questão da liberdade religiosa nestes Estados, bem como da confessionalidade do Estado, acabam por ser mais complexos do que se julga, uma vez que os pressupostos culturais desses Estados são substancialmente diferentes dos quadros conceptuais em que se formaram os Estados europeus.

Não se pode ainda esquecer daquilo que sucede nalguns dos Estados mais avançados da Europa e cuja democraticidade do respectivo sistema político não oferece dúvidas a ninguém, sendo de referir, na Europa comunitária, os seguintes exemplos:

  • no Reino Unido, além de o monarca dever pertencer à Igreja Anglicana, a Câmara dos Lordes integra arcebispos e bispos daquela confissão religiosa, sendo os respectivos clérigos inclusivamente nomeados pelo monarca;
  • na Dinamarca, o art. 4º da Constituição afirma que “A Igreja Evangélica Luterana é a Igreja nacional dinamarquesa e goza, como tal, do apoio do Estado” e o respectivo art. 6º diz ainda que o “... Rei deve pertencer à Igreja Evangélica Luterana”;
  • na Finlândia, o art. 83 da Constituição dispõe que “A legislação eclesiástica estabelecerá a organização e a administração da Igreja Evangélica Luterana”;
  • na Grécia, o art. 4º da Constituição prescreve que “A religião dominante na Grécia é a da Igreja Ortodoxa Oriental de Cristo”, dizendo-se também nesse mesmo preceito que “O texto das Sagradas Escrituras é inalterável” e que “É proibida a sua tradução oficial para outra forma de linguagem sem a aprovação da Igreja Autocéfala da Grécia e da Grande Igreja Cristã de Constantinopla”, tudo isto sem falar do regime de imunidade soberana do Monte Athos, que tem um estatuto de impenetrabilidade do poder estadual, reconhecido pelo art. 105º da Constituição da Grécia.
É evidente que nestes Estados - ou noutros Estados com este idêntico problema - a afirmação de certa religião como oficial não está associada a qualquer monismo religioso, visto que a liberdade de religião e de consciência existe e é livremente praticada.

Mas não deixa de ser estranha a conivência destes Estados avançados do 1º Mundo com uma única religião, que por vezes já nem sequer é a sociologicamente dominante, numa condenável mistura entre o factor religioso e o factor político.

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