A pensadora e filósofa judaico-alemã Hannah Arendt, que imigrou para os EUA após a tomada do poder pelos nazis, escreveu em 1957 um artigo intitulado “Verdade e Política” para a revista a New Yorker onde afirmava:
Nunca ninguém duvidou que a verdade e a política se desentendem, e ninguém, que eu saiba, considerou alguma vez a veracidade como uma virtude política. As mentiras sempre foram consideradas ferramentas necessárias e justificáveis, não só do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista.
Esta análise crítica da época da Guerra do Vietname também é aplicável às guerras do século XXI.
Infelizmente, as mentiras, os fanatismos e os preconceitos iniciam guerras.
Então, como é que lidamos com a busca da verdade quando os países e as facções em guerra têm versões completamente diferentes daquilo que consideram ser a verdade? Hoje, o discurso público é ainda mais perturbado pela desinformação e pela propaganda, tornando-se ainda mais difícil procurar e encontrar a verdade.
Numa perspetiva Bahá'í, o encontro de diferentes opiniões marca sempre o início de um processo de busca da verdade, seja em esferas pessoais, fóruns inter-religiosos ou em qualquer outro lugar. De facto, este princípio — a investigação independente da verdade — é uma das crenças fundamentais da Fé Bahá’í. ‘Abdu’l-Bahá, num discurso proferido em Washington, D.C., em 1912, afirmou:
O primeiro ensinamento de Bahá’u’lláh é o dever de todos de investigar a realidade. O que significa investigar a realidade? Significa que o homem deve esquecer todos os rumores e examinar a verdade por si mesmo, pois não sabe se as declarações que ouve estão de acordo com a realidade ou não. Onde quer que encontre a verdade ou a realidade, deve agarrar-se a ela, abandonando e descartando tudo o resto; pois fora da realidade não há senão superstição e imaginação.
Em termos práticos, isto significa que só o caminho, muitas vezes árduo, da consulta — a que podemos alternativamente chamar discussão ou diálogo — conduz, passo a passo, à descoberta da verdade. 'Abdu'l-Bahá disse ainda: "A faísca brilhante da verdade surge apenas após o choque de opiniões divergentes."
Assim sendo, tornou-se crucial que, numa atitude de respeito mútuo, todas as alternativas ou opiniões apresentadas sejam permitidas, e que todos os participantes em qualquer discurso se sintam livres para expressar as suas opiniões. Só a capacidade de encontrar a verdade, apesar da ampla diversidade de opiniões, nos pode ajudar em tempos de crise a evitar a polarização e a divisão. Devemos ouvir todos.
Isto levanta a seguinte questão: como é que a falta de veracidade política lamentada por Arendt contribui para a incerteza, a desconfiança e a polarização? A perda de consenso em questões sociais importantes — nomeadamente, a perda da capacidade para tomar decisões que possam ser igualmente apoiadas pela maioria da população — pode pôr em perigo democracias que dependem da verdade para a sua sobrevivência.
Paz - A Principal Preocupação da Humanidade
Tal paz exige que as Grandes Potências resolvam, para tranquilidade dos povos da terra, reconciliar-se plenamente entre si. Se algum rei pegar em armas contra outro, todos unidos, deverão levantar-se e impedi-lo. Se isto for feito, as nações do mundo não mais precisarão de armamentos, excepto a fim de preservar a segurança dos seus domínios e manter a ordem interna dentro dos seus territórios. (Epístola a Maqsud, ¶8)
Garantir a paz como uma tarefa conjunta de todas as nações do mundo é, por isso, uma tarefa inevitável e necessária para o bem-estar futuro da humanidade.
Com a criação da Sociedade das Nações na década de 1920 e das Nações Unidas na década de 1940, foram dados os primeiros passos nesta caminhada global rumo à segurança colectiva de toda a humanidade. Estes pequenos passos, por mais imperfeitos que fossem, impulsionaram a nossa família humana para o objectivo da unidade e da paz.
Estes primeiros passos reconheceram implicitamente – como os ensinamentos Bahá’ís têm afirmado desde meados do século XIX – que devemos agora considerar toda a raça humana como uma única família, ultrapassando todas as fronteiras, sejam elas nacionais, religiosas ou étnicas. Numa oração que revelou na Igreja de Todas as Almas em Chicago, em 1912, ‘Abdu’l-Bahá pediu ao Criador:
Une todos. Permite que as religiões concordem e faz com que as nações sejam uma só, para que se vejam como uma só família e toda a Terra como um único lar. Que todos vivam juntos em perfeita harmonia.
Embora a humanidade ainda pareça longe de alcançar a justiça social, a harmonia perfeita pareça um objectivo impossível e o desmantelamento de fronteiras continue a ser um desafio em todo o lado, a nossa compaixão por todas as pessoas que sofrem com guerras e aflições deve ser abrangente. Acima de tudo, a compaixão unilateral não deve conduzir ao ódio; o ódio pode facilmente ser utilizado para justificar mais guerras.
Antes da Primeira Guerra Mundial, em 1911, durante um discurso em Paris, 'Abdu'l-Bahá apelou aos seus ouvintes para "mostrarem compaixão e boa vontade para com toda a humanidade". Podemos alcançar melhor este elevado objectivo fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar guerras futuras.
Como? É evidente que a crescente polarização nas nossas sociedades e no mundo em geral é, em grande medida, uma herança do passado. Os ensinamentos Bahá’ís incentivam-nos a alinhar a nossa bússola interior com o futuro, concentrando os nossos pensamentos, discursos e acções no bem-estar de toda a raça humana. Podemos trabalhar para um futuro pacífico se centrarmos os nossos pensamentos e acções ao serviço dos outros — no nosso ambiente pessoal, na nossa região do mundo e, de preferência, à escala global.
Uma versão anterior deste artigo apareceu pela primeira vez em alemão neste link:
https://www.perspektivenwechsel-blog.de/bahai-artikel/diskurs-mitreden
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Texto original: Seeking Truth in a Polarized World (www.bahaiteachings.org)
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Ingo Hofmann é doutorado em física pela universidade de Munique e professor na Goethe-University, em Frankfurt (Alemanha). Nos anos mais recentes trabalho como representante para assuntos externos da Comunidade Bahá'í da Alemanha É autor do livro Apokalypse im Umbruch der Zeit (BoD, 2019) onde apresenta e desenvolve o tema deste artigo.
1 comentário:
Desde o antigo Egito, governantes e políticos usaram e abusaram fartamente da mentira como uma de suas principais armas de dominação. Mentiras, fanatismos e preconceitos certamente podem iniciar guerras, mas embora as populações também tenham suas mentiras, fanatismos e preconceitos, as guerras nunca ou quase nunca são iniciativa sua. No meu modo de ver, não são propriamente as mentiras, fanatismo e preconceitos que iniciam guerras, mas o ego inflado dos governantes, sua sede de poder, de dominação e de auto-engrandecimento.
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