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sábado, 31 de maio de 2025

Einstein acreditava num Criador?

Por Vahid Houston Ranjbar.


Há pessoas que adoptam um conceito muito abstrato de Deus, conceito esse que é referido como o Deus de Einstein.

Einstein referiu-se a si próprio como um crente “panteísta” no “Deus de Espinosa” — um Ser Supremo abstrato e impessoal. Sentia também que o problema de Deus era “o mais difícil do mundo” e considerava-o “demasiado vasto para as nossas mentes limitadas”. Ele disse:

Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia jurídica do mundo, e não num Deus que se preocupa com o destino e as ações da humanidade. (Albert Einstein, entrevista com George Sylvester Viereck, Glimpses of the Great, p. 375)

Embora possa discordar dos detalhes do panteísmo de Einstein, ainda me sinto filosoficamente muito próximo desta abordagem, tal como muitos cientistas modernos. Na verdade, o Deus de Einstein pode ser aplicado ao que eu chamo de “Deus na sua essência”.

Como Bahá'í, negaria qualquer conhecimento pessoal directo de Deus. No entanto, acredito que existe um Criador real manifesto no universo, abstraído sob este "Deus na sua essência", que está consciente, é pessoal, e que tem sido descrito através de mensageiros ao longo da história humana — o mesmo Deus teísta descrito pelos profetas e fundadores das principais religiões. Os ensinamentos Bahá’ís referem-se a este Criador como uma “Essência” incompreensível e incognoscível:

Sabei que a realidade da Divindade e a natureza da Essência divina é a sacralidade inefável e a santidade absoluta; isto é, está exaltado acima e santificado para além de todo o louvor. Todos os atributos conferidos aos mais elevados graus da existência são, em relação a esta condição, mera imaginação. O Invisível e o Inacessível nunca poderão ser conhecidos; a Essência absoluta nunca poderá ser descrita. Pois a Essência divina é uma realidade abrangente, e todas as coisas criadas são abrangidas. O que tudo abrange deve ser certamente maior do que aquilo que é abrangido, e assim este último não pode de modo algum descobrir o primeiro ou compreender a sua realidade. Por muito que as mentes humanas possam evoluir, mesmo que alcancem o mais elevado grau da compreensão humana, o limite máximo desta compreensão é contemplar os sinais e os atributos de Deus no mundo da criação e não no reino da divindade. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, p. 165)

Compare-se esta perspectiva, originalmente expressa por ‘Abdu’l-Bahá em 1904, com a de Einstein, numa entrevista que deu em 1930:

A mente humana, por muito bem treinada que esteja, não consegue compreender o universo. Estamos na condição de uma criança pequena, a entrar numa enorme biblioteca cujas paredes estão cobertas até ao tecto com livros em muitas línguas diferentes. A criança sabe que alguém deve ter escrito aqueles livros. Não sabe quem, nem como. Ele não compreende as línguas em que estão escritos. A criança nota um plano definido na disposição dos livros, uma ordem misteriosa, que não compreende, mas apenas suspeita vagamente. Esta, parece-me, é a atitude da mente humana, mesmo a mais grandiosa e culta, em relação a Deus. Vemos um universo maravilhosamente organizado, obedecendo a determinadas leis, mas compreendemos essas leis apenas vagamente. As nossas mentes limitadas não conseguem compreender a força misteriosa que influencia as constelações. (Albert Einstein, entrevista com George Sylvester Viereck, Glimpses of the Great, pp. 372-373)

Apesar destas visões sofisticadas de um Motor Imóvel no universo, a religião, em particular grande parte do teísmo tradicional, parece estar em total declínio na cultura mais ampla. Cada vez menos pessoas, sobretudo os jovens, querem ter qualquer relação com a fé religiosa tradicional. Na minha experiência, os ataques ao teísmo parecem estar a crescer na natureza da sua crueldade, no ridículo e no escárnio, espalhando-se para além da classe intelectual tradicional e atingindo todas as classes sociais. À medida que este tipo de descrença se espalha, o antagonismo dirigido à religião parece crescer, alimentado por um sentimento de traição e pela raiva de se sentir enganado.

Muitos observadores atribuem esta tendência ao assassinato em massa, à tirania, à corrupção e à celebração da ignorância perpetrados em nome da religião, tanto no passado como no presente. Por vezes, porém, a rejeição do teísmo tornou-se tão dogmática e irrefletida que reflete a mentalidade do literalista ultrarreligioso — sendo qualquer indício de teísmo considerado uma espécie de ilusão anticientífica e tirânica, rejeitado sem qualquer consideração. Por outro lado, aqueles que ainda se agarram às crenças tradicionais literalistas, embora em declínio, tornaram-se agora mais incisivos na sua rejeição da ciência e do intelectualismo.

É claro que muitos teístas aceitam a racionalidade e a autoridade da ciência moderna, mas as suas vozes parecem mais fracas e os argumentos para a crença mais vagos, e por vezes a ciência parece opor-se à sua posição.

Em apoio desta posição — uma fé firme num Criador coerente e coexistente com uma aceitação racional das verdades exemplificadas pela ciência — quero expor as minhas razões lógicas para a crença no segundo ensaio desta série de três partes.

Devo dizer em primeiro lugar, porém, que tenho outras razões mais importantes baseadas na minha experiência pessoal com as Escrituras de Bahá’u’lláh, a oração e a meditação, mas estas podem não ser facilmente compreendidas por outros — pelo que, no próximo ensaio, vou cingir-me à razão, à lógica e à ciência, tal como Einstein fez.

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Texto original: Did Einstein Believe in a Creator? (www.bahaiteachings.org)


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Vahid Houston Ranjbar é um físico que trabalha no Relativistic Heavy Ion Collider no Brookhaven National Labs.

sábado, 13 de julho de 2024

Como devo viver?

Por David Langness.


Numa conceituada universidade britânica, uma placa colocada à entrada do departamento de filosofia ironizava: “Filosofia: temos todas as perguntas”.

Provavelmente, a maioria destas questões surgiram primeiramente com Sócrates, o filósofo grego, hoje conhecido como o Pai da Filosofia. Sócrates foi o primeiro a colocar muitas das questões filosóficas com as quais ainda hoje nos debatemos, mas colocou a famosa questão mais importante a que a ciência não consegue responder: “Como devemos viver?”

Naquela época, e agora, nenhum conhecimento científico nos pode ajudar com esta questão humana fundamental.

Desde 400 a.C. que as pessoas tentam responder a Sócrates. Poucos sabem que ele inicialmente colocou a questão devido ao desespero pessoal sobre a condição humana – especificamente, a nossa tendência para a violência e a guerra. Veterano da Guerra do Peloponeso entre Atenas e Esparta, Sócrates serviu como hoplita, um soldado cidadão ateniense que lutava com uma lança e um escudo num combate corpo a corpo, brutal e sangrento.

Depois da guerra, Sócrates começou a questionar todas as coisas relacionadas com a vida humana. Utilizou o seu famoso método de questionamento (o diálogo socrático), fazendo perguntas a todos os que encontrava na sua busca para encontrar a verdade. “A vida não examinada não vale a pena ser vivida”, disse ele; por isso os seus questionamentos tentavam levar as pessoas a olharem para dentro de si mesmas para responder à sua maior e mais séria questão:

Vês, portanto, sobre o que são as nossas discussões – e há algo sobre o qual um homem, mesmo com pouca inteligência, seria mais sério do que isto: de que maneira devemos viver? – Sócrates, conforme citado por Platão nos seus Diálogos.

Pela sua sabedoria e mente independente, os ensinamentos Bahá’ís elogiam Sócrates e os antigos filósofos gregos que ele orientou. Bahá’u’lláh referiu Sócrates como “sábio, talentoso e honrado”, dizendo:

Que visão penetrante na filosofia este homem eminente possuía! Ele é o mais distinto entre todos os filósofos e era altamente versado em sabedoria. Testemunhamos que ele é um dos heróis neste campo e um ilustre campeão dedicado a isso. Ele tinha um conhecimento profundo das ciências correntes entre os homens, bem como daquelas que estavam veladas das suas mentes. Parece-Me que ele bebeu uma porção quando o Mais Grandioso Oceano transbordava de águas cintilantes e vivificadoras. Foi ele quem se apercebeu de uma natureza única, temperada e penetrante nas coisas, tendo a maior semelhança com o espírito humano, e descobriu que esta natureza era distinta da substância das coisas na sua forma refinada. (Tablets of Baha’u’llah, p. 146)

'Abdu'l-Bahá, o exemplo Bahá'í, também elogiou Sócrates e a sua profunda compreensão da realidade:

... ele [Sócrates] promulgou duas crenças: uma, a unidade de Deus, e a outra, a imortalidade da alma após a sua separação do corpo; estes conceitos, tão estranhos ao seu pensamento, suscitaram grande comoção entre os Gregos, até que no final lhe deram veneno e o mataram... pois os gregos acreditavam em muitos deuses, e Sócrates estabeleceu o facto de que Deus é um, o que estava obviamente em conflito com as crenças gregas. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, p. 54.)

Quanto aos filósofos deístas, como Sócrates, Platão e Aristóteles, eles são de facto dignos de apreço e dos mais altos elogios, pois prestaram serviços distintos à humanidade. (‘Abdu’l-Bahá, Tablet to August Forel, p. 7.)

Viver simplesmente sem examinar profundamente o “porquê” de estarmos vivos, acreditava Sócrates, conduziria inevitavelmente a uma vida desperdiçada. Em vez disso, defendeu o auto-questionamento e o autodomínio, e ilustrou estes pontos com a analogia de um carro puxado por dois cavalos – um deles, teimoso e obstinado, representando o nosso desejo animal de perseguir o prazer egoísta sem restrições; e o outro cavalo, sensato e gentil, representando a nossa natureza superior e mais altruísta e a nossa capacidade humana de pensar e raciocinar.

Cada um de nós, dizia Sócrates, desempenha o papel de cocheiro desse carro, controlando um cavalo e deixando o outro correr. Nós decidimos qual deles controla o nosso movimento para a frente.

De acordo com os ensinamentos Bahá’ís, cada ser humano tem de lidar com essas mesmas duas forças ao longo do percurso da vida:

É evidente, portanto, que o homem tem um aspecto dual: enquanto animal, está sujeito à natureza, mas no seu ser espiritual ou consciente, transcende o mundo da existência material. Os seus poderes espirituais, sendo mais nobres e superiores, possuem virtudes das quais a natureza intrinsecamente não tem qualquer evidência; portanto, triunfam sobre as condições naturais. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 81.)

Na sua Apologia, Platão citou Sócrates perguntando:

Ó meu amigo, porque é que tu,... te preocupas tanto em acumular a maior quantidade de dinheiro, honra e reputação, e tão pouco com sabedoria, verdade e o maior aperfeiçoamento da alma, a qual tu nunca consideras ou dás atenção? Não tens vergonha disso?

Sócrates acreditava que esta busca – a perfeição da alma humana – era o mais elevado e o melhor objetivo da vida. Recomendou voltar os olhos da mente para dentro, e analisar tanto a sua verdadeira natureza como os valores que orientam a sua vida. Fazê-lo significa descobrir o estado da alma e avaliar o que realmente conduz à felicidade.

Muitas pessoas assumem ingenuamente que sabem lutar pela felicidade. Se levam uma vida não examinada, consideram frequentemente o sucesso, o estatuto, a autoindulgência e a aceitação social como os seus objetivos. Tendem a pensar no auto-sacrifício, na dor e na morte como coisas que devem ser evitadas a todo o custo. Sócrates discordou veementemente e viu esta visão do bem e do mal não só como errada, mas também prejudicial.

Naturalmente, fazemos o que fazemos nesta vida porque acreditamos que isso nos fará felizes. Para Sócrates, pensar neste tipo de felicidade material como boa, e em qualquer coisa que possa produzir algum sofrimento como má, significa que passaremos as nossas vidas procurando coisas que não nos podem trazer felicidade – mesmo quando as alcançamos.

Em vez disso, se nos dedicarmos ao autoconhecimento e à investigação independente da verdade, disse Sócrates, podemos começar a compreender o que realmente significa o verdadeiro bem. Na sua filosofia, Sócrates descreveu esse bem supremo como o desenvolvimento da virtude humana – a mesma perfeição da alma humana que é altamente elogiado pelos ensinamentos Bahá’ís:

... a honra do reino humano é o alcançar da felicidade espiritual no mundo humano, a aquisição do conhecimento e do amor de Deus. A honra atribuída ao homem é a aquisição das virtudes supremas do mundo humano. Esta é a sua verdadeira felicidade e felicidade. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 166.)

Em última análise, Sócrates ensinou o mesmo que a Fé Bahá’í e todas as outras religiões verdadeiras ensinam – que o aperfeiçoamento gradual da alma inclui o mais elevado esforço humano e a forma como todos devemos viver:

A vida de alguns homens está exclusivamente ocupada com as coisas deste mundo; as suas mentes estão tão circunscritas pelos costumes exteriores e pelos interesses tradicionais que ficam cegos para qualquer outro domínio da existência, para o significado espiritual de todas as coisas! Pensam e sonham com a fama terrena, com o progresso material. Prazeres sensuais e ambientes confortáveis delimitam o seu horizonte, as suas ambições mais elevadas centram-se nos sucessos das condições e circunstâncias mundanas! Não restringem as suas tendências mais baixas; comem, bebem e dormem! Tal como o animal, não pensam para além do seu próprio bem-estar físico. É certo que estas necessidades devem ser eliminadas. A vida é um fardo que deve ser carregado enquanto estamos na terra, mas não se deve permitir que os cuidados com as coisas inferiores da vida monopolizem todos os pensamentos e aspirações de um ser humano. As ambições do coração deveriam ascender a um objectivo mais glorioso, a actividade mental deveria elevar-se a níveis superiores! Os homens devem manter nas suas almas a visão da perfeição celestial e preparar aí uma morada para a generosidade inesgotável do Espírito Divino. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, pp. 98-99.)

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Texto original: How Should I Live? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 6 de julho de 2024

A humanidade precisa de educadores universais?

Por David Langness.


Poderá a evolução da humanidade ter ocorrido de uma forma completamente aleatória, ou tivemos alguma forma de ajuda transcendente na nossa ascensão evolutiva?

A ciência forneceu-nos alguns conhecimentos interessantes sobre esta questão. Durante a maior parte da existência humana, que a maioria dos cientistas estima em 300.000 anos ou mais, o homo sapiens utilizou simples ferramentas de pedra e viveu de forma bastante rudimentar. Viviam em grupos nómadas de caçadores-recolectores centrados na família e provavelmente tinham contactos limitados com os outros elementos fora desses pequenos grupos.

Mas há cerca de 40 a 50 mil anos, aconteceu algo surpreendente e sem precedentes: os seres humanos começaram a evoluir muito mais rapidamente.

Os cientistas chamam às acentuadas mudanças deste período a “Revolução do Paleolítico Superior” porque provavelmente marca as primeiras evidências generalizadas de criação artística, a formação de povoações humanas organizadas e o início do desenvolvimento de competências linguísticas complexas e abstractas. Alguns estudiosos concluíram que a cooperação humana começou neste momento da pré-história, quando a reduzida população de humanos da Terra começou a aumentar suficientemente para colocar os primeiros humanos em contacto mais frequente entre si.

Então, será que estes traços culturais e comportamentais em expansão – linguagem, arte e música, pensamento simbólico complexo, criatividade tecnológica e a clara evidência arqueológica de sistemas de crenças abstractos e místicos – se desenvolveram espontaneamente? Ou terão vindo, como dizem os ensinamentos Bahá’ís, da influência de um educador divino?

Se não houvesse um educador, os meios de conforto, a civilização e as virtudes humanas não poderiam de forma alguma ter sido conseguidos. Se um homem for deixado sozinho num deserto onde não vê ninguém da sua espécie, a vontade tornar-se-á, sem dúvida, um mero animal. Portanto, é claro que é necessário um educador…

Este educador deve ser inegavelmente perfeito em todos os sentidos e distinto de todos os homens. Pois se fosse como os outros, nunca poderia ser o seu educador... deve educar as mentes e os pensamentos humanos de tal modo que estes se possam tornar capazes de um progresso substancial, que a ciência e o conhecimento se possam expandir, que as realidades das coisas, os mistérios do universo e as propriedades de tudo o que existe possam ser revelados, que a aprendizagem, as descobertas e os grandes empreendimentos possam aumentar de dia para dia, e que as questões do intelecto podem ser deduzidas e transmitidas através do sensível...

É claro, porém, que o mero poder humano é incapaz de cumprir esta grande função, e que os resultados do pensamento humano só por si não podem assegurar essas recompensas... É, pois, necessário um poder divino e espiritual que lhe permita cumprir esta missão... o Educador universal deve ser ao mesmo tempo um educador material, humano e espiritual e, elevando-se acima do mundo da natureza, deve ser possuidor de outro poder, para que possa assumir a posição de um professor divino. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, pp. 9-12.)

Cada cultura humana, explicam os ensinamentos Bahá’ís, recebe um educador divino:

Dá ouvidos, ó Meu servo, àquilo que te está a ser enviado do Trono do teu Senhor, o Inacessível, o Mais Grandioso. Não há outro Deus senão Ele. Ele chamou à existência as Suas criaturas, para que O conheçam, Compassivo, Todo-Misericordioso. Às cidades de todas as nações Ele enviou os Seus Mensageiros, a quem encarregou de anunciar aos homens as novas do Paraíso da Sua boa vontade e para os atrair para junto do Abrigo de segurança permanente, a Sede da santidade eterna e da glória transcendente. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, LXXVI)

É claro que aquele tempo longínquo da pré-história humana, muito antes do aparecimento da linguagem escrita ou dos registos, não nos deixou vestígios dos nomes ou dos ensinamentos destes primeiros educadores. Então, como sabemos que eles realmente existiram? Podemos dizer, dizem as Escrituras Bahá’ís, pelos seus frutos:

Assim como um espelho imaculado recebe os raios do sol e reflecte a sua generosidade para os outros, também o Espírito Santo é o mediador da luz da santidade, que transmite do Sol da Verdade às almas santificadas. Este espírito está adornado com todas as perfeições divinas. Sempre que aparece, o mundo é revitalizado, um novo ciclo é inaugurado, e o corpo da humanidade é vestido com uma roupa nova. É como a primavera: quando chega, transporta o mundo de uma condição para outra. Com o advento da maré primaveril, a terra negra, os campos e os prados tornam-se verdejantes e viçosos; brotam flores e ervas perfumadas de todos os tipos; as árvores são dotadas de uma nova vida; produzem-se frutos maravilhosos; e um novo ciclo é inaugurado.

O mesmo acontece com a manifestação do Espírito Santo: sempre que aparece, investe o mundo da humanidade de uma vida nova e dota as realidades humanas de um espírito novo. Ela reveste toda a existência com um traje glorioso, dispersa as trevas da ignorância e faz brilhar resplandecente a luz das perfeições humanas. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, cap. 36)

Nos momentos da história humana em que ocorrem saltos significativos no progresso evolutivo, sugerem os ensinamentos Bahá’ís, podemos identificar retrospectivamente os efeitos a longo prazo de mais uma mensagem divina e o seu profundo impacto na civilização humana:

O homem, portanto, tem extrema necessidade do único Poder pelo qual é capaz de receber ajuda da Realidade Divina, o único Poder que o coloca em contacto com a Fonte de toda a vida.

É necessário um intermediário para relacionar os dois extremos. Riqueza e pobreza, abundância e necessidade: sem um poder intermédio não poderia haver relação entre estes pares de opostos.

Por isso, podemos dizer que deve existir um Mediador entre Deus e o Homem, e este não é outro senão o Espírito Santo, que coloca a terra criada em relação com o “Inconcebível”, a Realidade Divina. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 59.)

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Texto original: Does Humanity Need Universal Educators? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 29 de junho de 2024

Será que Deus existe?

Por David Langness.
 

Será que Deus existe? A ciência, porque lida com o mundo material, não pode responder a esta questão – mas cada um de nós pode testemunhar a existência da criação. Será que este facto óbvio implica que também existe um Criador?

Este grande mistério – facilmente o assunto mais proeminente na longa história da filosofia humana – levou as pessoas a explorar intensamente o assunto durante milhares de anos.

Em última análise, este discurso contínuo levou a maioria dos grandes pensadores da história à conclusão de que só poderiam abordar a existência de um Criador através de provas fundamentadas, sem confiar apenas na autoridade das Escrituras. Utilizando esta abordagem filosófica puramente racional, chegamos a alguns argumentos muito persuasivos e penetrantes a favor ou contra a existência de um Ser Supremo, geralmente categorizados de quatro formas: cosmológico, moral, ontológico e teleológico.

Nesta exploração do assunto, vamos cingir-nos apenas a uma destas categorias, a prova ontológica da existência de um Criador. A palavra ontologia, a ciência do que realmente existe e tem existência, provém das palavras gregas ontos, que significa ser; e logia, que significa lógica – logo, a lógica do ser.

Muitos filósofos ocidentais, começando por Sócrates, Aristóteles e Platão, abordaram esta grande questão. Mais tarde, Anselmo, Descartes, Liebniz e uma multidão de outros opinaram com as suas versões e sugeriram aperfeiçoamentos da prova ontológica. Mas o lendário e influente filósofo islâmico Mulla Sadra, na sua principal obra filosófica al-asfar al-arba’a (Quatro Jornadas), apresentou uma das provas ontológicas mais conhecidas e logicamente consistentes da existência de um Criador, a que chamou o Argumento dos Justos. É assim:
  • Temos a existência; e não podemos conceber uma existência mais perfeita
  • Por definição, Deus é a perfeição personificada
  • A existência é una – o que significa que não existe pluralismo metafísico
  • A existência tem níveis de perfeição
  • A escala da perfeição deve ter um ponto limite, um ponto de maior intensidade
  • Essa maior intensidade, por definição, é Deus.
Acontece que, desde Mulla Sadra, a maioria das provas ontológicas da existência de um Ser Supremo centram-se em torno deste ponto subtil e poderoso, que envolve a imperfeição e a perfeição.

Afinal – se alguma coisa é imperfeita, isso não implica a existência da perfeição?

Se vemos uma cadeira frágil, por exemplo, com apenas três pernas e o assento partido, compreendemos imediatamente as imperfeições da cadeira. Podemos ver imediatamente a sua óbvia falta de utilidade como cadeira funcional. Mas só podemos fazer este julgamento porque a nossa mente contém o conceito de uma cadeira perfeita, que inclui as quatro pernas e, portanto, é completa, íntegra e funcional em todos os aspetos. Da mesma forma, dizem os ensinamentos Bahá’ís, a própria existência da imperfeição prova a existência da perfeição a todos os níveis da criação:

...todos os seres criados são limitados, e esta mesma limitação de todos os seres prova a realidade do Ilimitado; pois a existência de um ser limitado denota a existência de um Ser Ilimitado. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, #21)

À primeira vista, isto pode parecer um argumento obscuro e abstrato, mas tem uma lógica interna inegável:

É possível que o trabalho manual seja perfeito e o artesão imperfeito? Será possível que uma pintura seja uma obra-prima e o pintor seja imperfeito no seu ofício, apesar de ser o seu criador? Não: a pintura não pode ser como o pintor, caso contrário ter-se-ia pintado a si própria. E por mais perfeita que seja a pintura, em comparação com o pintor é totalmente imperfeita.

Assim, o mundo contingente é a fonte das imperfeições e Deus é a fonte da perfeição. As próprias imperfeições do mundo contingente testemunham as perfeições de Deus. Por exemplo, quando consideramos o homem, vemos que ele é fraco, e esta mesma fraqueza da criatura implica o poder d’Aquele que é Eterno e Todo-Poderoso; pois se não fosse o poder, a fraqueza não poderia ser imaginada... Sem poder não poderia haver fraqueza. Esta fraqueza torna evidente que existe um poder no mundo.

...É certo que todo o mundo contingente está sujeito a uma ordem e a uma lei que nunca poderá desobedecer. Até o homem está forçado a submeter-se à morte, ao sono e a outras condições – isto é, em certos assuntos ele é compelido, e esta mesma compulsão implica a existência d’Aquele Que é Todo-Dominante. Enquanto o mundo contingente for caracterizado pela dependência, e enquanto esta dependência for um dos seus requisitos essenciais, deve haver Alguém que, na Sua própria Essência, seja independente de todas as coisas. ('Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, cap. 2)

Assim, como salientam os ensinamentos Bahá’ís, as dualidades essenciais que existem em toda a vida – fraqueza e força, dependência e independência, impotência e poder, e assim por diante – tornam óbvio que a escala da perfeição deve culminar naquilo a que chamamos o Criador.

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Texto original: Does God Exist? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.


sábado, 22 de junho de 2024

Porque é que existem coisas em vez de não existirem?

Por David Langness.


Alguma vez se perguntou porque é que existimos? Claro que sim — essa pergunta ocorre a todos nós, em algum momento. A ciência também faz essa pergunta, geralmente nesta forma mais ampla: porque é que tudo existe em vez de nada existir?

Em outras palavras, porque é que a existência existe? Porque é que este universo incrivelmente complexo e toda a sua vida maravilhosa surgiram?

Muitas tradições culturais e religiosas têm uma história da criação que explica como tudo começou; e algumas pessoas religiosas simplesmente responderão à pergunta com uma única palavra: "Deus". Mas essa resposta não convence todos, e por isso, a filosofia e a ciência têm-se envolvido repetidamente em várias tentativas de encontrar uma resposta.

Considerada como “a questão fundamental da metafísica” por filósofos prestigiados como Leibniz e Heidegger, a questão pede àqueles que não aceitam a crença aristotélica do “Motor Imóvel” que façam algo que muitos acham impossível: deduzir a existência de todas as coisas sem usar nenhuma explicação existencial. A ciência, é claro, tentou – a questão motivou milhares de experiências e enormes especulações durante séculos.

Aparentemente fizemos alguns progressos à procura de por uma resposta. No nosso estado actual de entendimento científico, a mecânica quântica diz-nos que não existe algo como o vazio completo. E hoje sabemos que até mesmo o vácuo mais perfeito conhecido é preenchido com nuvens de partículas subatómicas e antipartículas – que aparecem e desaparecem quase imediatamente. Por causa da sua curta vida útil, não podemos observar essas chamadas "partículas virtuais" directamente, mas sabemos que elas existem devido aos seus efeitos.

Agora conseguimos provar que até o espaço interestelar — anteriormente considerado um vácuo de baixa densidade, baixa pressão e perfeitamente vazio — contém um tênue plasma criado por ventos solares e povoado por partículas carregadas, incluindo grandes números de fotões; elementos livres como hidrogénio, hélio e oxigénio; campos eletromagnéticos; e radiação cósmica de fundo.

Por outras palavras, tanto quanto sabemos, não existe um verdadeiro vácuo. O universo, mesmo as partes que podem parecer completamente vazias, está cheio de matéria e energia – o que leva a uma conclusão profunda: não existe o nada. Esse facto levou muitos cientistas a concluir, que a ciência em si não pode responder a todas as perguntas:

A ciência diz-nos muita coisa sobre o nosso mundo! Agora entendemos, mais ou menos, de que é feita a realidade e quais forças empurram e puxam o material da existência para frente e para trás. Os cientistas também construíram uma narrativa plausível e empiricamente fundamentada da história do cosmos e da vida na Terra. Mas quando os cientistas insistem que resolveram, ou resolverão em breve, todos os mistérios, incluindo o maior mistério de todos, eles prestam um mau serviço à ciência; eles tornam-se as imagens espelhadas dos fundamentalistas religiosos que desprezam. (John Horgan, Director of the Center for Science Writings at the Stevens Institute of Technology, in Science Will Never Explain Why There’s Something Rather Than Nothing, Scientific American, April 23, 2012.)

O que nos leva de volta à pergunta inicial: se a existência começou como absolutamente nada – um vácuo completo sem espaço, tempo, matéria ou energia, nem mesmo contendo as condições iniciais propícias à sua criação, então como é que alguma coisa veio magicamente à existência a partir do nada? A ciência nunca respondeu a essa pergunta fundamental, mas os ensinamentos Bahá'ís já responderem:

O poder de Deus é eterno e sempre houve seres para manifestá-lo; é por isso que dizemos que os mundos de Deus são infinitos – nunca houve um tempo em que eles não existissem. Não se pode trazer algo a partir do nada, da mesma forma que aquilo que existe nunca é destruído; a aniquilação aparente é meramente transmutação. ('Abdu’l-Bahá, Divine Philosophy, p. 106)

O argumento cosmológico (frequentemente chamado de lei de causa e efeito) significa que todos os efeitos podem, em última análise, ser rastreados até uma “Primeira Causa” – geralmente considerada como um Criador omnisciente e omnipresente que sempre existiu e, portanto, não precisa de causalidade. Platão, Aristóteles, Aquino, Hume e Russell, entre muitos, muitos outros filósofos e teólogos, apresentaram versões dessa prova profunda. Os ensinamentos Bahá’ís referem este argumento desta forma:

A existência é de dois tipos: uma é a existência de Deus que está além da compreensão do homem. Ele, o Invisível, o Sublime e o Incompreensível, não é precedido por nenhuma causa, mas, pelo contrário, é o Originador da causa das causas. Ele, o Antigo, não teve começo e é o Independente de Tudo. O segundo tipo de existência é a existência humana. É uma existência comum, compreensível para a mente humana, não é antiga, é dependente e tem uma causa associada. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, #30)

Esta afirmação – de que a Primeira Causa, Deus, sempre existiu – tende a confundir a mente. Os seres humanos vivem no plano físico temporal e aceitam a realidade de uma existência limitada ao tempo; por isso, todos nós temos dificuldade em compreender uma existência atemporal. Mesmo assim, a ideia de uma Primeira Causa, um Motor Imóvel, dá-nos uma resposta profunda que explica por que existem as coisas em vez de nada existir:

É claro e evidente que o Deus uno e verdadeiro – glorificada seja a Sua menção – está santificado acima do mundo e de tudo o que nele há...

Tudo provém das moradas do pó e ao pó regressará, enquanto o Deus uno e verdadeiro, só e único, está instalado no Seu Trono, um Trono que está para lá dos limites do tempo e do espaço, está santificado acima de toda a palavra ou expressão, sugestão, descrição e definição, e está exaltado cima de toda a noção de humilhação e glória. (Baha’u’llah, The Summons of the Lord of Hosts, ¶210214)

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Texto original: Why Is There Something Rather than Nothing? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 27 de abril de 2024

O Universo teve um início?

Por David Langness.


Hoje, muitos cientistas aceitam que o universo começou com um “Big Bang” – uma expansão massiva de matéria e energia que ocorreu quando uma singularidade hiper-densa e sobreaquecida se tornou o universo conhecido.

Esse modelo cosmológico resulta do rastreamento da expansão contínua do Universo no tempo, há 13,8 mil milhões de anos, onde toda a matéria e energia podem ter emergido de um estado inicial de densidade e temperatura extremas, onde as leis da física tal como as conhecemos hoje não se aplicavam.

Como é que a ciência vê um passado tão distante? Bem, actualmente a teoria do Big Bang ainda é apenas uma teoria, mas oferece aos cientistas uma explicação abrangente e adequada para toda uma série de observações e medições envolvendo luz, calor, radiação cósmica de fundo e a Lei de Hubble, a observação de que as galáxias mais distantes se estão a afastar umas das outras numa velocidade mais elevada.

A teoria do Big Bang faz sentido quando se considera um facto importante: sabemos hoje que a distância entre as galáxias está a aumentar, o que deve significar que as galáxias estavam mais próximas umas das outras no passado.

Mas nem todos os cientistas acreditam na teoria do Big Bang.

Primeiro, o modelo cosmológico do Big Bang não explica o motivo da existência da energia, do tempo e do espaço – em vez disso, apenas descreve o nascimento do nosso universo actual a partir de um estado inicial ultradenso e de alta temperatura, para lá do qual os cientistas não conseguem “ver”. Esse estado, acreditava o físico Stephen Hawking, pode ter vindo de algo a que ele chamou “proposta sem fronteiras”, em que o tempo e o espaço são finitos, mas não têm quaisquer fronteiras ou pontos de partida ou de chegada. (Quer um quebra-cabeças difícil de resolver? Tente visualizá-lo…)

James Peebles
Em segundo lugar, e talvez mais importante, alguns cientistas conceituados que estudam o começo do universo não gostam muito da teoria do Big Bang, porque apenas podemos inferir a sua existência, em vez de prová-la. Jim Peebles, professor emérito de ciências na Universidade de Princeton e co-vencedor do Prémio Nobel de Física de 2019, disse recentemente que não acredita necessariamente na teoria do Big Bang, devido à falta de evidências concretas de apoio: “É muito lamentável que se pense no começo, quando, na verdade, não temos uma boa teoria sobre algo como sendo o começo.

Isto sugere, tal como dizem os ensinamentos Bahá’ís, que o universo pode não ter tido um início:

Sabe que é uma das questões mais obscuras da divindade a de que o mundo da existência - isto é, esse infinito universo - não teve início…

...a não-existência absoluta não tem capacidade para alcançar a existência. Se o universo fosse um puro nada, a existência nunca teria acontecido. Assim, tal como a Essência da Unidade, ou o Ser divino, é eterno e perpétuo - isto é, não tem início nem fim - sucede que o mundo da existência, este universo ilimitado, da mesma forma, também não tem início… (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, pag. 207-208)

O mundo da criação não teve princípio e não terá fim, porque é a arena onde os atributos e qualidades do espírito se manifestam. Podemos limitar Deus e o Seu poder? Da mesma forma não podemos limitar as Suas criações e atributos. Assim como a realidade da divindade é ilimitada, também a Sua graça e generosidade são ilimitadas. (‘Abdu’l-Bahá, Divine Philosophy, p. 169)

Alguns podem ser tentados a comparar estas afirmações dos ensinamentos Bahá'ís com outra teoria científica chamada “modelo do estado estacionário”, que também pressupõe a existência eterna do universo. Mas um grande conjunto de evidências, incluindo a existência de radiação cósmica de fundo omnipresente, até agora desacreditou em grande parte essa teoria. Os ensinamentos Bahá’ís, em vez de aceitarem a teoria do Big Bang ou o modelo do estado estacionário, dizem simplesmente que o Criador não tem princípio nem fim e, portanto, a criação também não tem nenhum dos dois:

Louvado seja Deus, o Possuidor de tudo, o Rei de glória incomparável, um louvor que está incomensuravelmente acima da compreensão de todas as coisas criadas e é exaltado acima do alcance das mentes dos homens. (…) Quão indescritivelmente sublimes são os sinais do Seu poder consumado, do qual um único sinal, por muito insignificante que seja, deve transcender a compreensão de tudo o que, desde o início que não teve início, foi trazido à existência, ou será criado no futuro até ao fim que não tem fim…

As maravilhas da Sua generosidade nunca podem cessar, e o fluxo da Sua graça misericordiosa nunca pode ser interrompido. O processo da Sua criação não teve princípio e não pode ter fim. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, XXVI)

Mas porque deveríamos preocupar-nos com tudo isso? Qual a importância de uma antiga questão científica e teológica sobre o passado distante, e a origem ou não origem do universo? Tal como salientam os ensinamentos Bahá’ís, estas questões científicas esclarecem um conceito extremamente importante: se o próprio universo não tem fim, então nós também não:

A alma não é uma combinação de elementos, não é composta por muitos átomos; é uma substância indivisível e, portanto, eterna. Está inteiramente fora da ordem da criação física; é imortal!

A filosofia científica demonstrou que um elemento simples (“simples” significa “não composto”) é indestrutível, eterno. A alma, não sendo uma composição de elementos, é, em carácter, um simples elemento e, portanto, não pode deixar de existir. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 90)

Se reflectirmos sobre esta relação entre o universo ilimitado e o nosso espírito humano ilimitado, poderemos ver e começar a compreender o que Bahá’u’lláh e todos os profetas antes dele proclamaram:

Quanto à tua pergunta sobre a origem da criação. Sabe com certeza que a criação de Deus existe desde a eternidade e continuará a existir para sempre. O seu princípio não teve princípio e o seu fim não conhece fim. O Seu nome, o Criador, pressupõe uma criação, assim como o Seu título, o Senhor dos Homens, deve envolver a existência de um servo. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, LXXVIII)

Sabe decerto que a alma após a sua separação do corpo, continuará a progredir até atingir a presença de Deus, num estado e condição que nem a revolução dos séculos e das eras, nem as mudanças e casualidades no mundo, podem alterar. Perdurará enquanto perdurar o Reino de Deus, a Sua soberania, o Seu domínio e poder. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, LXXXI)

Tal como a criação, a alma humana individual existe eternamente. O reconhecimento desse facto, por parte de cada pessoa, cria a realização mais transformadora que podemos alcançar. A Fé Bahá’í lembra-nos a todos que cada um de nós tem uma alma eterna:

O conceito de aniquilação é um factor de degradação humana, uma causa de aviltamento e baixeza humana, uma fonte de medo e abjecção humana. Conduziu à dispersão e ao enfraquecimento do pensamento humano, ao passo que a realização da existência e da continuidade tem elevado o homem à sublimidade dos ideais, ao estabelecimento das bases do progresso humano e ao estimulo do desenvolvimento das virtudes celestiais; portanto, cabe ao homem abandonar os pensamentos de inexistência e morte, que são absolutamente imaginários, e ver-se sempre vivo, eterno no propósito divino da sua criação. Ele deve afastar-se das ideias que degradam a alma humana, para que, dia a dia e hora a hora, ele possa evoluir cada vez mais para a percepção espiritual da continuidade da realidade humana. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 90)

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Texto original: Does the Universe Have a Beginning? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 23 de março de 2024

As 9 questões a que a ciência não consegue responder

Por David Langness.


No site BahaiTeachings.org já publicámos vários artigos dedicados ao princípio básico da Fé Bahá’í sobre a harmonia entre ciência e religião. Mas será que a ciência tem todas as respostas? Nem por isso.

Todo cientista responsável admite pronta e humildemente que a própria ciência não tem respostas para muitas das nossas questões mais importantes. Mas estes tempos altamente científicos, porém, levam-nos a pensar o contrário – que a ciência pode – ou um dia poderá – dar todas as respostas às grandes questões da vida.

É verdade que a ciência e a tecnologia parecem resolver muitos dos nossos problemas, ou pelo menos oferecem potenciais soluções futuras. Talvez por isso algumas pessoas transformaram a ciência na sua quase-religião, vendo-a como um sistema de crenças mais amplo, em vez de uma metodologia destinada a encontrar formas de compreender o mundo natural. Mas a ciência cria um sistema de crenças fraco, porque o cepticismo impulsiona a ciência. A ciência pede-nos que se evite qualquer juízo final ou crença forte, porque as suas conclusões estão sempre sujeitas a revisão por novas descobertas.

Assim, ao pensar nas grandes questões que a ciência não consegue responder, compilei uma lista extraída não só da minha própria curiosidade e investigação, mas também dos escritos de vários cientistas, filósofos e pensadores proeminentes. Nesta série de artigos, vamos explorar estas questões e ver se conseguimos encontrar respostas nos ensinamentos Bahá'ís que, até agora, têm escapado à ciência.

Desde o início, percebi que estas questões se enquadram em duas categorias distintas: as questões que a ciência não consegue responder, e aquelas que a ciência simplesmente ainda não respondeu. A ciência é uma ferramenta poderosa e, desde 1833 - quando a palavra “cientista” foi usada pela primeira vez - muitas pessoas duvidaram da sua capacidade de descobrir os segredos e verdades mais profundas do universo material. A maioria dessas pessoas estava errada.

No passado, a ciência aceitou de forma geral a teoria da eugenia – a ideia agora completamente desacreditada de “racismo científico”, uma teoria segundo a qual a humanidade consiste em raças superiores ou inferiores, fisicamente distintas. Esta teoria tornou-se popular não apenas entre os cientistas, mas também entre os líderes governamentais e filósofos, e levou à chamada “solução final” do nazismo e a outras atrocidades genocidas. Os campos da genética evolutiva humana e da antropologia contemporânea não só provaram que a eugenia é completamente falsa, como também forneceram um enorme conjunto de provas científicas da unidade genética de todos os grupos raciais.

Na astronomia, é claro que passámos da crença de que a Terra era o centro do universo conhecido para o modelo heliocêntrico, e depois para a crescente percepção de que o nosso pequeno planeta azul não tem absolutamente nenhum direito de singularidade ou unicidade. Num outro caso conhecido, Albert Einstein, que originalmente acreditava num universo estático e escreveu artigos científicos tentando provar a sua afirmação, teve de ser convencido de que o universo se encontra em expansão pelo cientista Edwin Hubble. Einstein descreveu a sua conclusão inicial como “o maior erro” de toda a sua carreira científica.

Apesar do seu historial de conclusões incorretas, a ciência domina o pensamento moderno – e assim deve ser. Construímos uma civilização e um corpo de conhecimentos sem precedentes, e devemos muito disso aos avanços que se tornaram possíveis com a ciência. Na verdade, o princípio Bahá’í de concordância entre ciência e religião privilegia a ciência em detrimento da fé cega, do dogma e da tradição religiosa. As Escrituras Bahá’ís dizem: “Não há contradição entre a verdadeira religião e a ciência. Quando uma religião se opõe à ciência, torna-se mera superstição: o que é contrário ao conhecimento é a ignorância. Como pode um homem acreditar ser um facto aquilo que a ciência provou ser impossível? Se ele acredita apesar da sua razão, é mais uma superstição ignorante do que fé. Os verdadeiros princípios de todas as religiões estão em conformidade com os ensinamentos da ciência.”

As Escrituras Bahá'ís também dizem que “… a religião e a ciência estão em completa concordância. Toda religião que não está de acordo com a ciência estabelecida é superstição. A religião deve ser racional. Se não se enquadra na razão, então é superstição e não tem fundamento.

Na internet podemos encontrar literalmente centenas de listas de perguntas a que a ciência ainda não respondeu – o que é energia escura, porque é que os gatos ronronam, como é que a gravidade funciona, porque é que as bicicletas permanecem em pé, quanto tempo vive um protão, etc. Revi estas questões, e tentei separar estas questões ainda sem resposta sobre a nossa existência física de outras questões ainda maiores – aquelas que a ciência provavelmente nunca conseguirá responder, porque a natureza da própria questão ultrapassa os limites da investigação científica. A minha lista, então, tenta separar o puramente físico daquilo que é metafísico ou espiritual, e foca-se nas grandes questões:

1. Porque estou aqui?
2. Eu tenho alma?
3. Qual é o meu propósito?
4. O universo teve um início?
5. O universo tem limites?
6. Porque é que as coisas existem?
7. Existe Deus?
8. A humanidade precisa de religião?
9. Como devo viver?

Portanto, vamos analisar estas questões profundas, uma por uma, nesta série de artigos, e decidir se podemos encontrar a “concordância completa” entre religião e ciência que os ensinamentos Bahá’ís prometem.

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Texto original: 9 Big Questions Science Alone Can’t Answer (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 6 de abril de 2019

Terá Darwin descoberto a Divindade?

Por Robert Atkinson.


A maioria das pessoas recorda o famoso cientista Charles Darwin pela sua teoria da “sobrevivência do mais apto”.

Essa perspectiva da evolução descreve as criaturas no mundo natural – incluindo os humanos – em competição uns contra os outros, num cenário de oposição inerente a todas as criaturas. Há quem diga que a sua teoria lançou uma visão do mundo caracterizado pela separação e competição.

No entanto, se olharmos cuidadosamente para os seus escritos, descobrimos o outro lado da história - algo desconhecido, ignorado e mal-entendido. A visão do mundo marcado pela separação já existia muitos séculos antes de Darwin e as muitas tentativas dos seus seguidores para promover a sua teoria parecem agora ser uma derradeira tentativa para defender essa maneira antiquada de olhar o mundo. Além disso, a teoria completa de Darwin, quando examinada detalhadamente, ajusta-se mais aos princípios espirituais emergentes no seu tempo do que fomos levados a acreditar.

Durante a vida de Darwin, teve início, em 1852, um avanço na consciência da humanidade com a revelação de Bahá’u’lláh, o fundador da Fé Bahá’í. Os ensinamentos Bahá’ís, destinados a ultrapassar normas existentes de construção da nações e nacionalismo, baseiam-se na unicidade da humanidade - o princípio espiritual fundamental que caracteriza o nosso tempo:
A Terra é um só país e a humanidade os seus cidadãos… Sois frutos de uma só árvore e folhas de um só ramo… Tão poderosa é a luz da unidade que pode iluminar a terra inteira. (Baha’u’llah, Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, CXXXII)
Os ensinamentos Bahá’ís apresentam uma visão totalmente desenvolvida da evolução, na qual todas as coisas estão interligadas, dependem do mesmo Criador e, portanto, seguem as mesmas leis e princípios em todos os domínios - incluindo a evolução colectiva da humanidade, que passa por fases, tal como o indivíduo:
A realidade é uma só; e quando encontrada, unificará toda a humanidade… A realidade é o conhecimento de Deus… A realidade está subjacente a todos os grandes sistemas religiosos do mundo. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 372)

A ordem mundial apenas se pode basear na inabalável consciência da unicidade da humanidade… O reconhecimento desta verdade exige o abandono dos preconceitos - preconceitos de todos os tipos – raça, classe, cor, credo, nação, sexo, grau de civilização material, e tudo o que permita que as pessoas se considerem superiores a outras. (The Universal House of Justice, The Promise of World Peace, p. 10)
Os ensinamentos Bahá'ís afirmam que a evolução tem um objectivo, é progressiva e conduz a níveis de cooperação cada vez maiores. Surpreendentemente, a visão de Darwin sobre a evolução, quando considerada na sua totalidade, apresenta um paralelismo perfeito com isto. Darwin fez estudos para ser clérigo; depois, numa verdadeira mudança de paradigma, partiu em viagem no Beagle para as zonas mais remotas do mundo; e também reconheceu que, coexistindo com a sua teoria da “sobrevivência do mais apto”, existe a lei natural da cooperação.

Uma leitura mais pormenorizada sobre as ideias de Darwin revela uma ligação intrigante entre a sua teoria da evolução e os ensinamentos Bahá’ís. No livro The Descent of Man [1871] (traduzido em Portugal como A Origem do Homem e no Brasil como A Descendência do Homem), Darwin escreveu sobre a evolução progressiva:
À medida que o homem progride, e pequenas tribos se unem em comunidades maiores, a simples razão diz ao indivíduo que deve alargar os seus instintos e simpatias sociais a todos os membros da mesma nação, mesmo que não os conheça pessoalmente. Quando se chega a este ponto, apenas existe uma barreira artificial que impede que as suas simpatias se alarguem aos homens de todas as nações e raças. (Charles Darwin, The Descent of Man, p. 83)
O que ele descreve aqui, será altruísmo colectivo ou a Regra de Ouro? Numa frase arrebatadora, Darwin leva a lei natural da cooperação do nível individual ao nível global. O próximo passo neste percurso evolutivo - que tem os seus altos e baixos - será outro princípio espiritual universal - a paz na terra - que é prometido por todas as tradições espirituais mundiais, mas também é visto como inevitável pelas escrituras Bahá’ís.

Será que quando os ensinamentos Bahá’ís estavam a ser revelados no mundo, Darwin, de alguma forma, recebeu estas energias espirituais e integrou-as nas suas ideias inovadoras sobre a evolução? Poderiam outros pensadores de vanguarda daquele tempo – como os transcendentalistas e, mais tarde, os defensores das teorias quânticas – ter feito a mesma coisa nas suas áreas pelo progresso da consciência da humanidade?

Um princípio espiritual essencial da Fé Bahá’í é que a ciência e a religião devem estar em harmonia – a razão e a fé são formas complementares (e necessárias) para compreender plenamente a natureza da realidade. O progresso de cada uma anda a par com a outra.

Nos nossos dias, ciência e religião parecem concordar com a ideia de evolução progressiva. Os ensinamentos Bahá’ís afirmam:
Todos os seres, sejam universais ou particulares, foram criados perfeitos e completos desde o início. O máximo que podemos dizer é que as suas perfeições apenas se tornaram gradualmente aparentes. A lei de Deus é uma; a evolução da existência é uma; a ordem divina é uma. Todos os seres, grandes ou pequenos, estão sujeitos a uma lei e uma ordem. Cada semente tem, desde o início, todas as perfeições da planta… Quando consideramos esta ordem universal, vemos que nenhuma coisa atinge a perfeição imediatamente após vir à existência, mas cresce e desenvolve-se gradualmente até atingir essa fase. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, pp. 229-230)
Charles Darwin, no livro A Origem das Espécies (1859), apresenta outro conceito que o liga aos ensinamentos Bahá’ís, quando escreve: “Como a selecção natural trabalha unicamente para o bem de cada ser, todos os dons corporais e mentais tendem a progredir em direcção à perfeição.” (p.577)

Quando juntamos a toda a teoria da evolução de Darwin – baseada na ideia de que os nossos instintos sociais evoluem de “pequenas tribos” para “grandes comunidades”, para “todos os membros da mesma nação” e, por fim, “todas as nações e raças” – com a ideia de que a evolução progride para a perfeição, a sua visão geral alinha-se quase integralmente com o princípio de evolução espiritual através do desenvolvimento progressivo da ordem em direcção a uma harmonia crescente.

Também é interessante notar que antes de Charles Darwin, o conceito de evolução ainda não tinha surgido no discurso público. Agora reconhecemos que tudo evolui: a vida, a cultura, a civilização, a ciência, a tecnologia, as artes e até o próprio universo.

Compreender o que Darwin verdadeiramente disse – e pretendia – assim como a sua provável fonte de inspiração, é uma forma de entender que os saltos evolutivos da consciência humana acontecem numa escala mais ampla. De facto, os fundadores das religiões do passado também tiveram os seus Darwins, Emersons e Einsteins que preencheram o fosso entre ciência e religião enquanto faziam avançar o espírito da época através de uma perspectiva essencialmente secular.

É difícil negar que os fundadores das religiões mundiais - como Abraão, Krishna, Moisés, Zoroastro, Buda, Cristo, Maomé e, no nosso tempo, Bahá'u'lláh - tenham, cada um à sua maneira, transformado a vida espiritual dos povos do mundo, mudado o rumo da vida humana ao longo dos últimos milhares de anos e causado um salto de consciência em cada nova época espiritual iniciada por cada um deles.

Hoje, compreendemos melhor que existe uma lei universal governa tudo, que a realidade é uma só e que a evolução progressiva e a revelação progressiva são princípios paralelos de uma única realidade. Podemos ficar encorajados com a harmonia sobre verdades vitais, tais como o desenvolvimento evolutivo, que nos guiam para uma consciência da unicidade da humanidade.

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Texto original: Did Darwin Discover Divinity? (www.bahaiteachings.org)

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Robert Atkinson é doutorado em psicologia do desenvolvimento, professor na University of Southern Maine e autor de vários livros, nomeadamente, The Story Of Our Time: From Duality to Interconnectedness to Oneness, Mystic Journey: Getting to the Heart of Your Soul’s Story (2012), e Remembering 1969: Searching for the Eternal in Changing Times (2008).

sábado, 18 de agosto de 2018

Cientismo: Se não pode ser provado cientificamente, não existe?

Por David Langness.


Tenho um amigo que quando lhe perguntam qual é a sua religião, ele responde: “Acredito no cientismo”.

“O que é isso?” pergunta a maioria das pessoas.

E geralmente, dá a seguinte resposta: “É a crença de que nada é verdade a menos que possa ser provado cientificamente”.

Numa ocasião tivemos uma discussão sobre esta sua resposta tradicional.

Perguntei-lhe: “Consegues provar isso cientificamente?”

Ele pensou um pouco e acabou por admitir: “Não”.

O cientismo é provavelmente a religião prevalecente no mundo de hoje, especialmente entre as classes educadas na cultura ocidental; mas baseia-se num dogma irracional e contraditório. Defende que apenas podemos acreditar nas coisas palpáveis. Se podemos medir, quantificar ou observar uma coisa no mundo dos sentidos – afirma o crente no cientismo – isso significa que a coisa é verdadeira. Caso contrário, é falsa ou inexistente.

Este raciocínio lógico tem um problema grave – não consegue provar a premissa central do cientismo usando a ciência, razão ou empirismo. O seu ensinamento central – de que a ciência tem acesso a todas as verdades importantes da vida – nega a existência de qualquer coisa que não possamos observar no mundo físico.

Os filósofos do cientismo, que aceitam apenas e exclusivamente aquilo que se pode medir e avaliar, consideram a ciência e o método científico como a única forma aceitável para compreender toda a realidade. Os novos ateus – escritores como Sam Harris, Richard Dawkins, Christopher Hitchens e Daniel Dennett – geralmente aceitam a ideia de que Deus não pode ser provado cientificamente, e que tudo o que existe no universo físico pode ser explicado de forma científica. Os ensinamentos Bahá’ís definem este tipo de filósofos como materialistas:
Os filósofos do mundo estão divididos em duas categorias: os materialistas, que negam o espírito e a sua imortalidade, e os filósofos divinos, os sábios de Deus, os verdadeiros iluminados que acreditam no espírito e na sua continuidade. Os filósofos antigos ensinaram que o homem consistia apenas de elementos materiais que compunham a sua estrutura celular e que quando esta estrutura elementar se desintegrava, a vida extinguia-se. Defendiam que o homem é apenas um corpo, e que surgiu da composição elementar de órgãos e das suas funções, sentidos, poderes e atributos, e que estes desaparecem completamente com o corpo físico. Isto é praticamente a afirmação de todos os materialistas. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 239)
‘Abdu’l-Bahá ilustra a falácia desta ideia ao examinar a natureza dos seres humanos, e assinalando o facto inegável da nossa consciência humana provar que possuímos uma realidade superior e mais complexa do que a restante criação material:
O homem possui as emanações da consciência; ele tem percepção, imaginação e é capaz de descobrir os mistérios do universo. Todas as indústrias, invenções e recursos que rodeiam a nossa vida diária foram, em determinado momento, tesouros ocultos da natureza, mas descobriu-as todas e sujeitou-as aos seus propósitos. Segundo as leis da natureza deveriam ter permanecido latentes e ocultas; mas o homem, transcendendo estas leis, descobriu estes mistérios e trouxe-os do plano invisível para o reino do conhecido e do visível. Como é maravilhoso o espírito do homem! Um dos mistérios dos fenómenos naturais é a electricidade. O homem descobriu o seu poder ilimitado e usou-a para seu proveito… O homem compreendeu que o sol está imóvel enquanto a terra gira ao seu redor. O animal não pode fazer isto. O homem percebe que a miragem é uma ilusão. Isto está para lá do poder do animal. O animal apenas pode perceber através das impressões sensoriais e não pode perceber realidades intelectuais. O animal não pode conceber o poder do pensamento. Isto é um tema intelectual abstracto e não está limitado aos sentidos. O animal é incapaz de perceber que a terra é redonda. Em resumo, os fenómenos intelectuais abstractos são poderes humanos… O homem transcende a natureza, enquanto o mineral, o vegetal e o animar estão subordinados a ela. Isto apenas pode ser feito através do poder do espírito porque o espírito é a realidade. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 240)
As pessoas têm poderes, faculdades e virtudes que nenhuma outra criatura possui. Produzimos arte, construímos civilizações, criamos culturas, descobrimos verdades científicas que estavam ocultas, e percebemos o que existe para lá do imediato e do físico. E acima de tudo, a vasta maioria das pessoas acredita na existência de Deus, que cada um de nós tem uma alma imortal, e que o propósito da vida e a base da moralidade inclui conhecer Deus. Numa perspectiva Bahá’í, esta combinação de atributos e a sua expressão consistente ao longo de milhares de anos, demonstra de forma definitiva que os humanos possuem uma realidade espiritual que transcende as limitações físicas e palpáveis do mundo material:
Nos poderes físicos e dos sentidos, porém, o homem e o animal são parceiros. De facto, o animal é frequentemente superior ao homem na percepção dos sentidos. Por exemplo, a visão de alguns animais é extremamente precisa e a audição de outros é muito apurada. Considere-se o instinto de um cão: como é superior ao de um homem. Mas apesar do animal partilhar com o homem todas as virtudes e sentidos físicos, foi concedido ao homem um poder espiritual que os animais não possuem. Isto é uma prova de que existe algo no homem que esta acima a além do talento animal – uma faculdade e virtude inerente ao reino humano que está ausente nos reinos de existência inferior. Isto é o espírito do homem. Todas estas maravilhosas realizações humanas devem-se ao poder eficiente e avassalador do espírito do homem. Se o homem estivesse privado deste espírito, nenhuma destas realizações teria sido possível. Isto é evidente como o sol do meio-dia. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, pp. 241-242)

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Texto original: Scientism: If You Can’t Count It, Does It Count? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 28 de julho de 2018

A Longa Guerra - e a Trégua Recente - entre Ciência e Religião

Por David Langness.
…uma pessoa religiosa é devota no sentido de não ter nenhuma dúvida quanto ao significado e sublimidade daqueles objectivos e metas suprapessoais que não exigem nem admitem fundamentação racional. Eles existem com a mesma necessidade e vidência quanto ela própria. Nesse sentido, a religião é o antiquíssimo esforço da humanidade para alcançar uma consciência clara e completa desses valores e objectivos, e para reforçar e ampliar incessantemente o seu efeito. Se concebemos a religião e a ciência segundo estas definições, parece impossível um conflito entre elas. Pois a ciência pode apenas determinar o que é, mas não o que deve ser; fora do seu domínio, todos os tipos de juízos de valor continuam a ser necessários. A religião, por outro lado, lida somente com avaliações do pensamento e da acção humanas: não lhe é lícito falar de factos e das relações entre os factos. Segundo esta interpretação, os conhecidos conflitos ocorridos entre religião e ciência no passado devem ser todos atribuídos a uma má compreensão da situação em causa. (Albert Einstein)
Stephen Jay Gould
Esta citação do famoso físico resume claramente a trégua actual entre a ciência e a religião tradicional. Após uma guerra de vários séculos entre a religião tradicional e a ciência emergente, muitos cientistas e teólogos estabeleceram recentemente um tratado de paz. O filósofo e biólogo Stephen Jay Gould criou uma expressão para esta trégua: “magistérios não-interferentes” (NOMA: Non-Overlapping Magisteria). Gould lançou originalmente este teoria em 1997, num artigo na revista Natural History, e recebeu um apoio significativo de teólogos e cientistas.

Gould definiu “magistério” como “um domínio onde uma forma de ensino tem as ferramentas apropriadas para um discurso e uma explicação com sentido”. Em 1999, no seu livro Rocks of Ages, Science and Religion in the Fullness of Life, ele definiu os domínios separados da ciência e da religião da seguinte forma:
A ciência tenta documentar o carácter factual do mundo natural, e desenvolve teorias que coordenam e explicam estes factos. A religião, por seu lado, opera num campo igualmente importante, mas completamente diferente: os propósitos, os significados e os valores humanos - temas que a ciência dos factos pode elucidar mas nunca pode explicar
Muitas Academias Nacionais de Ciências concordaram com esta ideia, afirmando nas suas declarações oficiais que a religião e a ciência são independentes uma da outra e “baseiam-se em diferentes aspectos da experiência humana”.

Esta visão, que hoje é amplamente defendida, está provavelmente muito próximo do princípio Bahá’í de harmonia essencial e reciprocidade entre as duas esferas:
Podemos pensar na ciência como uma asa e na religião como outra; uma ave necessita de duas asas para voar; ter apenas uma seria inútil. Qualquer religião que contradiga a ciência ou que se lhe oponha, é apenas ignorância – pois a ignorância é o oposto do conhecimento.

A religião que consiste apenas em rituais e cerimónias de preconceitos não é verdadeira. Façamos os nossos maiores esforços para ser meios de unidade entre religião e ciência.

Aquilo que a inteligência do homem não consegue compreender, a religião não deve aceitar. Religião e ciência caminham lado a lado, e qualquer religião contrária à ciência não é verdadeira (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 130)
No entanto, os ensinamentos Bahá’ís levam este conceito mais longe do que esta trégua: não se limitam a ver ausência de conflito entre religião e ciência; também vêem uma forte interligação:
A religião e a ciência são duas asas com as quais a inteligência do homem pode subir às alturas, com as quais a alma humana pode progredir. Não é possível voar apenas com uma asa! Se um homem tentar voar apenas com a asa da religião cairá rapidamente no atoleiro da superstição, enquanto se tentar apenas com a asa da ciência não conseguirá qualquer progresso, mas cairá no lamaçal desesperante do materialismo. Todas as religiões do dia actual caíram em práticas supersticiosas, não tendo concordância com os verdadeiros princípios dos ensinamentos que representam, nem com as descobertas científicas da época. Muitos líderes religiosos acabaram por acreditar que a importância da religião reside essencialmente na adesão a um certo conjunto de dogmas, práticas de ritos e cerimónias! Aquelas almas que eles pretendem curar são igualmente ensinadas a acreditar e a aderir obstinadamente a formas exteriores e confundindo-os com a verdade interior.

Acontece que estes rituais e formas são diferentes nas várias igrejas e entre as diferentes seitas, e até se contradizem umas às outras; dão azo a discórdia, ódio e união. O resultado de toda esta contenda é a convicção de muitos homens cultos de que a religião e ciência são contraditórias, de que a religião não precisa dos poderes da reflexão, e que não deve de modo algum ser regulada pela ciência, e que devem necessariamente opor-se uma à outra. O resultado infeliz disto é que a ciência se afastou da religião, e que a religião se tornou cega, e segue de forma mais ou menos apática os preceitos de alguns professores religiosos, que insistem que os seus dogmas favoritos devem ser aceites mesmo se forem contrários à ciência. Isto é disparate, pois é evidente que a ciência é luz, e sendo assim, a chamada verdadeira religião não se opõe ao conhecimento. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, pp. 142-143)
Para os Bahá’ís, a verdade é só uma. Na perspectiva Bahá’í, a verdade científica e a verdade espiritual não operam apenas em áreas separadas - têm a mesma base, a mesma veracidade, e mesma substância:
Não existe contradição entre a verdadeira religião e a ciência. Quando a religião se opõe à ciência torna-se mera superstição; o contrário do conhecimento é a ignorância.

Como pode um homem acreditar num facto que a ciência provou ser impossível? Se ele acredita apesar da sua razão, é mais superstição do que fé. Os verdadeiros princípios de todas as religiões estão em conformidade com os ensinamentos da ciência.

A Unidade de Deus é lógica, e esta ideia não é antagónica às conclusões obtidas pelo estudo científico. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 141)
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Texto original: The Long War - and the Recent Truce - Between Science and Religion (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.