Numa conceituada universidade britânica, uma placa colocada à entrada do departamento de filosofia ironizava: “Filosofia: temos todas as perguntas”.
Provavelmente, a maioria destas questões surgiram primeiramente com Sócrates, o filósofo grego, hoje conhecido como o Pai da Filosofia. Sócrates foi o primeiro a colocar muitas das questões filosóficas com as quais ainda hoje nos debatemos, mas colocou a famosa questão mais importante a que a ciência não consegue responder: “Como devemos viver?”
Naquela época, e agora, nenhum conhecimento científico nos pode ajudar com esta questão humana fundamental.
Desde 400 a.C. que as pessoas tentam responder a Sócrates. Poucos sabem que ele inicialmente colocou a questão devido ao desespero pessoal sobre a condição humana – especificamente, a nossa tendência para a violência e a guerra. Veterano da Guerra do Peloponeso entre Atenas e Esparta, Sócrates serviu como hoplita, um soldado cidadão ateniense que lutava com uma lança e um escudo num combate corpo a corpo, brutal e sangrento.
Depois da guerra, Sócrates começou a questionar todas as coisas relacionadas com a vida humana. Utilizou o seu famoso método de questionamento (o diálogo socrático), fazendo perguntas a todos os que encontrava na sua busca para encontrar a verdade. “A vida não examinada não vale a pena ser vivida”, disse ele; por isso os seus questionamentos tentavam levar as pessoas a olharem para dentro de si mesmas para responder à sua maior e mais séria questão:
Vês, portanto, sobre o que são as nossas discussões – e há algo sobre o qual um homem, mesmo com pouca inteligência, seria mais sério do que isto: de que maneira devemos viver? – Sócrates, conforme citado por Platão nos seus Diálogos.
Pela sua sabedoria e mente independente, os ensinamentos Bahá’ís elogiam Sócrates e os antigos filósofos gregos que ele orientou. Bahá’u’lláh referiu Sócrates como “sábio, talentoso e honrado”, dizendo:
Que visão penetrante na filosofia este homem eminente possuía! Ele é o mais distinto entre todos os filósofos e era altamente versado em sabedoria. Testemunhamos que ele é um dos heróis neste campo e um ilustre campeão dedicado a isso. Ele tinha um conhecimento profundo das ciências correntes entre os homens, bem como daquelas que estavam veladas das suas mentes. Parece-Me que ele bebeu uma porção quando o Mais Grandioso Oceano transbordava de águas cintilantes e vivificadoras. Foi ele quem se apercebeu de uma natureza única, temperada e penetrante nas coisas, tendo a maior semelhança com o espírito humano, e descobriu que esta natureza era distinta da substância das coisas na sua forma refinada. (Tablets of Baha’u’llah, p. 146)
'Abdu'l-Bahá, o exemplo Bahá'í, também elogiou Sócrates e a sua profunda compreensão da realidade:
... ele [Sócrates] promulgou duas crenças: uma, a unidade de Deus, e a outra, a imortalidade da alma após a sua separação do corpo; estes conceitos, tão estranhos ao seu pensamento, suscitaram grande comoção entre os Gregos, até que no final lhe deram veneno e o mataram... pois os gregos acreditavam em muitos deuses, e Sócrates estabeleceu o facto de que Deus é um, o que estava obviamente em conflito com as crenças gregas. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, p. 54.)
Quanto aos filósofos deístas, como Sócrates, Platão e Aristóteles, eles são de facto dignos de apreço e dos mais altos elogios, pois prestaram serviços distintos à humanidade. (‘Abdu’l-Bahá, Tablet to August Forel, p. 7.)
Viver simplesmente sem examinar profundamente o “porquê” de estarmos vivos, acreditava Sócrates, conduziria inevitavelmente a uma vida desperdiçada. Em vez disso, defendeu o auto-questionamento e o autodomínio, e ilustrou estes pontos com a analogia de um carro puxado por dois cavalos – um deles, teimoso e obstinado, representando o nosso desejo animal de perseguir o prazer egoísta sem restrições; e o outro cavalo, sensato e gentil, representando a nossa natureza superior e mais altruísta e a nossa capacidade humana de pensar e raciocinar.
Cada um de nós, dizia Sócrates, desempenha o papel de cocheiro desse carro, controlando um cavalo e deixando o outro correr. Nós decidimos qual deles controla o nosso movimento para a frente.
De acordo com os ensinamentos Bahá’ís, cada ser humano tem de lidar com essas mesmas duas forças ao longo do percurso da vida:
É evidente, portanto, que o homem tem um aspecto dual: enquanto animal, está sujeito à natureza, mas no seu ser espiritual ou consciente, transcende o mundo da existência material. Os seus poderes espirituais, sendo mais nobres e superiores, possuem virtudes das quais a natureza intrinsecamente não tem qualquer evidência; portanto, triunfam sobre as condições naturais. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 81.)
Na sua Apologia, Platão citou Sócrates perguntando:
Ó meu amigo, porque é que tu,... te preocupas tanto em acumular a maior quantidade de dinheiro, honra e reputação, e tão pouco com sabedoria, verdade e o maior aperfeiçoamento da alma, a qual tu nunca consideras ou dás atenção? Não tens vergonha disso?
Sócrates acreditava que esta busca – a perfeição da alma humana – era o mais elevado e o melhor objetivo da vida. Recomendou voltar os olhos da mente para dentro, e analisar tanto a sua verdadeira natureza como os valores que orientam a sua vida. Fazê-lo significa descobrir o estado da alma e avaliar o que realmente conduz à felicidade.
Muitas pessoas assumem ingenuamente que sabem lutar pela felicidade. Se levam uma vida não examinada, consideram frequentemente o sucesso, o estatuto, a autoindulgência e a aceitação social como os seus objetivos. Tendem a pensar no auto-sacrifício, na dor e na morte como coisas que devem ser evitadas a todo o custo. Sócrates discordou veementemente e viu esta visão do bem e do mal não só como errada, mas também prejudicial.
Naturalmente, fazemos o que fazemos nesta vida porque acreditamos que isso nos fará felizes. Para Sócrates, pensar neste tipo de felicidade material como boa, e em qualquer coisa que possa produzir algum sofrimento como má, significa que passaremos as nossas vidas procurando coisas que não nos podem trazer felicidade – mesmo quando as alcançamos.
Em vez disso, se nos dedicarmos ao autoconhecimento e à investigação independente da verdade, disse Sócrates, podemos começar a compreender o que realmente significa o verdadeiro bem. Na sua filosofia, Sócrates descreveu esse bem supremo como o desenvolvimento da virtude humana – a mesma perfeição da alma humana que é altamente elogiado pelos ensinamentos Bahá’ís:
... a honra do reino humano é o alcançar da felicidade espiritual no mundo humano, a aquisição do conhecimento e do amor de Deus. A honra atribuída ao homem é a aquisição das virtudes supremas do mundo humano. Esta é a sua verdadeira felicidade e felicidade. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 166.)
Em última análise, Sócrates ensinou o mesmo que a Fé Bahá’í e todas as outras religiões verdadeiras ensinam – que o aperfeiçoamento gradual da alma inclui o mais elevado esforço humano e a forma como todos devemos viver:
A vida de alguns homens está exclusivamente ocupada com as coisas deste mundo; as suas mentes estão tão circunscritas pelos costumes exteriores e pelos interesses tradicionais que ficam cegos para qualquer outro domínio da existência, para o significado espiritual de todas as coisas! Pensam e sonham com a fama terrena, com o progresso material. Prazeres sensuais e ambientes confortáveis delimitam o seu horizonte, as suas ambições mais elevadas centram-se nos sucessos das condições e circunstâncias mundanas! Não restringem as suas tendências mais baixas; comem, bebem e dormem! Tal como o animal, não pensam para além do seu próprio bem-estar físico. É certo que estas necessidades devem ser eliminadas. A vida é um fardo que deve ser carregado enquanto estamos na terra, mas não se deve permitir que os cuidados com as coisas inferiores da vida monopolizem todos os pensamentos e aspirações de um ser humano. As ambições do coração deveriam ascender a um objectivo mais glorioso, a actividade mental deveria elevar-se a níveis superiores! Os homens devem manter nas suas almas a visão da perfeição celestial e preparar aí uma morada para a generosidade inesgotável do Espírito Divino. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, pp. 98-99.)
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Texto original: How Should I Live? (www.bahaiteachings.org)
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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.
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