sábado, 13 de abril de 2024

Será que eu tenho alma?

Por David Langness.


Vejamos se podemos tentar responder à eterna questão– “Será que eu tenho alma?” – definindo primeiro o significado da palavra. As três definições seguintes são apresentadas por ordem crescente de complexidade.

A Wikipedia define alma da seguinte forma:

Alma ou psique (Grego antigo: ψυχή psykhḗ, de ψύχειν psýkhein, “respirar”) compreende as capacidades mentais de um ser vivo: razão, carácter, sentimento, consciência, memória, percepção, pensamento, etc. uma alma pode ser mortal ou imortal.

Em contraste, o dicionário Porto-Editora define-a desta forma:

[Filosofia] entidade unificadora das faculdades psíquicas (afetividade, pensamento, memória, etc.), por oposição à materialidade do corpo; [Religião] parte imaterial e imortal do ser humano, geralmente concebida como mantendo uma identidade ao longo da sua existência e associada às manifestações da sensibilidade e do pensamento.

E por fim, temos a definição de Bahá’u’lláh, o profeta fundador da Fé Bahá’í:

Em verdade, digo, que a alma humana é, na sua essência, um dos sinais de Deus, um mistério entre os Seus mistérios. É um dos poderosos sinais do Todo-Poderoso, o mensageiro que proclama a realidade de todos os mundos de Deus. Dentro dela está oculto aquilo que o mundo é agora totalmente incapaz de perceber…

Em verdade, digo: a alma humana está elevada acima de toda a saída e todo o regresso. Está imóvel, mas eleva-se nos ares; move-se, mas está parada. É, em si, um testemunho que prova a existência, de um mundo que é contingente, assim como a realidade de um mundo que não tem princípio nem fim. (Gleanings, LXXXII)

A julgar pela definição da Wikipedia – que a alma compreende as nossas capacidades mentais – podemos responder positivamente à pergunta “Será que tenho uma alma?” com confiança. Sem dúvida, todo ser humano possui pelo menos algumas capacidades mentais e, portanto, possui uma alma.

No entanto, se passarmos para a definição do dicionário – que é mais complexa - onde se a alma como “parte imaterial e imortal do ser humano”, algumas pessoas começam a ter problemas. Se não podemos vê-lo ou tocá-lo, muitos podem perguntar: como podemos saber que ela existe? Os ensinamentos Bahá’ís abordam esta importante questão dizendo que existem dois tipos de conhecimento humano:

Um deles é o conhecimento adquirido através dos sentidos. Aquilo que os olhos, os ouvidos ou os sentidos do olfato, paladar ou tacto podem perceber é chamado de “sensível”. Por exemplo, o sol é sensível, pois pode ser visto… Estas são designadas realidades sensíveis.

O outro tipo de conhecimento humano é o das coisas inteligíveis: isto é, consiste em realidades inteligíveis que não têm forma ou lugar exterior, e que não são sensíveis. Por exemplo, o poder da mente não é sensível, nem o são nenhum dos atributos humanos: estas são realidades inteligíveis. O amor, da mesma forma, é uma realidade inteligível e não sensível. Pois os ouvidos não ouvem estas realidades, os olhos não as vêem… Da mesma forma, a própria natureza é uma realidade inteligível e não sensível; o espírito humano é uma realidade inteligível e não sensível. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised version, pp. 93-94)

Com esta explicação em mente, certamente podemos concordar que a definição de alma humana do dicionário faz sentido. Descreve algo sem forma, algo que não podemos ver ou tocar, mas que todos sabemos instintivamente que possuímos – um espírito interior que contém a nossa “parte imaterial”. O facto de termos sentimentos, pensamentos, princípios, desejos e aspirações prova que uma parte intangível de nós – o espírito interior de cada pessoa – é real.

A forma mística como Bahá’u’lláh define a alma humana vai muito além destas descrições mais simples, desafiando-nos a compreender o seu mistério. O que será que Bahá'u'lláh quis dizer, por exemplo, quando escreveu que a alma “... é um testemunho que prova a existência, de um mundo que é contingente, assim como a realidade de um mundo que não tem princípio nem fim”?

Talvez um “mundo contingente”, neste contexto, signifique aquele em que vivemos no nosso dia a dia; e “um mundo que não tem princípio nem fim” significa a realidade eterna mais vasta e ampla, para lá desta existência meramente temporal e física aqui na Terra. Assim, numa perspectiva Bahá'í, a alma humana tem uma realidade dupla, que existe tanto no mundo contingente como para lá do mundo material.

Os ensinamentos Bahá’ís dizem que uma prova dessa realidade vem do facto de todos experienciarmos a natureza dupla da alma quando sonhamos:

...esta alma humana imortal está dotada de dois meios de percepção: um é realizado através da instrumentalidade; o outro, de forma independente. Por exemplo, a alma vê através dos olhos, ouve com os ouvidos, cheira pelas narinas e agarra objetos com as mãos. Estas são as acções ou operações da alma através de instrumentos. Mas no mundo dos sonhos a alma vê quando os olhos estão fechados. O homem está aparentemente morto, jaz ali como morto; os ouvidos não ouvem, mas ele ouve. O corpo está ali, mas ele – isto é, a alma – viaja, vê, observa. Todos os instrumentos do corpo estão inativos, todas as funções são aparentemente inúteis. Apesar disso, há uma percepção imediata e vívida por parte da alma. Sente-se a alegria. A alma viaja, percebe, sente. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 416.)

Será que eu tenho uma alma? Sem dúvida, garantem-nos as Escrituras Bahá’ís. As nossas almas, de facto, ao contrário dos nossos corpos, viverão para sempre:

... o homem possui duas realidades, por assim dizer: uma realidade ligada aos sentidos que é partilhada com o animal, e outra realidade que é consciente e de carácter ideal. Esta última é a realidade colectiva e a descobridora dos mistérios… Portanto, é real, eterna e não precisa atravessar mudanças e transformações. (Abdu’l-Baha, The Promulgation of Universal Peace, p. 417)

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Texto original: Do I Have a Soul? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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