sábado, 28 de julho de 2018

A Longa Guerra - e a Trégua Recente - entre Ciência e Religião

Por David Langness.
…uma pessoa religiosa é devota no sentido de não ter nenhuma dúvida quanto ao significado e sublimidade daqueles objectivos e metas suprapessoais que não exigem nem admitem fundamentação racional. Eles existem com a mesma necessidade e vidência quanto ela própria. Nesse sentido, a religião é o antiquíssimo esforço da humanidade para alcançar uma consciência clara e completa desses valores e objectivos, e para reforçar e ampliar incessantemente o seu efeito. Se concebemos a religião e a ciência segundo estas definições, parece impossível um conflito entre elas. Pois a ciência pode apenas determinar o que é, mas não o que deve ser; fora do seu domínio, todos os tipos de juízos de valor continuam a ser necessários. A religião, por outro lado, lida somente com avaliações do pensamento e da acção humanas: não lhe é lícito falar de factos e das relações entre os factos. Segundo esta interpretação, os conhecidos conflitos ocorridos entre religião e ciência no passado devem ser todos atribuídos a uma má compreensão da situação em causa. (Albert Einstein)
Stephen Jay Gould
Esta citação do famoso físico resume claramente a trégua actual entre a ciência e a religião tradicional. Após uma guerra de vários séculos entre a religião tradicional e a ciência emergente, muitos cientistas e teólogos estabeleceram recentemente um tratado de paz. O filósofo e biólogo Stephen Jay Gould criou uma expressão para esta trégua: “magistérios não-interferentes” (NOMA: Non-Overlapping Magisteria). Gould lançou originalmente este teoria em 1997, num artigo na revista Natural History, e recebeu um apoio significativo de teólogos e cientistas.

Gould definiu “magistério” como “um domínio onde uma forma de ensino tem as ferramentas apropriadas para um discurso e uma explicação com sentido”. Em 1999, no seu livro Rocks of Ages, Science and Religion in the Fullness of Life, ele definiu os domínios separados da ciência e da religião da seguinte forma:
A ciência tenta documentar o carácter factual do mundo natural, e desenvolve teorias que coordenam e explicam estes factos. A religião, por seu lado, opera num campo igualmente importante, mas completamente diferente: os propósitos, os significados e os valores humanos - temas que a ciência dos factos pode elucidar mas nunca pode explicar
Muitas Academias Nacionais de Ciências concordaram com esta ideia, afirmando nas suas declarações oficiais que a religião e a ciência são independentes uma da outra e “baseiam-se em diferentes aspectos da experiência humana”.

Esta visão, que hoje é amplamente defendida, está provavelmente muito próximo do princípio Bahá’í de harmonia essencial e reciprocidade entre as duas esferas:
Podemos pensar na ciência como uma asa e na religião como outra; uma ave necessita de duas asas para voar; ter apenas uma seria inútil. Qualquer religião que contradiga a ciência ou que se lhe oponha, é apenas ignorância – pois a ignorância é o oposto do conhecimento.

A religião que consiste apenas em rituais e cerimónias de preconceitos não é verdadeira. Façamos os nossos maiores esforços para ser meios de unidade entre religião e ciência.

Aquilo que a inteligência do homem não consegue compreender, a religião não deve aceitar. Religião e ciência caminham lado a lado, e qualquer religião contrária à ciência não é verdadeira (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 130)
No entanto, os ensinamentos Bahá’ís levam este conceito mais longe do que esta trégua: não se limitam a ver ausência de conflito entre religião e ciência; também vêem uma forte interligação:
A religião e a ciência são duas asas com as quais a inteligência do homem pode subir às alturas, com as quais a alma humana pode progredir. Não é possível voar apenas com uma asa! Se um homem tentar voar apenas com a asa da religião cairá rapidamente no atoleiro da superstição, enquanto se tentar apenas com a asa da ciência não conseguirá qualquer progresso, mas cairá no lamaçal desesperante do materialismo. Todas as religiões do dia actual caíram em práticas supersticiosas, não tendo concordância com os verdadeiros princípios dos ensinamentos que representam, nem com as descobertas científicas da época. Muitos líderes religiosos acabaram por acreditar que a importância da religião reside essencialmente na adesão a um certo conjunto de dogmas, práticas de ritos e cerimónias! Aquelas almas que eles pretendem curar são igualmente ensinadas a acreditar e a aderir obstinadamente a formas exteriores e confundindo-os com a verdade interior.

Acontece que estes rituais e formas são diferentes nas várias igrejas e entre as diferentes seitas, e até se contradizem umas às outras; dão azo a discórdia, ódio e união. O resultado de toda esta contenda é a convicção de muitos homens cultos de que a religião e ciência são contraditórias, de que a religião não precisa dos poderes da reflexão, e que não deve de modo algum ser regulada pela ciência, e que devem necessariamente opor-se uma à outra. O resultado infeliz disto é que a ciência se afastou da religião, e que a religião se tornou cega, e segue de forma mais ou menos apática os preceitos de alguns professores religiosos, que insistem que os seus dogmas favoritos devem ser aceites mesmo se forem contrários à ciência. Isto é disparate, pois é evidente que a ciência é luz, e sendo assim, a chamada verdadeira religião não se opõe ao conhecimento. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, pp. 142-143)
Para os Bahá’ís, a verdade é só uma. Na perspectiva Bahá’í, a verdade científica e a verdade espiritual não operam apenas em áreas separadas - têm a mesma base, a mesma veracidade, e mesma substância:
Não existe contradição entre a verdadeira religião e a ciência. Quando a religião se opõe à ciência torna-se mera superstição; o contrário do conhecimento é a ignorância.

Como pode um homem acreditar num facto que a ciência provou ser impossível? Se ele acredita apesar da sua razão, é mais superstição do que fé. Os verdadeiros princípios de todas as religiões estão em conformidade com os ensinamentos da ciência.

A Unidade de Deus é lógica, e esta ideia não é antagónica às conclusões obtidas pelo estudo científico. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 141)
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Texto original: The Long War - and the Recent Truce - Between Science and Religion (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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