sábado, 21 de setembro de 2024

A Arte de Viver e a Arte de Morrer

Por John Hatcher.


Os ensinamentos Bahá’ís dizem-nos que a morte é uma mensageira de alegria.

Como já escrevi em vários artigos, de acordo com tudo aquilo em que sinceramente acredito e que prezo, a morte é apenas um nascimento para uma realidade mais ampla e agradável, uma realidade que o meu ser essencial já ocupa. A minha mente racional memorizou e baseia-se numa série de textos maravilhosos das Escrituras Bahá'ís que me asseguram que é assim, que a morte não deve ser temida, mas deve ser acolhida como uma libertação das restrições e do sofrimento daquilo que 'Abdu'l-Bahá e Bahá'u'lláh por vezes chamam “monte de pó” do mundo:

Não se contentes com a tranquilidade de um dia que passa, e não te prives do descanso eterno. Não troques o jardim do deleite eterno pelo monte de pó de um mundo mortal. Da tua prisão ascende aos gloriosos prados no alto, e da tua gaiola mortal voa para o paraíso do Sem Lugar. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do persa, #39)

Quando a alma humana se desprender deste efémero monte de pó e ascender ao mundo de Deus, então os véus cairão e as verdades virão à luz, e todas as coisas antes desconhecidas se tornarão claras e as verdades ocultas serão compreendidas. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, #149)

Na verdade, numa analogia maravilhosa, ‘Abdu’l-Bahá compara a sensação de ser libertado das restrições desta vida à sensação de alegria que um pássaro pode sentir ao ser libertado da sua gaiola:

Sustentar que o espírito é aniquilado com a morte do corpo, é imaginar que um pássaro preso numa gaiola pereceria se a gaiola fosse quebrada, embora o pássaro não tenha nada a temer com o quebrar da gaiola. Este corpo é igual à gaiola e o espírito é como o pássaro: observamos que este pássaro, livre da gaiola, voa livremente no mundo do sono. Portanto, se a gaiola fosse quebrada, o pássaro não só continuaria a existir, mas também os seus sentidos seriam aperfeiçoados, a sua percepção alargar-se-ia e a sua alegria tornar-se-ia mais intensa. (Some Answered Questions, newly revised edition, p. 262)

Então, porque é que só agora considero como a arte de viver inseparável da arte de morrer, e que cada vez mais sinto que ainda não estou preparado para essa “libertação”?

A arte de viver e a arte de morrer são teoricamente um processo único, quer falemos literal ou figurativamente. Um rápido olhar a alguns textos das Escrituras Bahá’ís confirma esta perspectiva – que assim que nascemos, morremos; e assim que morremos, nascemos. Assim, a arte de viver bem é, de facto, inseparável da arte de nos prepararmos para morrer bem.

Bahá’u’lláh menciona este axioma quando afirma claramente que todo o propósito da educação espiritual e do esclarecimento prestado pelos profetas de Deus é preparar-nos individualmente para esse segundo (ou terceiro) nascimento:

Os Profetas e Mensageiros de Deus foram enviados com o único propósito de guiar a humanidade ao íntegro Caminho da Verdade. O propósito subjacente da Sua revelação tem sido educar todos os homens para que eles possam, na hora da morte, ascender - com a maior pureza e santidade, e com absoluto desprendimento - ao trono do Altíssimo. (Gleanings, LXXXI)

Como estou assumidamente preocupado com a morte e, com toda a franqueza, não desejo alcançá-la neste exacto momento, devo presumir que ainda não cumpri o propósito da minha vida, e ainda não dominei completamente a arte de viver bem.

Por um lado, tenho a certeza de que daria a minha vida, sem hesitação, no calor do momento, para salvar outra pessoa ou para defender as minhas crenças. No entanto, é evidente que ainda não aperfeiçoei a arte de viver, caso contrário, presumo, que estaria pronto e ansioso para “ascender - com a maior pureza e santidade, e com absoluto desprendimento - ao trono do Altíssimo”.

Certamente eu não passaria horas na internet procurando um carro a bom preço. Nem eu estaria tão ansioso para fazer visitas regulares a uma churrasqueira para consumir grandes quantidades de vegetais e carne de porco desfiada se estivesse suficientemente desprendido desta vida para me considerar preparado.

Quão desprendido e espiritual posso ser se ainda tenho esperança de ficar em boa forma, de emagrecer, de trabalhar os meus abdominais? Às vezes até considero comprar um fato para parecer elegante, caso seja chamado a aceitar algum prémio. O último fato que comprei foi há trinta anos para me casar.

Os meus pensamentos e esperanças neste mundo material, dizem os ensinamentos Bahá’ís, apenas me afastam da realidade eterna:

Se a esperança do homem se limita ao mundo material, então ele está a trabalhar para que fim? Um homem com um pouco de compreensão deve perceber que não deve imitar o verme que se prende à terra onde finalmente será enterrado. Como pode o homem ficar satisfeito com esta baixa condição? Como pode ele encontrar ali a felicidade? A minha esperança é possais libertar-vos do mundo material, e esforçar-vos para compreender o significado do mundo celestial, o mundo das qualidades duradouras, o mundo da verdade, o mundo da realeza eterna, para que as vossas vidas não sejam estéreis de resultados, pois a vida do homem material não tem fruto de realidade. Os resultados duradouros são produzidos ao reflectir a existência celestial.

Se um homem for tocado pela centelha divina, mesmo sendo um proscrito e oprimido, ele será feliz e a sua felicidade não poderá morrer. (‘Abdu’l-Baha, Divine Philosophy, p. 56)

-----------------------------
Texto original: The Art of Living and the Art of Dying (www.bahaiteachings.org)


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

John S. Hatcher é formado em Literatura Inglesa pela Universidade de Vanderbilt e Doutorado em Literatura Inglesa pela Universidade da Georgia (EUA). É professor Emérito na Universidade de South Florida (Tampa, EUA). É também conhecido como poeta, palestrante e autor de numerosos livros sobre literatura, filosofia e teologia e escrituras Baha’is. Entre as suas obras contam-se Close Connections; From the Auroral Darkness: The Life and Poetry of Robert E. Hayden; A Sense of History: The Poetry of John Hatcher; The Ocean of His Words: A Reader's Guide to the Art of Baha'u'llah; and The Purpose of Physical Reality; The Kingdom of Names.

Sem comentários: