sábado, 23 de fevereiro de 2019

O Problema dos Milagres

Por Christopher Buck.


As profecias muitas vezes predizem milagres. Esses sinais e maravilhas são descritos como prodígios, ou sinais divinos. No entanto, há um grande problema: os milagres são literais ou simbólicos?

Esta é uma questão importante, porque a resposta faz toda a diferença. Porque um milagre real seria totalmente óbvio - tão óbvio que todos os que tivessem visto o milagre, acreditariam. Se você tivesse visto um milagre acontecer perante os seus olhos, que escolhas teria?

Mas... e se esse milagre não for assim tão óbvio? E se os milagres e as profecias contiverem um “código” simbólico que descreva futuros eventos espirituais? Se assim for, então as profecias nunca se poderão cumprir aos olhos de pessoas que esperam milagres exteriores.

Na perspectiva Bahá'í, os milagres interiores são muito mais importantes do que outros. Aqui, por "milagre", referimo-nos a algum tipo de profunda transformação física ou espiritual.

A crença popular é que os milagres são provas sobrenaturais de uma missão divina. Por outras palavras, um profeta ou mensageiro de Deus, deve realizar milagres. Mas... e se isso não for verdade?

Tendo isto em mente, vamos apresentar uma nova definição da palavra "milagre". Esta definição inclui a revelação de mensagens de Deus, que no passado foi descrita como um milagre. Por exemplo, os versículos do Alcorão são chamados "milagres" e também "versículos" - a mesma palavra em árabe descreve ambos.

Para aprofundar este novo significado de um milagre, vamos consultar um livro do Báb - o precursor de Bahá’u’lláh - chamado As Sete Provas, e aclamado como "a mais importante das obras polémicas do Bab" (Shoghi Effendi, God Passes By, p. 26). A "Primeira Prova" d’As Sete Provas nunca foi oficialmente traduzida e publicada como tradução autorizada. Agora, pela primeira vez, apresentamos as seguintes traduções provisórias (que, de acordo com a actual política Bahá’í, podem ser publicadas on-line, apesar de não estarem aprovadas oficialmente), das versões persa e árabe:
Se os versículos do Alcorão não eram maiores do que os milagres de todos os Profetas [que apareceram antes de Maomé], então, como é que os Livros deles foram revogados pelo Alcorão? Como é que o só o Alcorão perdurou? Isto, só por si, é uma prova forte e decisiva de que esta prova [o Alcorão] sempre foi - e continua a ser - maior do que a vara de Moisés e outros desses milagres físicos apresentados como provas [pelos Profetas do passado]. (The Bab, Seven Proofs, tradução provisória do persa por Omid Ghaemmaghami)
A "Primeira Prova" do Báb parece-me magistral na sua força lógica, irrefutável no seu argumento, carismática no seu tom e conteúdo, e poderosa pela força da sua surpreendente brevidade.

Fiquei estupefacto com esta passagem. Para mim, isto é um verdadeiro milagre, se um milagre é definido como um evento sobrenatural - não sobrenatural no sentido de suspender leis naturais, mas sobrenatural ao transmitir sabedoria divina na sua forma mais pura.

Na minha compreensão limitada desta lógica, o Báb usa o termo "milagres" de duas maneiras: (1) milagres físicos; e (2) livros sagrados, ou seja, as escrituras das religiões do mundo. Isto está em perfeita concordância com a tradicional compreensão islâmica de "milagres". O Alcorão é considerado um "milagre" porque o seu poder e singularidade não podem ser reproduzidos, o que significa que ninguém pode criar algo equivalente. A mesma lógica aplica-se às escrituras do Báb e de Bahá’u’lláh.

O contraste não podia ser mais profundo: apesar dos milagres físicos serem importantes no seu momento, a sua influência é fugaz e de curta duração - embora a memória desses milagres possa durar. Esses milagres são literalmente "incríveis", o que significa que só podem ser credíveis como uma questão de fé. Os cépticos, que exigem prova, não aceitam tais afirmações. Por outras palavras, os milagres não são verificáveis - excepto como uma questão de fé para aqueles que os testemunharam - e não podem ser reproduzidos.

O maior milagre - como indica a primeira prova do Báb - vem da revelação da Palavra de Deus, que influencia criativa e profundamente as mentes, os corações e as almas daqueles que se deixam tocar lendo-a ou escutando-a. Aqui, o efeito no ouvinte - ou no leitor - é poderoso, carismático, duradouro, verificável e reproduzível. Nesse sentido, a Palavra de Deus tem uma influência mais poderosa, milagrosa e duradoura do que qualquer milagre físico, narrado na Bíblia, no Alcorão, ou em qualquer outro texto sagrado.

Vejamos agora uma tradução da versão árabe dessa primeira prova:
Ninguém, salvo que Deus terá alguma vez o poder de revelar versículos como os de Furqan [o Alcorão]. Na verdade, haverá alguma coisa criada mais maravilhosa do que isto, se sois dos que reflectem nessa verdade? Decretámos um período para o povo do Furqan, desde o dia da sua revelação até este momento, até que todos soubessem com certeza que eles eram incapazes para produzir algo semelhante, para que, por ventura, quando ouvissem os versículos de Deus no Dia do Dia Revelação da Sua prova, eles acreditassem tal como o fizeram anteriormente. Ponderai como Deus fechou os seus véus, e como Ele não tem sido tão misericordioso com todos os povos da terra como foi com eles; e, no entanto, eles ignoram a Causa de Deus. Sempre que Deus deseja revelar um versículo, nenhuma fuga têm eles em matéria da sua fé.

Actualmente, eles dizem que isto (o Alcorão) é, em verdade, de Deus, a Ajuda no Perigo, o Que Subsiste por Si próprio, mas se dissessem que esses versículos não são de Deus, eles negariam a Palavra de Deus que receberam antigamente no Furqan. Pois ninguém, excepto Deus, tem o poder de revelar nem que seja um único versículo; estivestes certos disto, cada um e todos, nos tempos passados. (The Bab, Seven Proofs, tradução provisória do árabe por Joshua Hall)
Aqui, compreendi que o Bab se refere exteriormente ao Alcorão, mas interiormente à Sua própria revelação – e ao poder fortalecedor e milagroso da Palavra de Deus.

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Texto original: The Problem with Miracles (www.bahaiteachings.org)


Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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