sábado, 7 de setembro de 2024

As Primeiras Palavras da Revelação Bahá’í

Por Nader Saiedi.


As primeiras palavras da revelação Bahá’í surgiram de um sonho vivenciado por Bahá’u’lláh, o fundador da Fé Bahá’í:

Uma noite, num sonho, estas palavras excelsas fizeram-se ouvir: “Em verdade, far-Te-emos vitorioso por Ti próprio e pela Tua Pena. Não Te lamentes por aquilo que Te sucedeu, nem tenhas medo, pois estás em segurança. Em breve Deus levantará os tesouros da terra - homens que Te ajudarão através de Ti mesmo e através do Teu Nome, com o qual Deus fez renascer os corações daqueles que O reconheceram.” (Epístola ao Filho do Lobo, ¶35)

Esta afirmação é a descrição do próprio Bahá’u’lláh da Sua primeira experiência de revelação divina no Inverno de 1852, oito anos após o início do movimento Bábi. Aqui, Bahá’u’lláh relata o Seu primeiro caso de revelação quando estava preso numa masmorra de Teerão, durante o período em que a comunidade Bábi era sujeita às maiores crueldades, perseguições, torturas e assassinatos no Irão.

O movimento Bábi, iniciado pelo Báb em 1844, abriu caminho para o surgimento da cultura Bahá’í. O Báb alcançou este objectivo questionando as tradições islâmicas vigentes no Irão do século XIX, e apresentando uma nova interpretação da religião e da identidade humana.

A entrada para o Siyah-Chal (Poço Negro) onde Baha’u’llah esteve preso em Teerão.
Mas neste breve artigo não vou enfatizar o contexto histórico e o significado destas palavras de Bahá’u’lláh. Em vez disso, quero enfatizar alguns dos significados e mensagens ocultas destas palavras históricas, que representam um ponto de viragem na história humana. Este artigo de duas partes, que explora o ímpeto inicial da revelação Bahá’í, dá início a uma série mais longa sobre 19 palavras sagradas e os seus significados.

Na verdade, creio que as palavras acima citadas contêm a essência de quase todos os ensinamentos de Bahá’u’lláh, ensinamentos que foram revelados durante quarenta anos do Seu ministério após esta experiência inicial.

Perceber a omnipresença destes futuros ensinamentos na primeira experiência de revelação de Bahá’u’lláh é em si um testemunho do carácter puro, primordial e não adquirido da revelação de Bahá’u’lláh. Assim, nestes dois primeiros artigos de uma série mais longa, vamos ver oito das implicações destas palavras criativas de Bahá’u’lláh.

1. A Ênfase de Bahá’u’lláh na Não-Violência

A primeira implicação destas palavras é a ênfase de Bahá’u’lláh na não-violência como essência e coração da Sua nova visão do mundo.

Como claramente testemunham as Suas Escrituras posteriores, Bahá’u’lláh via-Se como um educador divino cujo principal objectivo incluía a criação da paz no mundo. Esta paz estende-se desde a proibição da violência religiosa na forma de guerra santa, até à afirmação das condições necessárias para o surgimento de uma paz universal duradoura nas relações internacionais.

O que a primeira experiência de revelação de Bahá’u’lláh enfatiza – “Em verdade, far-Te-emos vitorioso por Ti próprio e pela Tua Pena” – é a substituição da espada pela palavra.

A causa de Deus não se tornará vitoriosa através da violência ou da espada, mas sim pelo carisma e amor de Bahá’u’lláh, e pelo movimento da Sua pena. Assim, é o movimento da pena que substitui o movimento da espada como agente de assistência à religião de Deus.

Esta nova religião baseia-se na liberdade de consciência de todos os seres humanos. A partir de agora, dizem os ensinamentos Bahá’ís, é apenas através da aceitação voluntária da mensagem de Bahá’u’lláh pelo coração que uma pessoa pode tornar-se membro da nova religião.

2. Uma Nova Abordagem à Opressão

A segunda mensagem destas palavras de Bahá’u’lláh revela uma nova abordagem à opressão. A primeira experiência de revelação de Bahá’u’lláh enfatiza o método não violento de criar a paz como a essência dos Seus ensinamentos. Isto significa que a melhor forma de erradicar a injustiça e a opressão no mundo é através de uma cultura amorosa e pacífica que transforme os corações das pessoas e as una.

Notavelmente, Bahá’u’lláh recebeu esta revelação num momento caracterizado pela mais intensa expressão de crueldade, tirania e genocídio. A comunidade Bábi ia sendo exterminada e o próprio Bahá’u’lláh, estando inocente, foi preso; todos esperavam que Ele não sobrevivesse àquela masmorra negra. Mas a resposta de Bahá’u’lláh a esta opressão extrema não foi um apelo à violência, nem um ódio ao opressor. Em vez disso, respondeu a esta opressão gerando uma cultura de amor e paz universais, uma cultura que afirma a beleza e a dignidade de todos os seres humanos.

Como outra implicação única desta nova abordagem, Bahá’u’lláh não Se focou apenas no comportamento e na cultura do opressor. Em vez disso, como parte da Sua regeneração do mundo, tentou transformar também o comportamento e a cultura dos oprimidos. Rejeitou a tendência de alguns dos Bábis que procuravam vingança, que demonizavam a maioria opressora e ansiavam pelo assassinato do rei. Bahá’u’lláh acreditava que uma paz duradoura requer crítica e remoção de qualquer tendência ou cultura de ódio, onde quer que se encontre. A solução definitiva para a opressão, dizem os ensinamentos Bahá’ís, é o amor universal e não a diabolização do opressor.

3. A Igualdade entre Homens e Mulheres

As palavras iniciais de Bahá’u’lláh – proferidas pela primeira vez quando foi injustamente preso no Poço Negro em Teerão, em 1852 – defendem a igualdade entre homens e mulheres.

Nos Seus vários textos, incluindo no início de uma epístola chamada Epístola do Templo (Súriy-i-Haykal), Bahá'u'lláh deixa claro que recebeu a Sua mensagem divina através de uma realidade divina feminina - que através desta virgem celestial, Deus comunica a Sua revelação a Bahá'u'lláh:

Enquanto submerso em aflições, ouvi a mais maravilhosa, a mais doce voz, chamando acima da Minha cabeça. Ao virar a Minha face, vi uma Virgem - a personificação da lembrança do nome do Meu Senhor – suspensa no ar perante Mim. Ela estava tão feliz na sua alma que o seu semblante brilhava com o adorno da complacência de Deus, e a sua face incandescia com o brilho do Todo-Misericordioso. Entre a Terra e o Céu, ela fazia um chamamento que cativava os corações e as mentes dos homens. Ela passou a todo o Meu ser as boas-novas que regozijaram a Minha alma e as almas dos honrados servos de Deus. (Súriy-i-Haykal, ¶6)

Num outro dos Seus textos, Bahá’u’lláh salienta claramente que esta virgem celestial não é mais do que a verdade dos ensinamentos Bahá’ís, uma verdade que é igual à verdade de todos os profetas de Deus, a Vontade divina.

Esta simbolização feminina da revelação divina implica uma reavaliação de todos os valores.

Se Deus comunicou a Moisés através de uma sarça ardente, e a Jesus através de uma ave, e a Maomé através de um anjo masculino, agora a nova Primavera divina, a revelação Bahá’í, é caracterizada pela sacralidade do símbolo feminino. Na cosmovisão de Bahá’u’lláh, Deus está muito acima dos atributos masculino/feminino – mas agora a realidade sagrada mais elevada, o reflexo e a revelação divina, é agora simbolizada como uma realidade feminina.

Bahá’u’lláh, um profeta masculino, define-se como um ser cuja verdade espiritual é retratada como feminina.

Isto significa que a descrição tradicional das mulheres como símbolos de irracionalidade, astúcia e desejos vis chegou finalmente ao fim. A glorificação do símbolo feminino é central para a revelação Bahá’í e inseparável da sua teologia. Escusado será dizer que um movimento cujo objectivo principal é a criação da paz deve substituir a violência da cultura patriarcal pela cultura amorosa e espiritual da igualdade e dignidade de todos os seres humanos, sejam homens ou mulheres.

4. A Negação dos Milagres

Nas primeiras palavras que Bahá’u’lláh proferiu no início da Sua revelação, de uma forma histórica e religiosamente sem precedentes, Ele negou os milagres como prova da verdade do mensageiro de Deus.

Para Bahá’u’lláh, a Sua religião pode ser justificada através de duas provas últimas: o Seu próprio ser e carácter, e as Suas palavras e mensagem.

Assim, o extraordinário carácter e carisma de Bahá’u’lláh, e o Seu amor universal pela realidade, constituem a evidência suprema da Sua missão divina. Depois disso, as Suas palavras criativas, as palavras divinas, criam uma civilização, correspondem às necessidades e ao espírito da época, unem os corações e guiam a humanidade para uma viagem mística cujo destino é a espiritualização da vida.

Assim, para o Báb e para Bahá’u’lláh, a função de um profeta não é fazer milagres ou desafiar as leis do universo. Para Bahá’u’lláh e todos os profetas de Deus, a verdadeira evidência da presença de Deus são as magníficas leis da natureza.

A religião pertence ao reino do espírito, e o milagre supremo e a prova de um profeta são as palavras de Deus, essa realidade espiritual que cria um novo céu e uma nova terra. Os ensinamentos Bahá’ís dizem que a ideia tradicional de milagres não só encoraja uma cultura de superstição e obsessão mágica; é contraditória com a justiça de Deus

Os milagres só podem ser observados pelas poucas pessoas que vivem na mesma época e no mesmo local que habita o profeta, e que por acaso estão presentes naquele momento da realização de milagres. Se os milagres são a evidência da verdade de um profeta, Deus só forneceria provas convincentes para alguns e ocultá-las-ia do resto da humanidade.

Essa abordagem da religião redu-la a um culto da superstição, do tradicionalismo e da renúncia à capacidade de raciocínio e ao pensamento independente dos seres humanos. Pelo contrário, a definição da palavra de Deus como o milagre supremo e a evidência da verdade espiritual afirma a santidade da consciência humana.

Desta forma, o mensageiro de Deus traz não só as palavras de uma nova revelação, mas também incute vida renovada na própria realidade.

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Texto original: The Very First Words of the Baha’i Revelation (www.bahaiteachings.org)


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Nader Saieddi é professor de Estudos Bahá’ís na UCLA (Los Angeles, EUA). É autor de diversos livros, incluindo Logos and Civilization: Spirit, History and Order in the Writings of Baha’u’llah; e Gate of the Heart: Understanding the Writings of the Bab. Nasceu em Teerão (Irão) e tem um mestrado em economia pela Universidade Pahlavi (Siraz) e doutoramento em sociologia pela Universidade de Wisconsin.

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