Num website inter-religioso, uma ensaísta criticou o envolvimento Bahá’í com as Nações Unidas, com base no que ela entendia serem os ensinamentos Bahá’ís sobre como e quem criaria a unidade e a paz mundiais.
A sua crítica – baseada em várias percepções erradas, sobre o que a Fé Bahá’í ensina, e sobre o que Cristo ensinou – merece uma resposta.
No seu texto, a mulher a quem chamarei “Jen” explicou, erradamente, aquilo que pensava serem crenças Bahá’ís. Dizia:
... não deve haver tolerância para com as instituições e iniciativas educativas, ou políticas e programas de comunicação social que promovam atitudes e comportamentos intolerantes. Lembremo-nos que, fazer proselitismo, reivindicar um caminho exclusivo para a salvação, ou condenar um estilo de vida como a homossexualidade é considerado intolerante; isto aplicar-se-ia às escolas religiosas privadas e muito possivelmente às igrejas.
Ela não citou qualquer fonte para estas ideias, mas lembrei-lhe o que tinha dito anteriormente, que as leis Bahá’ís se aplicam apenas aos Bahá’ís e nunca devem ser impostas a mais ninguém. Isto está de acordo com um padrão que existe em todas as religiões reveladas, e é uma extensão lógica dos dois maiores Mandamentos dados por Moisés e Cristo. Em Mateus 22:35-40, Cristo esclareceu a resposta:
«...Mestre, qual é o mandamento mais importante da lei?» Jesus respondeu-lhe: «Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a alma e com todo o entendimento. Este é que é o primeiro e o mais importante dos mandamentos. O segundo é semelhante a este: Ama o teu próximo como a ti mesmo. O essencial de todo o ensino da lei e dos profetas está nestes dois mandamentos.»
Em Lucas 10:25-37, Cristo invocou de forma notável este mandamento para responder a uma questão profunda: Como posso alcançar a vida eterna? Depois de assegurar ao jovem questionador que a vida eterna é herdada pela obediência ao Maior Mandamento – “Faz isto e viverás” – Cristo prosseguiu com um exemplo em que a tolerância para com as diferenças extremas é central. Contou a história de um judeu ferido que, depois de ser ignorado por dois sacerdotes judeus, é resgatado por um odiado samaritano. Nessa época, os judeus e os samaritanos acreditavam ser o Povo Eleito e tinham tolerância zero entre si. No entanto, Cristo descreve o samaritano salvando a vida do judeu.
Uma das características principais desta história é que, embora as razões para os sacerdotes evitarem o contacto com o homem ferido sejam a pureza ritual e doutrinal, nem o judeu resgatado nem o seu salvador falam ao outro sobre a intolerância ancestral ou instam o outro a arrepender-se e a converter-se. Não há sermões, apenas compaixão – uma compaixão que está, como Cristo sublinha, em conflito com a lei religiosa judaica.
Na Parábola do Bom Samaritano, Jesus não está apenas a promover a tolerância para com as diferenças de visão do mundo, religião, crenças morais ou etnia. Ele está a dizer ao jovem estudioso – e, por extensão, a qualquer pessoa que o siga – para não só tolerar, mas amar esse próximo, a quem podem considerar pecador, ou apóstata, ou herege, ou impuro.
Pedi à Jen que compreendesse que os Bahá’ís estão tão dedicados a proteger as suas crenças da intolerância como se fossem as nossas. Reparei que ela tinha citado uma declaração Bahá’í na ONU que menciona: “…uma profunda transformação nas atitudes e nos comportamentos”. As atitudes e os comportamentos só podem ser transformados através de uma mudança de coração, e uma mudança de coração deve vir do desejo do indivíduo de mudar. Não pode ser provocado por uma força exterior. Recorde a afirmação do apóstolo Paulo em 2 Coríntios 3:18 de que:
Todos nós, porém, estamos de rosto descoberto e, como um espelho, somos um reflexo da glória do Senhor. Transformamo-nos assim numa imagem dele, com um brilho cada vez maior…
Esta é uma das muitas razões pelas quais a Comunidade Internacional Bahá’í trabalha em todas as organizações internacionais para garantir pacificamente a tolerância religiosa – tanto para os cristãos, como para qualquer outro grupo. Como os Bahá’ís são perseguidos pelas suas crenças em vários países, sabemos por experiência própria o quão dolorosa e mortal pode ser a intolerância religiosa.
Nas suas observações, Jen também parafraseou uma “proposta bahá’í” dizendo: “apenas os líderes religiosos que deixam claro aos seus seguidores que o preconceito, a intolerância e a violência não têm lugar na vida de uma pessoa religiosa devem ser convidados a participar do trabalho deste organismo.” Não ficou claro o que ela queria dizer com “este organismo”, e achei os seus comentários paradoxais porque implicavam que ela pensava que, para ser crente em Jesus, é preciso tolerar o preconceito, a intolerância e a violência em seu nome.
“Espero que não acredites nisto”, disse-lhe, e expliquei que a declaração Bahá’í significa simplesmente o que diz: que qualquer trabalho realizado ao serviço da unificação da humanidade não pode ter esperança de sucesso se for feito num espírito de preconceito, intolerância e violência.
Jesus Cristo deixou à humanidade instruções muito específicas sobre como viver de acordo com os Seus ensinamentos, como nesta passagem de Lucas 6:27-39:
Digo a todos os que me estão a ouvir: amem os vossos inimigos e façam bem a quem vos odeia. Abençoem quem vos amaldiçoa e orem por aqueles que vos tratam mal. Ao que te bater num lado da cara, deixa-o bater também no outro... Se amarem apenas aqueles que vos amam, que recompensa poderão esperar de Deus? Até os pecadores têm amor àqueles que os amam. Se fizerem bem somente aos que vos fazem bem, que recompensa poderão esperar? Até os pecadores procedem assim... Vocês, pelo contrário, tenham amor aos vossos inimigos, façam-lhes bem, e emprestem sem nada esperar em troca. Assim, receberão grande recompensa e serão filhos do Deus altíssimo, porque ele é bom até para as pessoas ingratas e más. Sejam misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso.» «Não julguem e não serão julgados. Não condenem e não serão condenados. Perdoem e serão perdoados... Pois a medida que usarem para os outros será usada também para convosco.
Este espírito — o espírito de Cristo — ecoa de época em época, encontrando expressão cada vez mais enfática e explícita nos ensinamentos Bahá'ís:
Agi de acordo com os conselhos do Senhor: isto é, levantai-vos (…) com aquelas qualidades que dotam o corpo deste mundo de uma alma vivente, e levam esta criança, a humanidade, à fase da idade adulta. Tanto quanto puderem, acendam uma vela de amor em cada reunião e, com ternura, regozijem-se e animem cada coração. Cuidai do estranho como se fosse um dos vossos; mostrai às almas estranhas a mesma bondade amorosa que concedeis aos seus amigos fiéis. Se alguém vos agredir, procurai ser seu amigo; se alguém vos apunhalar no coração, sede um bálsamo curativo para as suas feridas; se alguém vos provocar e troçar de vós, respondei-lhe com amor…. Talvez esses modos e palavras vindas de vós façam com que esta terra poeirenta se torne celestial... para que a guerra e o conflito cessem e não existam mais, e o amor e a confiança instalem as suas tendas nos cumes do mundo. Essa é a essência das advertências de Deus... (Selections from the Writings of ‘Abdu’l‑Bahá, #16)
À luz destas referências, a afirmação de Jen sobre a tolerância fez-me pensar, levando-me a perguntar: se o Espírito de Cristo é amor - mesmo pelos nossos inimigos e por aqueles que nos sentimos inclinados a desprezar - não serão a intolerância e o ódio o espírito do anticristo?
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Texto original: What the Parable of the Good Samaritan Really Means (www.bahaiteachings.org)
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Maya Bohnhoff é Baha'i e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora (juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na www.commongroundgroup.net.
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