Ó Filho do Ser! Se o teu coração estiver voltado para este domínio eterno e imperecível e para esta vida antiga e eterna, abandona esta soberania mortal e efémera. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, #54)
Na faculdade, conheci um rapaz a quem todos chamavam monogâmico em série. Dizendo de uma forma simpática, ele era agressivamente solteiro. Cada vez que o via estava com uma moça diferente e raramente faltava a uma festa. Vamos chamar-lhe Cliff.
Eu vez perguntei-lhe sobre disso. Ele riu-se e deu-me uma variante do velho lugar-comum: “A variedade é o tempero da vida, e eu estou apenas a jogar em campo”.
Durante algumas aulas de literatura, percebi que o Cliff não costumava falar em lugares-comuns; ele conseguia mesmo pensar. As perguntas que ele fazia aos nossos professores durante as aulas revelavam uma pessoa mais profunda e atenciosa do que eu poderia imaginar. Fiquei também a perceber que o Cliff não parecia muito feliz, apesar de todas as festas.
Depois da faculdade, estive alguns anos sem ver o Cliff, até que um dia o encontrei numa loja.
“Cliff, como estás?”, disse eu, enquanto reparava que ele usava uma aliança de casamento. Se tivesse entrado na loja a passear um leão pela trela, talvez não me tivesse surpreendido tanto.
“Casei-me”, disse, com um grande sorriso.
“Parabéns”, respondi, apertando-lhe a mão. “Não pensei que fosses do tipo de pessoa que iria casar...”
“Nem eu”, retorquiu.
“O que é que mudou?” perguntei-lhe.
“Bem, tive uma epifania. Percebi que, com toda aquela corrida frenética atrás de mulheres, estava apenas a tentar negar a minha própria mortalidade.”
A visão filosófica e espiritual de Cliff sobre si próprio pareceu-me bastante profunda.
Mais tarde, dei ao Cliff esta citação das Escrituras Bahá’ís:
Tendo, nesta viagem, mergulhado no oceano da imortalidade, libertado o seu coração do apego a qualquer coisa que não seja Ele, e alcançado os mais sublimes cumes da vida eterna, o buscador não verá aniquilação nem para si nem para qualquer outra alma. Beberá do cálice da imortalidade, pisará a sua terra, voará na sua atmosfera, associar-se-á àqueles que são as suas encarnações, tomará os frutos imperecíveis e incorruptíveis da árvore da eternidade, e será contado para sempre nos sublimes cumes da imortalidade, entre os habitantes do reino eterno. (Baha’u’llah, Gems of Divine Mysteries, p. 72)
Para mim, este pequeno excerto e a frase das Palavras Ocultas de Bahá’u’lláh acima exemplificam o cerne da verdadeira religião.
São duas citações que exprimem e examinam a própria raiz da condição humana: vivemos e respiramos hoje, mas amanhã morreremos. A certeza absoluta da nossa morte obriga todos os seres humanos a responder a uma questão fundamental sobre as nossas vidas: O que é que prevalece?
Quem acredita – como Cliff fez durante da fase da folia – que a vida termina quando o corpo morre, então será levado a concluir que nada tem muito valor duradouro. Por outras palavras, poderia concluir que tudo morre, e que somos todos apenas mamíferos sem alma, destinados ao esquecimento eterno no final das nossas vidas físicas. Perante esta opinião, a maioria das pessoas tenta simplesmente encontrar o máximo de prazer, satisfação e conforto material possíveis.
Mas quem percepcionar a presença de algo mais na vida, uma realidade mística e imortal que se estende para além do túmulo, então vai querer planear a longo prazo e não focar toda a sua vida no mundo material.
As pessoas que acreditam que a nossa consciência humana continua após a morte biológica, evocam frequentemente essa fase seguinte da existência vida após a morte. Mas a expressão pode ser enganadora, pois sugere que este mundo físico é onde temos a nossa vida real; e o mundo espiritual que se segue é apenas uma nota de rodapé.
Os ensinamentos Bahá’ís descrevem-no de forma diferente.
Esta fase terrena da nossa existência, diz-nos Bahá’u’lláh, é uma “soberania mortal e efémera”. Transcender essa soberania temporária e livrar os nossos corações do apego a ela, diz Ele, requer reorientar os nossos afectos para a eternidade. Em vez de amar o mundo físico, que acabará por perecer, deveríamos estender o nosso amor aos aspetos espirituais da vida – o infinito e o imperecível. Em vez de nos agarrarmos a este mundo, onde permanecemos apenas por um curto período de tempo, o nosso olhar deve contemplar o horizonte mais amplo e procurar uma visão mais longa.
Os ensinamentos Bahá’ís dizem que cada uma de nós é uma alma imortal, uma essência indestrutível. Esta existência física, que dura algumas dezenas de anos, serve apenas como a primeira fase do nosso crescimento espiritual – mas é uma fase muito importante. Aqui, neste plano material da realidade, devemos escolher entre focar-nos no que é efémero ou no que é duradouro.
Escolham bem.
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Texto original: The Physical or the Spiritual–Choosing What Lasts (www.bahaiteachings.org)
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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA
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